Opinião e Análise

Felipe Recondo

No dia 30 de agosto de 1980, o padre italiano Vito Miracapillo assinava o ofício-circular número 1, avisando ao prefeito da cidade de Ribeirão, em Pernambuco, que não celebraria a missa em homenagem ao dia 7 de setembro.
“Tendo recebido o convite para as solenidades da Semana da Pátria, faço cientes os Excelentíssimos Senhores de que não será celebrada a Missa em Ação de Graças no dia 7 e no dia 11, na forma e no horário anunciados. Isto por vários motivos, entre os quais a “não efetiva independência do povo”, reduzido à condição de pedinte e desamparado em seus direitos.
https://youtu.be/Urb2RCsnO8I
O prefeito da cidade, Salomão Correio Brasil, admitia que o padre pudesse celebrar uma missão, mas afirmava ser ultrajante um padre estrangeiro dizer que o povo brasileiro não era independente.
No dia 7 de setembro, o padre celebrou uma missa, não como dele esperavam, em homenagem à independência. Na igreja, distribuiu um boletim, que também seria usado posteriormente contra ele.
[caption id="attachment_268565" align="aligncenter" width="492"]<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/08/captura-de-tela-2020-08-29-as-20-17-50-01.jpeg"><img class="wp-image-268565 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/08/captura-de-tela-2020-08-29-as-20-17-50-01.jpeg" alt="A oração distribuída por Miracapillo no dia 7 de setembro" width="492" height="627" /></a> A oração distribuída por Miracapillo no dia 7 de setembro[/caption]
E daí em diante, iniciou-se um processo administrativo curto, cujo desfecho é conhecido: Miracapillo foi expulso do país por exercer atividade política vedada a estrangeiro e porque sua presença era considerada nociva aos interesses nacionais, tudo com base no novo Estatuto do Estrangeiro, sancionado em agosto. O padre só pôde voltar ao Brasil em 2012, quando obteve novo visto de permanência.
Mas é o capítulo aparentemente menor desta história que será retratado nesta e na próxima semana aqui na ExCelso. Quatro habeas corpus foram impetrados no Supremo. E serviram de teste para o tribunal em momento de abertura, de transição da ditadura militar para a democracia.
O caso, olhando retrospectivamente, serviu de teste para o Supremo. O tribunal era composto integralmente por ministros nomeados durante a ditadura militar, mas, independentemente desta constatação, juridicamente não era possível fazer muito.
O relator dos quatro habeas corpus foi o ministro Djaci Falcão, que nasceu na cidade de Monteiro, na Paraíba, mas construiu sua vida em Recife, Pernambuco, terra de seu pai, Francisco Cândido de Mello Falcão. Conhecia, pois, a realidade local. Foi nomeado em 1967 pelo presidente Castello Branco depois de construir sua carreira toda na magistratura.
Inicialmente, Falcão concedeu a liminar para suspender os efeitos do decreto de expulsão assinado pelo presidente João Figueiredo até o julgamento pelo Supremo. Uma decisão que, por si só, já era incomum.
Contudo, as teses debatidas eram relativamente simples. A jurisprudência do Supremo era consolidada. Não havia argumento jurídico capaz de tirar do STF uma ordem de habeas corpus que impedisse a expulsão do padre. Não para menos, Falcão negou o pedido de habeas corpus, sendo seguido por todos os colegas.
[caption id="attachment_268567" align="aligncenter" width="595"]<a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/08/captura-de-tela-2020-08-29-as-20-24-48.png"><img class="wp-image-268567 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/08/captura-de-tela-2020-08-29-as-20-24-48.png" alt="Trecho do voto do ministro Cunha Peixoto" width="595" height="246" /></a> Trecho do voto do ministro Cunha Peixoto[/caption]
Entretanto, a despeito do resultado, o processo no STF é prolífico em diferentes aspectos: desde a atenção dada ao caso pela imprensa e pela opinião pública, que se mobilizou em diversas partes do país, até a expectativa da comunidade jurídica por uma nova postura do Supremo em relação ao governo.
Aspectos que permitem fazer uma ponte entre o STF daquela década e o Supremo de hoje. E esta comparação será o objeto da segunda parte desta coluna, na semana que vem, um dia antes do 7 de setembro, numa entrevista com quem pesquisou a fundo este processo no STF -  a professora da Universidade de Brasília (UnB) Maria Pia Guerra.
*A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna será publicada semanalmente e traz em seu nome uma referência ao atual decano, Celso de Mello, que, pela função e temperamento, funciona como a memória do tribunal. Quem assiste às sessões já se acostumou às suas referências que, não raro, vão até o Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI.

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JOTA

No dia 30 de agosto de 1980, o padre anunciou que não celebraria a missa em homenagem ao dia da Independência

ExCelso: O STF e a expulsão do padre Vito Miracapillo

No dia 30 de agosto de 1980, o padre anunciou que não celebraria a missa em homenagem ao dia da Independência