Opinião e Análise

Felipe Recondo

Três décadas separam o julgamento mais importante do STF da semana passada de um dos precedentes fundamentais para a construção da jurisprudência sobre  mandados de injunção. Em 6 de março de 1991, o Supremo começou a julgar o <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/05/mi-283.pdf">Mandado de Injunção 283</a> e, pela primeira vez, estabeleceu um prazo para que outro poder regulamentasse um direito previsto na Constituição.
O caso foi lembrado pelo <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-determina-que-governo-institua-renda-basica-para-camadas-mais-pobres-em-2022-26042021/attachment/5300429-2">ministro Gilmar Mendes no voto</a> que acabou por prevalecer na semana passada, com a determinação ao Executivo que pague, já em 2022, uma renda mínima a cidadãos que estejam em situação de pobreza ou extrema pobreza. Há algo mais em comum entre os dois casos julgados distantes 30 anos: o ministro Marco Aurélio ficou vencido em ambos os processos.
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Alfredo Ribeiro Daudt, oficial da Aeronáutica, acionou o Supremo em 1990 para obter do tribunal uma decisão que lhe garantisse um benefício que o Congresso Nacional deveria ter regulamentado depois de promulgada a Constituição: a reparação econômica àqueles cidadãos que foram cassados pela ditadura militar e impedidos de exercerem uma atividade profissional específica.
Daudt foi transferido para a reserva e depois demitido da Força Aérea Brasileira com base no Ato Institucional 1, de 1964. Sem os proventos militares, ele buscou seguir a carreira como piloto na aviação civil. Entretanto, o Departamento da Aeronáutica Civil (DAC) do Ministério da Aeronáutica negou o certificado de habilitação técnica necessária para a função àqueles que foram atingidos pelo ato institucional. Decisões, disse o ministro Pertence, sistemáticas e sem qualquer fundamentação.
Só depois da abertura política e com a aprovação da Lei de Anistia, Daudt pôde obter o certificado de habilitação exigido para trabalhar como piloto. Já estava, então com 58 anos de idade.
Veio a Constituição de 88 e previu – no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – a reparação econômica aos cidadãos que foram impedidos de exercer sua atividade com base nas portarias arbitrárias do Ministério da Aeronáutica depois de baixado o AI 1.
Entretanto, o Congresso não aprovou legislação específica para regulamentar o pagamento dessa indenização. Projetos nesse sentido já tinham sido aprovados no Senado e por uma comissão da Câmara, mas não chegaram à votação final. E por isso Daudt recorreu ao Supremo.
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Relator do processo, Pertence recebeu o MI em outubro de 1990 em seu gabinete e o levou ao julgamento em março de 1991. O tribunal assistiu então a uma dobradinha que o ministro Octavio Gallotti dizia ser imbatível. Pertence e o ministro Moreira Alves são mais lembrados na história por seus embates. Mas quando os dois concordavam, levavam o tribunal consigo.
Certa vez, Gallotti – conversando com sua filha, Isabel Gallotti, ministra do Superior Tribunal de Justiça – disse que, na sua época, havia sempre uma saída confortável para os julgamentos: se Pertence e Moreira Alves discordassem, escolhia-se um lado; se os dois concordassem, era fácil saber onde estava o direito – e bastava segui-los.
Foi o que aconteceu em 1991. Pertence inicialmente proferiu um voto mais contido. Disse se basear em precedentes da própria Corte –  o MI 107, julgado no ano anterior (1990) -  para limitar sua decisão a, simplesmente, reconhecer a omissão inconstitucional do Poder Legislativo.
“Lamento, em casos como este, que o direito positivo – segundo orientação da Corte, à qual, em termos dogmáticos, me mantenho solidário - , não dê instrumentos mais eficazes, pelo menos, para induzir à urgência no suprimento da omissão inconstitucional do Poder Legislativo, cuja persistência frustra a eficácia da Constituição e pode eventualmente engajar a responsabilidade patrimonial do Estado”, votou.
Moreira Alves, decano da Corte, abriu um debate logo em seguida que fez Pertence pedir para adiar o julgamento. Moreira Alves lembrou que o plenário – no MI 107, relatador por ele – deixou espaço aberto para que o STF suprisse a falta de uma legislação, não se limitando apenas a indicar a omissão do Legislativo ou do Executivo.
O julgamento foi suspenso e retomado no dia 20 de março. A provocação de Moreira Alves fez Pertence alterar seu voto e promover um avanço na jurisprudência dos mandados de injunção, instrumento que passa - ainda hoje - por aperfeiçoamentos na jurisprudência da Corte.
O tribunal, ao final, deu um prazo para que outro poder adotasse medidas necessárias para o cumprimento de algo previsto na Constituição: 45 dias para a aprovação e mais 15 dias para a sanção. Se fosse ultrapassado esse prazo, sem que a lei fosse promulgada, o tribunal reconheceria a Alfredo Ribeiro Daudt o direito líquido e certo de obter, pelas vias adequadas, o cálculo e pagamento de uma indenização. O tribunal, portanto, não estabelecia o valor a ser pago.
E foi aqui que o ministro Marco Aurélio ficou vencido. Em 1991 e <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-volta-a-julgar-omissao-do-executivo-em-instituir-renda-basica-16042021/attachment/mi7300_renda-basica_mam">agora em 2021</a>. No primeiro julgamento, Marco Aurélio defendeu que o tribunal já fixasse o valor da indenização. Na semana passada, no caso da renda mínima cidadã, processo do qual foi relator, votou para estabelecer o pagamento de um salário mínimo a todos os brasileiros a título de renda básica de cidadania. A decisão que prevaleceu, repetindo o STF de 1991, deixou para o Congresso e Executivo o cálculo do benefício a ser pago a partir do ano que vem.
*A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna é publicada semanalmente e traz em seu nome uma referência ao ex-ministro Celso de Mello, que atuou como a memória do tribunal durante seus anos como decano. Quem assistia às sessões se acostumou às suas referências que, não raro, iam até o Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI.

Gilmar e Pertence

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JOTA

Em 1991 e em 2021, o ministro Marco Aurélio ficou vencido

ExCelso: Decisão sobre renda mínima rememora caso histórico julgado há 30 anos

Em 1991 e em 2021, o ministro Marco Aurélio ficou vencido