Opinião e Análise

Raphael Gomes

O ano de 2022 começou com o final da pior crise hídrica dos últimos 91 anos, um alívio. Terminado o cenário tenebroso do ponto de vista de segurança energética e com a pandemia arrefecendo, o ano trouxe altas expectativas em relação a mudanças legislativas, desinvestimentos e alterações regulatórias relevantes.
Esse ciclo também foi marcado por uma onda de otimismo: finalmente o Projeto de <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2270036">Lei nº 414/2021</a> chegara à Câmara dos Deputados após uma tramitação de quase 5 anos no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/senado">Senado Federal</a>.
O projeto é considerado um dos mais importantes diplomas legais para o Setor de Energia desde a Lei nº 10.848/2004, que instituiu o Marco do Setor Elétrico hoje em vigor. Esse PL trata da evolução do Mercado de Energia, incluindo as ferramentas para sua total abertura.
Em uma tramitação ímpar em nossa história recente, o PL 414 chegou à fase final do processo legislativo praticamente inalterado em relação ao texto fruto da Consulta Pública (CP) nº 33/2017. Mas as razões para o otimismo não paravam por aí: a relatoria do PL ficou a cargo do Deputado Fernando Coelho Filho que, quando Ministro de Minas e Energia (2016-2018), foi responsável pela CP 33 e, portanto, o maior entusiasta da proposta dentro do Congresso.
Seguindo as fortes expectativas para o ano, janeiro nos trouxe o Marco Legal da Geração Distribuída, com a publicação da Lei nº 14.300 e a regulamentação da Conta de Escassez Hídrica, que foi a solução prevista na Medida Provisória nº 1.078/2021 para enfrentamento dos impactos financeiros decorrentes da crise por parte das Distribuidoras de Energia. Fechando o mês em grande estilo, tivemos a publicação do Decreto nº 10.946, que trouxe as diretrizes iniciais para a implantação e exploração de projetos de energia eólica offshore no Brasil.
Após um mês de fevereiro sem grandes novidades, o mês de março começou logo com um dos marcos temporais mais importantes dos últimos anos para o Setor: 2 de março ficou marcado como o último dia para o requerimento de outorga de geração com direito ao benefício do desconto na TUST/TUSD, conforme previsto na Lei nº 14.120/2021. A corrida para a obtenção de outorgas com o benefício resultou no acúmulo de quase 200 gigawatts de requerimentos perante a ANEEL, o que causou atraso em procedimentos regulares da Agência e, ainda, mudança de entendimento em questões anteriormente pacificadas — como, por exemplo, alterações de cronograma.
Abril trouxe dois fatos marcantes. Logo em seu primeiro dia foi publicada a Resolução Normativa ANEEL nº 1.011, que trouxe profundas inovações nas regras para obtenção e manutenção de outorga para comercialização de energia elétrica. Em seguida, foram publicados os decretos contendo a nomeação dos novos diretores da agência, incluindo a recondução de Hélvio Guerra e as nomeações de Ricardo Tili, Fernando Mosna e Agnes Costa para cumprirem seus primeiros mandatos à frente da Agência.
A capitalização da Eletrobras — processo do qual a equipe do Lefosse participou assessorando juridicamente o BNDES — era um dos marcos mais esperados por todo o setor de infraestrutura no País, e sua reta final foi iniciada em maio, quando o Tribunal de Contas da União atestou a regularidade e autorizou o Governo Federal a dar continuidade ao processo.
A redução das tarifas de energia ganhou protagonismo no mês de junho, com a publicação da Lei Complementar nº 194, a qual incluiu a energia elétrica entre os bens essenciais, vedando ao legislador estadual a fixação de alíquotas superiores ao patamar das alíquotas gerais de ICMS, normalmente fixadas em 17% ou 18%.
O penúltimo dia do mês de junho foi marcado por decisão da ANEEL que causou bastante controvérsia no Setor Elétrico: faltando 2 dias para o término do mês, a Diretoria Colegiada da ANEEL determinou a alteração imediata — já aplicável a partir de julho — de norma que vigorava há 9 anos e que tratava da estabilização da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) de geradores de energia.
Os meses de julho e agosto seguiram sem grandes novidades, tendo como destaque a publicação da Resolução Normativa ANEEL nº 1.027, que supriu uma lacuna existente e trouxe requisitos e procedimentos necessários à prorrogação das concessões de Uso de Bem Público e para a modificação do regime de exploração das concessões de aproveitamento hidrelétrico destinadas ao serviço público.
Já o mês de setembro trouxe outro marco importante para o Setor: o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou a Portaria 50, que garantiu o acesso ao Mercado Livre para todos os consumidores de alta tensão, que não terão mais que obedecer à restrição de demanda contratada de 500kW.
No último bimestre de 2022, em meio à Copa do Mundo e ao início do processo de transição governamental, tivemos a publicação da Portaria nº 59 do MME, que trouxe diretrizes gerais a serem adotadas para a realização de Leilões nos Sistemas Isolados, buscando maior eficiência, renovação da matriz e redução de custos. Também na última quinzena do ano foi publicado o Decreto nº 11.310 que, regulamentando a Lei n º 12.334/2010, trata das atividades de fiscalização e governança federal da Política Nacional de Segurança de Barragens.
Infelizmente vamos terminar essa retrospectiva sem um capítulo final do PL 414, citado no início desse artigo: sua votação acabará ficando para 2023 e estamos aqui, assim como todos os operadores e entusiastas do Setor Elétrico, torcendo para que na próxima retrospectiva essa novela tenha um final (preferencialmente feliz).

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