Opinião e Análise

Raphael Gomes

A Usina Hidrelétrica de Itaipu é um investimento binacional, verdadeiro divisor de águas na história da geração de energia no Brasil e no mundo. Disciplinada no tratado entre a República Federativa do Brasil e a República do Paraguai para o aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do Rio Paraná (Tratado Itaipu), a energia produzida é dividida entre os dois países, sendo possível que seja utilizada para o autoconsumo a energia excedente do outro. 
A tarifa de repasse de Itaipu para o consumidor brasileiro é formada pela soma dos Custos de Serviço de Eletricidade (Cuse), aprovada pela <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/aneel">Aneel</a>, da remuneração paga ao Paraguai pela energia cedida (já que o país vizinho não utiliza toda sua cota), entre outros componentes.
A Cuse, que é uma das principais rubricas para a composição da tarifa de repasse, é composta por despesas de exploração (operação, manutenção, gestão e projetos socioambientais); por encargos do anexo C do tratado – que dispõe sobre questões financeiras, como o pagamento de royalties) – e empréstimos e financiamentos utilizados para a construção da usina. 
O valor dos empréstimos representava aproximadamente 60% dos custos e, felizmente, a dívida foi quitada no final de fevereiro de 2023. A quitação desta dívida fez nascer a legítima expectativa de uma redução significativa na tarifa de repasse. Todavia, conforme veremos a seguir, essa expectativa acabou se transformando em frustração.
Em 29 de dezembro do ano passado, a Aneel homologou, provisoriamente, a tarifa de repasse em US$ 16,19/kWh/mês. Contudo, em 17 de abril deste ano, Itaipu definiu o Cuse para o exercício de 2023 em US$ 16,71/kW/mês, contra o valor provisório de US$ 12,67/kW/mês, estipulado no fim de 2022. Por fim, em 25 de abril deste ano, a tarifa de repasse foi definitivamente aprovada pela Aneel em US$ 20,23/kW, aplicável aos faturamentos realizados de 1º de janeiro deste ano a 31 de dezembro de 2023, retroativamente.
A diferença da tarifa inicial para a homologada definitivamente decorre do aumento bilionário no valor da Cuse, o que foi feito sem a devida transparência e, talvez, sem os procedimentos legais necessários.
Segundo o novo diretor-geral da Itaipu Binacional, Enio Verri, a gradação no valor destas despesas decorre do fato de que “a modicidade tarifária não é a prioridade, e parte dos recursos serão alocados em projetos sociais”. Com isso, o montante total repassado ao consumidor brasileiro, que em 2022 era de R$ 5 bilhões/ano, passará para R$ 7,6 bilhões em 2023.
A declaração do diretor-geral não parece estar coadunada com os fundamentos do Modelo do Setor Elétrico Brasileiro, conforme consta da exposição de motivos da Medida Provisória 144/2003, que deu origem à <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.848.htm">Lei 10.848/2004</a>. O modelo regulatório e legal que fundamenta o setor elétrico brasileiro possui três pilares sacramentais: modicidade tarifária, continuidade e qualidade da prestação do serviço, e justa remuneração aos investidores. Investimento em projetos sociais é uma iniciativa louvável, mas não deve ser financiada pelo consumidor de energia elétrica.
Em sustentação oral na reunião pública de diretoria da Aneel, em 25 de abril deste ano, a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Abradee) asseverou que o impacto no caixa das distribuidoras cotistas chegará a R$ 500 milhões este ano, valor que será cobrado na conta de energia do consumidor brasileiro. 
Ultrapassado o impacto financeiro brutal ao consumidor brasileiro, há ainda a questão jurídica que deve ser analisada neste episódio. Temos que lembrar que a alteração de premissas na estrutura de custos de Itaipu é de competência exclusiva do Congresso Nacional e não poderia ter sido realizada de maneira unilateral pela estatal com a homologação da agência reguladora.
Considerando que a tarifa de repasse é tratada como um encargo pago pelas concessionárias de distribuição das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e repassadas ao consumidor brasileiro, decorrente de um tratado internacional, seu controle e regramento são de vital importância para a proteção do interesse público, devendo ser aplicado o inciso I do artigo 49 da Constituição Federal. Além dos consumidores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste – diretamente impactados –, a tarifa de repasse também afeta todos os demais consumidores do país, uma vez que afeta o cálculo do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), utilizado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ccee">CCEE</a>) para contabilizar todas as operações de compra e venda de energia elétrica no país. Esse fato não é novidade na operação de Itaipu.
Como precedente, podemos citar que em 2011, em estrita obediência ao citado artigo 49 da Constituição Federal, o Congresso foi provocado e editou o Decreto Legislativo 129, o qual aprovou o Texto das Notas Reversais entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Paraguai sobre as bases financeiras do Anexo C do Tratado de Itaipu, firmadas em 1º de setembro de 2009, isto é, os novos valores a serem recebidos pelo Paraguai, a título de cessão de energia de Itaipu.
Dessa forma, a inclusão de custos não relacionados com a operação e manutenção de Itaipu – como obras de infraestrutura em pontes e estradas em determinados estados da federação – não poderia impactar a tarifa do consumidor brasileiro sem prévia autorização legislativa. 
O fato não passou despercebido pelo Legislativo. Em 17 de abril foram apresentados os requerimentos da Comissão de Serviços de Infraestrutura 37 e 38, de 2023, que dispõem sobre a necessidade da realização de audiência pública com o ministro de Minas e Energia e com o diretor-geral da Aneel, a fim de que sejam prestadas informações sobre a composição da tarifa aplicada à energia elétrica comercializada por Itaipu. 
Os esclarecimentos são essenciais para que a sociedade entenda a origem e o fundamento jurídico da alocação de tais custos na tarifa de Itaipu. Caso seja confirmado que houve uma mudança na estrutura de custos da tarifa de repasse sem a devida aprovação pelo Congresso, caberá às partes envolvidas sanear o processo, sob pena de, infelizmente, estarmos diante de mais um caso no qual os consumidores brasileiros – e suas respectivas associações – acabarão por ter que recorrer ao Judiciário para não serem impactados, indevidamente, por subsídios e encargos não relacionados ao efetivo fornecimento e serviço de energia elétrica.

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JOTA

Caso se confirme que houve mudança na tarifa de repasse sem aprovação do Congresso, caberá às partes sanear o processo

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Caso se confirme que houve mudança na tarifa de repasse de Itaipu sem aprovação do Congresso, caberá às partes sanear o processo