
O Brasil é um dos países com piores índices de representatividade e participação feminina nos espaços decisórios e políticos na América Latina. De uma perspectiva mais ampla, segundo pesquisa realizada pela União Interparlamentar, o país ocupa a 142ª posição, numa disputa entre 192 nacionalidades.
Em 2022, ainda que tenhamos avançado, as assimetrias entre homens e mulheres, tanto na esfera pública quanto na privada, continuam sendo o motivo de, por exemplo, termos apenas 15% de mulheres ocupando cargos eletivos no país, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A ampliação da participação feminina na política brasileira seria um pequeno passo em direção a uma igualdade, de fato, entre homens e mulheres, pois mesmo depois de garantido o espaço na esfera política, ainda é preciso garantir condições iguais de recursos e oportunidades na definição dos papéis socialmente relevantes.
Esse cenário de disparidade não muda muito quando analisamos a atividade de relações institucionais e governamentais (RIG), popularmente conhecida como lobby. Ainda hoje, mulheres e homens não possuem o mesmo espaço ou a mesma credibilidade no exercício de influência, seja em consultorias políticas, seja em grandes órgãos do serviço público.
Como afirma Francine Moor, coordenadora do Comitê de Mulheres da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig) em sua tese de mestrado (“Mulheres e lobby no Brasil: como elas jogam o jogo dos homens no Congresso Nacional”), o lobby em nosso país se dá no mesmo espaço para homens e mulheres, mas as regras do jogo não são as mesmas para ambos.
Em sua pesquisa acadêmica, Moor constatou que no mercado de relações institucionais e governamentais o espaço ocupado por mulheres ainda é o da subordinação, mesmo que, em muitos casos, elas possuam formação técnica superior à de seus colegas. Para nós, é preciso adequar o tom da voz, a forma de vestir e a maneira de se portar em meio a um ambiente de predominância masculina.
As relações institucionais e governamentais têm como atividades inerentes: atuar em processo de decisão política, participar da formulação de políticas públicas e defender os interesses do representado no processo decisório, conforme estabelece a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Portanto, quanto mais mulheres atuantes nessa atividade e, concomitantemente, com o aumento de mulheres em cargos eletivos, mais políticas públicas voltadas para as necessidades de gênero serão propostas, tal como a Lei 14.214/2021, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual.
Para garantir a isonomia de acesso ao Congresso e a participação igualitária no processo decisório, entretanto, é preciso regulamentar o lobby. Somente por meio de uma legislação que estabeleça regras claras e transversais há de haver participação democrática e igualitária nesse ambiente.
A pauta da regulamentação do lobby não é novidade na Câmara dos Deputados. Na década de 1970, a alteração do artigo 60 do Regimento Interno da Câmara reconheceu a existência de grupos de influência no Parlamento. A primeira proposta legislativa foi apresentada pelo então senador Marco Maciel em 1984 e, desde então, o assunto é debatido na Casa, mas ainda não foi aprovado.
Nos anos 2000, o PL 1202/2007, iniciativa do deputado Carlos Zarattini, levou o debate mais à frente. Dentre todas as proposições apresentadas até a época, foi a que gerou mais engajamento. Em dezembro de 2020, no entanto, o Plano Anticorrupção do governo federal estabeleceu como uma de suas metas a criação de uma nova legislação que pretendia regulamentar a atividade de relações institucionais e governamentais. O PL 4391/2021 foi apresentado e encaminhado ao Congresso pelo governo cerca de um ano depois do plano.
A recente novidade da aproximação do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nos faz crer que, em breve, a nova lei será aprovada. Isso porque a entidade tem como uma de suas recomendações aos países que desejam integrar o grupo a promulgação de uma lei específica para a atividade de lobby.
O PL 4391/2021 é, hoje, a proposta com maior tração na Câmara dos Deputados. O projeto foi inspirado no bem-sucedido exemplo chileno e atende aos princípios de transparência e integridade da OCDE.
No mundo, diversos países já adotaram a legislação. Um dos principais exemplos é o dos Estados Unidos, com regras mais duras e excessivamente burocráticas, que fizeram com que os agentes agissem à sombra da lei (shadow lobbying). Por outro lado, os modelos adotados em alguns países da Europa e no Chile são menos engessados e mais práticos e fluidos para o dia a dia da atividade, e resultaram em maior engajamento dos profissionais às boas práticas estabelecidas na regulamentação.
Outra experiência estrangeira positiva, na qual o Brasil pode se inspirar, é o Lobby Europeu das Mulheres, uma plataforma que reúne diversas agentes pela igualdade de gênero nos espaços políticos em países como Portugal e Espanha, cujo intuito é garantir que as mulheres sejam ouvidas e estejam igualmente representadas nos processos de tomada de decisão.
Há grandes expectativas acerca da regulamentação da atividade de relações institucionais e governamentais no Brasil, sobretudo no que diz respeito à garantia do direito de petição de forma plena e igualitária para homens e mulheres. Temos avançado ao longo dos anos, mas ainda estamos distantes de viver a paridade de gênero nos espaços decisórios e políticos.