Uma sala foi reservada no Supremo pelo então presidente Sydney Sanches para, sobre uma longa mesa, ficarem dispostos para os ministros os extensos volumes de um dos mais importantes processos que o tribunal teria de julgar.
Num sábado, às vésperas do julgamento do caso Collor, Sepúlveda Pertence e Carlos Velloso tiveram de dividir a sala e os volumes do processo para avaliarem as provas e indícios reunidos pela Procuradoria Geral da República contra o ex-presidente da República Fernando Collor de Mello.
Décadas depois, quando outro julgamento importante desafiou o Supremo, a presidente Ellen Gracie determinou que todos os volumes do processo do mensalão fossem digitalizados. Duas razões principais justificavam a medida: permitir que os ministros tivessem acesso facilitado aos dados do processo e evitar que a “carga” dos autos pelas dezenas de advogados que atuavam no caso atrasassem a tramitação da ação penal.
Deste período para cá, com o processo eletrônico, a realidade dos autos em papel não desapareceu, mas tornou-se gradualmente residual. Na semana passada, a ação mais antiga em tramitação na Corte migrou do papel para o digital. Os autos da Ação Cível Originária (ACO) 158, em que a União e o estado de São Paulo disputavam a posse de uma no município de Iperó (SP), foram digitalizados.
A ação chegou ao Supremo em novembro de 1977, passou pelas mesas de diversos relatores e só foi julgada há um ano, em março de 2020. A União argumentava, em seu favor, que a área em disputa fazia parte dos Campos Realengos, áreas adquiridas no período do Império para a extração de madeira para alimentar os fornos da Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, pertencente à Coroa.
Entretanto, o plenário do tribunal reconheceu a validade dos títulos de domínio de imóveis emitidos pelo estado de São Paulo. A última relatora do processo, ministra Rosa Weber, afirmou que as terras devolutas, desde a Constituição de 1891, pertencem aos estados, com exceção das áreas indispensáveis à preservação ambiental e à defesa das fronteiras, por exemplo.
A decisão foi unânime. Mas, a despeito disso, o processo ainda não transitou em julgado. O motivo: a pandemia do novo coronavírus. A Resolução nº 670/2020 suspendeu os prazos processuais de processos físicos até o dia 30 de abril de 2020. Depois, outra resolução suspendeu a contagem até o final do ano. E não houve ainda por parte do tribunal uma definição sobre a retomada dos prazos.
Os advogados que atuam no caso pedem o pagamento imediato dos honorários devidos. Mas, com os prazos suspensos indeterminadamente, teriam de aguardar uma solução – que não parecia próxima para a normalização dos processos físicos. A digitalização dos autos agora permitirá que o caso volte a correr normalmente. E enfim seja concluído.

A digitalização desse processo é parte de um esforço que a gestão do ministro Luiz Fux resolveu fazer desde setembro do ano passado. O intuito é diminuir os processos físicos em tramitação. Em dezembro, o tribunal contava dois mil processos físicos. Em janeiro, o número caiu pela metade e, em fevereiro, só havia 300 processos restantes.
Vários desses processos são considerados de difícil digitalização, pois contém mapas, documentos originais antigos, mídias. O tribunal então baixou uma resolução em fevereiro que permitiu a digitalização de processos que contenham documentos incompatíveis com o modelo de processo eletrônico, desde que esses fiquem acautelados em secretaria para disponibilidade das partes.
Ao final de março, pelos planos do tribunal, restarão físicos apenas os processos sigilosos que, por regra regimental, devem tramitar em formato físico. Assim, dos 28 mil processos em estoque no tribunal, restarão apenas 150 processos físicos.
*A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna é publicada semanalmente e traz em seu nome uma referência ao ex-ministro Celso de Mello, que atuou como a memória do tribunal durante seus anos como decano. Quem assistia às sessões se acostumou às suas referências que, não raro, iam até o Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI.