Opinião e Análise

Raphael Gomes

Investimentos em energia renovável, atrelados à <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/esg">agenda ESG</a>, além da busca de mais previsibilidade nas despesas com energia, levam empresas de diversos setores da economia a produzirem sua própria energia, tanto no mercado regulado (geração distribuída) como no mercado livre (autoprodução). Os aportes para os próximos cinco anos devem superar R$ 25 bilhões, de acordo com estimativas de mercado.
Apesar desse interesse crescente, há desafios e receios. Os empresários estão acompanhando de perto a tramitação do <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2270036">PL 414/2021</a>, que trata da modernização do setor elétrico, que além de abarcar a abertura do mercado livre de energia elétrica para a baixa tensão, poderá criar impactos para a APE, por afetar direta e profundamente o regime jurídico da autoprodução no país.
Após seis anos de ricas e profundas discussões com a sociedade, as informações são de que o texto será aprovado na Câmara até o final deste ano, independentemente do resultado das próximas <a href="https://www.jota.info/eleicoes">eleições</a>.
Porém, ao chegar na Câmara, foi apresentado (na véspera do feriado de Carnaval) um substitutivo que afeta direta e profundamente o regime jurídico da autoprodução do país.
A mudança de 180 graus em relação ao tratamento da autoprodução não foi bem recebida pelo mercado, seja por estar em desacordo com anos de discussão (iniciada nas Consultas Públicas do MME nºs 32 e 33), seja por ir de encontro à segurança jurídica e o respeito aos contratos primados, tão importantes para a atração de investimentos.
E a surpresa do mercado tem fundamento. O início da discussão do PL 414 deu origem ao relatório “Princípios para Atuação Governamental no Setor Elétrico”, que já alertava que “a credibilidade requer também atenção à garantia da segurança jurídica e à santidade de contratos”.
Na contramão de tais princípios, há três aspectos no PL 414 sobre a autoprodução que merecem atenção do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/congresso-nacional">Congresso Nacional</a>.
Em primeiro lugar, o PL propõe que o autoprodutor por equiparação (aquele que atua como acionista de sociedade titular de outorga de geração) “poderá” aderir às novas regras no prazo de 90 dias. A “faculdade” dada ao autoprodutor não faz sentido. O novo regime é, em todos os sentidos, menos atrativo ao autoprodutor, de modo que não se vislumbra a adesão voluntária a um regime menos benéfico. Por outro lado, caso signifique uma adesão obrigatória às novas regras, estar-se-á diante da adesão a um regime mais gravoso e incompatível com os contratos firmados e investimentos realizados.
Em segundo lugar, para empreendimentos outorgados após a vigência da nova lei, somente será considerada a energia autoproduzida no mesmo local do consumo caso a geração seja proveniente de novas outorgas. Por exemplo, um consumidor de 25 MW que possua central geradora de energia em outro local não será caracterizado como autoprodutor. Todavia, um consumidor concorrente, do mesmo ramo econômico, com consumo de 30 MW, poderá ser autoprodutor independentemente do local de sua usina geradora.
O terceiro e último aspecto concerne ao fato de que o projeto de lei traz redação imprecisa, mas que pode ser interpretada no sentido de que os excedentes de energia do autoprodutor somente podem ser cedidos para consumidores alocados dentro do mesmo terreno. A restrição não se justifica e altera a regra atual — na qual o autoprodutor pode ceder livremente seus excedentes para qualquer outro consumidor ou gerador. Ora, qualquer consumidor livre no país pode ceder seus excedentes, por que o autoprodutor não poderia?
O regime da autoprodução, cujos parâmetros lastrearam a decisão de diversos consumidores em investir em projetos de geração, foi alterado em aspectos importantes na recente versão do PL, e são inúmeros os casos noticiados de consumidores que investiram em energia limpa e renovável nos últimos anos, com a assinatura de contratos de longo prazo e vultosos investimentos envolvidos.
Nos recentíssimos casos do Marco Legal da Geração Distribuída (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14300.htm">Lei 14.300/22</a>) e da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14120.htm">Lei 14.120/21</a>, cujo teor determinou o fim do subsídio nas Tarifas de Uso dos Sistemas de Transmissão e de Distribuição, foram estabelecidos períodos de transição, com previsibilidade e respeito aos contratos, demonstrando a segurança jurídica e o respeito aos contratos primados do setor de energia. O texto do PL 414 durante sua longa tramitação no Senado trazia o alinhamento a tais princípios, mas foi deixado de lado — no que tange à autoprodução — com o substitutivo apresentado em sua chegada à Câmara.
A segurança jurídica e estabilidade regulatória são primados que alteram a tomada de decisão dos investidores e são intimamente ligados ao chamado “risco brasil”.
Os investimentos em autoprodução nos últimos anos foram realizados em um momento de escassez de leilões regulados em decorrência do arrefecimento da economia, tendo sido os grandes propulsores e viabilizadores econômicos da expansão da geração de energia renovável no país.
A mudança das regras aplicada a projetos já contratados coloca em risco bilhões de reais em investimentos, milhares de empregos e o atingimento de metas ESG por diversas indústrias que optaram pela autoprodução com energia renovável para redução de suas emissões de CO₂.
É inegável a importância de se aprimorar e equilibrar a alocação de custos e riscos no setor elétrico brasileiro, notadamente a necessidade de tratamento aos subsídios cruzados e aos incentivos que impactam o consumidor de energia. No entanto, é imprescindível que alterações nas regras sejam precedidas de um regime de transição justo e adequado, que preserve a segurança jurídica, a estabilidade regulatória e a “santidade dos contratos”, pilares fundamentais para o contínuo crescimento e atração de investimentos para o Brasil.

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JOTA

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