Opinião e Análise

Juliana Rodrigues Malafaia

Gisele Reis

A Lava Jato, a pandemia, a prisão do candidato e ex-presidente Lula, a divulgação de fake news, bem como a facada no atual presidente contribuíram para que esse seja o período eleitoral mais polarizado que já vimos no Brasil. As <a href="https://www.jota.info/eleicoes">eleições de 2022</a> também ganham repercussão pela maior participação das mulheres na política e pelo aumento do número de candidaturas negras, mas lamentavelmente também tem se destacado como o processo eleitoral com a maior incidência de violência política nos últimos tempos.
Com a proximidade do primeiro turno, os ânimos se tornam cada vez mais acirrados e, à medida que a campanha eleitoral avança, tende a crescer a violência política. Somente no primeiro semestre, foram registrados 214 casos de violência política. O <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/politica/violencia-politica-cresce-32-no-primeiro-semestre-de-2022/">número é 32% maior</a> que os 161 episódios registrados no primeiro semestre de 2020 – último ano eleitoral.
Além disso, recentes episódios de violência política com uso de arma foram protagonizados, como o assassinato do guarda municipal no Paraná e a morte de um homem na zona rural no interior de Mato Grosso após uma discussão política. Eles fazem parte da estatística que aponta mais de 40 vítimas de homicídio por motivos políticos só neste ano.  
A notícia mais recente que se tem é que em ato de campanha, em uma feira em Porto Alegre, um <a href="https://veja.abril.com.br/politica/ciro-gomes-registra-b-o-apos-tentativa-de-agressao-de-bolsinarista-no-rs/">presidenciável foi vítima de uma tentativa de agressão</a> por um homem supostamente armado. Agressões físicas, ameaças, xingamentos são apenas algumas das condutas desrespeitosas praticadas no contexto da violência política, que tem como vítima eleitores e candidatos, em especial as mulheres, por sofrerem violência política de gênero.  
Esse contexto fica ainda mais preocupante porque nos últimos três anos, milhares de armas foram parar nas mãos de civis, algo inédito na história do Brasil. Se a esse número acrescentarmos a quantidade de caçadores, atiradores desportivos e colecionadores armados, o volume de armas privadas ultrapassa o montante de armas do Estado em poder dos <a href="https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/">órgãos encarregados de fazer a segurança pública</a>. 
Tais números são reflexos de algumas dezenas de decretos publicados em 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro que facilitaram a compra e posse de armas de fogo e aquisição de munições. Cumprindo promessa de campanha, Bolsonaro aumentou de quatro para seis o número de armas que um cidadão comum pode adquirir; passou a permitir o porte simultâneo de duas armas; deixou de exigir que o comprovante de aptidão psicológica fosse emitido por servidor da Polícia Federal, bastando o laudo assinado por quem tenha registro no Conselho; aumentou consideravelmente a quantidade de munição permitida para compra; e ampliou a <a href="https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/02/13/veja-o-que-muda-com-os-novos-decretos-de-bolsonaro-sobre-armas-de-fogo.ghtm">lista de categoria de profissionais com direito a adquirir armas e munições controladas pelo exército</a>.
No entanto, a constitucionalidade de algumas dessas normas foi questionada em três ADIs no Supremo Tribunal Federal. Os decretos estavam sob análise judicial e com pedido de vista do ministro Nunes Marques desde 17 de setembro do ano passado, quando o julgamento foi suspenso. A pedido dos partidos autores das ações, tendo em vista a proximidade das eleições, o ministro Edson Fachin, relator dos casos, decidiu então suspender a eficácia dos decretos. “O risco de violência política torna de extrema e excepcional urgência a necessidade de se conceder o provimento cautelar”, foi a <a href="https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=493519&amp;ori=1">justificativa apresentada</a>.
As normas que 1) aumentaram o número de munições que podem ser compradas mensalmente; 2) autorizam a CACs (caçador, atirador e colecionador) a compra e o porte de armas de uso restrito; e, 3) estabeleciam a exigência de uma declaração de efetiva necessidade para compra de arma de uso permitido foram suspensas com a concessão das liminares. 
As decisões, proferidas na última semana pelo ministro Edson Fachin restringem os efeitos das normas justamente por risco de violência política. Quanto à aquisição de armas e munição, o novo entendimento é que o limite adquirível é aquele que, de forma diligente e proporcional, garante apenas o necessário à segurança dos cidadãos. 
Já a aquisição de arma de uso restrito só pode ser autorizada no interesse da própria segurança pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal do requerente. Para o ministro Fachin, a necessidade de uso de arma de fogo deve ser sempre concretamente verificada, e não presumida. 
Em relação a posse de armas de fogo, só poderá ser autorizada às pessoas que demonstrem concretamente, por razões profissionais ou pessoais, terem efetiva necessidade. 
O discurso em prol do armamento de civis é defendido por alguns sob a justificativa da garantia de proteção do cidadão e também tem sido utilizado como meio para a defesa da democracia. E é exatamente nesse cenário, marcado por um discurso de ódio e intolerância, que a tensão se instala já que de certa forma, há um clima belicoso no atual momento da sociedade brasileira.  
O risco do aumento da violência política se avizinha e mais armas geram mais inseguranças e violência, sobretudo para grupos sociais vulnerabilizados, como negros e mulheres, trazendo o debate quanto a política armamentista de volta pra mesa. 
Justamente por isso o ministro ressaltou que, em contextos de alta violência e sistemática violação de direitos humanos, o escrutínio das políticas públicas estatais deve ser feito de forma a considerar sua propensão a otimizar o direito à vida e à segurança, mitigando riscos de aumento da violência. E entendeu então que não cabe ao Executivo expandir o entendimento já esposado na Constituição de que a segurança pública é dever do Estado, vedando a banalização do armamento da população. 
Num contexto em que a violência urbana está fortemente vinculada à utilização de armas de fogo, somado ao período eleitoral mais polarizado que já se viu, podemos crer que armas serão sempre bem empregadas? O afrouxamento das regras para aquisição nos levam à conclusão oposta. 
Aliás, empiricamente já se demonstrou o contrário: mais armas, mais crimes. Já se verificou – em números – a relação entre a difusão de armas de fogo e o aumento de homicídios, feminicídios, suicídios e acidentes fatais envolvendo crianças, além dos lamentáveis casos de balas perdidas, isso sem mencionar que esse arsenal pode, em algum momento, ser desviado para alimentar o mercado ilegal de armas nas mãos de criminosos. 
O medo atingiu até mesmo os mesários convocados para o próximo dia 2 de outubro – um em cada três relatou temer ataques nas eleições. Atento, o <a href="https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2022/resolucao-no-23-708-de-1deg-de-setembro-de-2022">plenário do Tribunal Superior Eleitoral determinou</a> que pessoas portando armas de fogo estão proibidas de se aproximarem a menos de 100 metros das seções eleitorais nas 48 horas que antecedem o pleito e nas 24 horas que o sucedem. 
A pergunta feita pelo ministro Fachin em seu voto e que devemos formular a nós mesmos enquanto cidadãos que vivem em grupo é: a facilitação à circulação de armas, na sociedade, aumenta ou diminui a expectativa de violência?

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JOTA

A facilitação à circulação de armas, na sociedade, aumenta ou diminui a expectativa de violência? 

Segurança nas eleições

A facilitação à circulação de armas, na sociedade, aumenta ou diminui a expectativa de violência?