Opinião e Análise

Rosalina Moitta Pinto da Costa

No último dia 5 de junho, por maioria de 7 a 5, a Corte Especial do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">STJ</a> decidiu que a verba honorária sucumbencial, a despeito de sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC (Tema 1153).
O Tema 1.153, afetado em 2022, visa definir “se os honorários advocatícios de sucumbência, em virtude da sua natureza alimentar, inserem-se ou não na exceção prevista no § 2º do art. 833 do Código de Processo Civil de 2015 – pagamento de prestação alimentícia”.
A decisão do STJ, partindo de uma sutil distinção na definição da verba honorária para afirmar a impenhorabilidade do salário para pagamento de honorários advocatícios, faz uma mudança brusca no entendimento que se vinha firmando no tema da relativização da regra da impenhorabilidade, violando a coerência e a integridade do sistema de precedentes.
Há tempos, o STJ tem relativizado a regra geral da impenhorabilidade, sob o entendimento de que sua mitigação só deve ser feita se inviabilizados outros meios executórios que possam garantir a efetividade da execução e desde que não comprometa a subsistência digna do devedor e de seus familiares<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Trata-se de um posicionamento que se tem sedimentado desde o CPC de 1973. O STJ tem evoluído, admitindo a relativização da regra da impenhorabilidade na execução de dívida não alimentar, desde que o bloqueio de parte da verba remuneratória não prejudique a subsistência digna do devedor e de sua família, conforme se observa nos julgados abaixo emanados das Turmas, bem como da Corte Especial:
<blockquote class="jota-article__citation">[...] Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família [...] (STJ (Corte Especial). EREsp n. 1.518.169/DF. Relator: Min. Humberto Martins. Relatora para acórdão: Min. Nancy Andrighi. Julgamento: 3/10/2018. Publicação: DJe de 27/2/2019.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">[...] A Corte Especial, ao julgar o EREsp 1.518.169/DF, entendeu que a regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc., prevista no art. 649, IV, do CPC/1973 (correspondente ao art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada a fim de satisfazer crédito de natureza não alimentar, desde que preservado o suficiente para garantir a subsistência digna do demandado e de sua família. [...] (AgInt no AREsp n. 2.318.451/RN, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 20/11/2023, DJe de 23/11/2023.)<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a></blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">[...] É da jurisprudência desta Corte Superior que a regra da impenhorabilidade dos proventos, posta no art. 833, IV, do CPC/2015, não se reveste de caráter absoluto [...] Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais, prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. (AgInt no AREsp n. 1.801.406/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 25/4/2022, DJe de 28/4/2022.)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a></blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">[...] 3. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família [...] (STJ (Terceira Turma). REsp n. 1.658.069/GO. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Julgamento: 14/11/2017. Publicação: DJe de 20/11/2017)<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a></blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">[...] Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 833, IV, do CPC de 2015, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação de crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir sua subsistência digna e a de sua família [...] (STJ (Quanrta Turma). AgInt no AREsp n. 1.846.798/DF. Relator: Min. João Otávio de Noronha. Julgamento: 19/3/2024. Publicação: DJe de 22/3/2024)<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">[...] A penhora, em execução, de saldo em conta de investimento sujeita-se ao regramento do art. 833, X, do Código de Processo Civil (impenhorabilidade até o montante de 40 salários-mínimos) - que incide, inclusive, nas execuções de natureza não alimentar -, ainda que o montante tenha sido transferido (seja oriundo) de conta vinculada do FGTS, afastando-se, assim, a alegada impenhorabilidade absoluta de que trataria o art. 2º, § 2º, da Lei 8.036/90. Precedentes. [...] (AgRg no REsp n. 2.021.651/PR, relator Ministro João Batista Moreira (Desembargador Convocado do TRF1), Quinta Turma, julgado em 19/9/2023, DJe de 25/9/2023)</blockquote>
Vê-se que as Turmas e a Corte Especial do STJ têm assentado o entendimento de que o julgador pode admitir, excepcionalmente, a penhora de parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família.
A ratio decidendi em todos os julgados é a mesma: a mitigação da regra da impenhorabilidade somente pode ocorrer, excepcionalmente, quando restarem inviabilizados outros meios executórios que possam garantir a efetividade da execução, mediante a ponderação de princípios, sempre informados pela dignidade da pessoa humana.
Portanto, para a relativização da regra da impenhorabilidade, deve ser avaliado concretamente o impacto da constrição na subsistência digna do devedor e de seus familiares, independentemente da natureza da dívida ou de seu valor.
O sistema de precedentes – estabilidade, coerência e integridade, conforme o artigo 926 do CPC – requer a aplicação dos mesmos preceitos e princípios para casos idênticos e a obrigatoriedade de argumentar em consonância com o conjunto normativo.
A decisão da Corte Especial de 5 de junho, distinguindo “prestação de alimentos” e “verba de natureza alimentar” para afastar a quebra da impenhorabilidade de vencimentos para pagamento de honorários advocatícios, viola entendimento que vem sendo sedimentado desde o CPC anterior, inclusive seu próprio precedente, que já decidiu pela possibilidade de penhora de vencimentos do devedor para o pagamento de dívida de natureza não alimentar.
Em suma, a decisão do STJ de 5 de junho de 2024 quebra a coerência e a integridade que se exigem em um sistema de precedentes, uma vez que as Turmas e a própria Corte Superior já vinham admitindo que a relativização da regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial ocorre independentemente da natureza da dívida a ser paga, com a condição apenas de que a medida constritiva não comprometa a subsistência digna do devedor e de sua família.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> No mesmo sentido STJ (Corte Especial). EREsp 1.874.222/DF. Relator: Min. João Otávio de Noronha. Julgamento: 19/4/2023. Publicação: DJe de 24/5/2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Cf. tb: AgInt nos EREsp n. 1.704.128/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 16/12/2020, DJe de 18/12/2020; EREsp n. 1.518.169/DF, relator Ministro Humberto Martins, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 3/10/2018, DJe de 27/2/2019.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Cf. tb: AgInt no AREsp n. 1.284.499/RJ, Primeira Turma, julgado em 27/9/2021, DJe de 29/9/2021
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> No mesmo sentido: AgInt no REsp n. 1.954.845/RO, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/3/2022, DJe de 12/4/2022; AgInt no RMS n. 29.981/ES, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 22/3/2022, DJe de 28/3/2022; AgInt nos EAREsp n. 1.047.109/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 19/9/2023, DJe de 21/9/2023.)
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Cf. tb AgInt no REsp n. 2.105.159/SP. Relator: Min. Nancy Andrighi. Julgamento: 11/3/2024. Publicação: DJe de 14/3/2024); AgInt no REsp n. 2.102.674/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 3/6/2024, DJe de 5/6/2024; AgInt no REsp n. 2.105.979/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 17/4/2024; AgInt nos EDcl no REsp n. 2.096.506/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 11/3/2024, DJe de 18/3/2024
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Cf. tb AgInt no REsp n. 2.102.195/DF, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 3/6/2024, DJe de 7/6/2024; AgInt no REsp n. 2.104.625/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 4/6/2024; AgInt no AREsp n. 1.846.798/DF, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 19/3/2024, DJe de 22/3/2024; AgInt no REsp n. 2.094.701/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 19/3/2024, DJe de 22/3/2024; AgInt no REsp n. 2.105.159/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/3/2024, DJe de 14/3/2024; AgInt no REsp n. 2.053.997/PR, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 6/3/2024; AgInt no AREsp n. 2.196.714/RJ, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 6/3/2024

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JOTA

Quebra da coerência e da integridade do sistema de precedentes

STJ: impenhorabilidade de verba remuneratória para pagar honorários advocatícios

Decisão do STJ de 5 de junho de 2024 quebra a coerência e a integridade que se exigem em um sistema de precedentes