Opinião e Análise

Bárbara Mendes Lôbo Amaral

Bianca Maria Gonçalves e Silva

Emma Roberta Palú Bueno

A participação feminina nos cargos eletivos é um tema palpitante e há muito discutido no Brasil e no mundo. No último dia 24 de fevereiro foram comemorados os 91 anos da conquista do voto feminino, e, como já enfatizamos em outra oportunidade<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, infelizmente ainda não alcançamos paridade em termos de representatividade e nem mesmo atingimos o percentual de 30%, muito embora reconheçamos os avanços e, principalmente, a importância das ações afirmativas voltadas à melhora da participação feminina na política.
Seguindo o modelo internacional, as estatísticas sobre a participação feminina nos cargos eletivos geralmente levam em conta apenas a representatividade no Parlamento federal. No Brasil, pouco avançamos nesses 91 anos da conquista do voto feminino, que foi instituído em 1932 com o Código Eleitoral.
Mesmo não havendo impedimentos formais às candidaturas femininas, antes das cotas não se tinha nem o percentual de 10% de candidaturas a deputada federal. Em 1994, por exemplo, somente 6,15% destas candidaturas eram de mulheres. Daí a importância das ações afirmativas para incrementar esse processo de representatividade. Nos últimos anos vivenciamos um endurecimento da legislação e, também, da fiscalização pela Justiça Eleitoral para com a questão da representatividade feminina.
Segundo dados apresentados pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tse">TSE</a>, “na legislatura da Câmara dos Deputados de 1950-1954, a presença feminina foi de apenas 0,3%, entre os 326 deputados. No registro de 1995-1999, essa porcentagem foi para 7%, entre os 513 parlamentares eleitos”.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Após quase 30 anos da instituição da primeira tentativa de ação afirmativa para “acelerar” a participação feminina nos cargos eletivos, na legislatura atual (2023-2026) chegamos a uma representatividade de 17,7% de mulheres na Câmara dos Deputados.
Há estudos recentes demonstrando que a paridade de gênero no Parlamento (Câmara e Senado) irá demorar 120 anos<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> para ser alcançada, enquanto a paridade de gênero nas prefeituras será alcançada em 144 anos<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, de acordo com o Instituto Alziras e da Oxfam Brasil.
Tal cenário demonstra que as ações afirmativas são importantes, mas ainda insuficientes para uma mudança efetiva do atual quadro. E a pergunta que fazemos é: quais as razões para que as mulheres não sejam eleitas? Quais são as barreiras, visíveis ou invisíveis, enfrentadas pelas mulheres quando estas decidem se candidatar? E durante a candidatura, quais aspectos são analisados para que se opte por votar em uma mulher? Caso seja eleita, quais são os obstáculos enfrentados pelas mulheres no exercício de seus mandatos?
As dúvidas e as hipóteses são muitas, o que nos impede de pretender esgotar o tema neste breve artigo. Mas uma pergunta tem ecoado e nos feito refletir: mesmo após 91 anos de instituição do voto feminino e de quase 30 anos de ações afirmativas para uma maior inserção das mulheres nos cargos eletivos, a política institucional é realmente um local onde as mulheres são bem-vindas? É o que pretendemos analisar, ainda que de forma breve sob a ótica da maternidade.
A questão inicial a ser destacada é que somente após 55 anos da construção do prédio do Senado Federal foi construído o primeiro banheiro feminino, datado de 2016<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, demonstrando que, mesmo após investida no cargo, a mulher não é prontamente acolhida no ambiente público. Na verdade, fica evidente a força silenciosa e simbólica da exclusão de mulheres dos espaços de poder.
Outro exemplo é que, no Brasil, a casa dos representantes eleitos pelo povo é denominada Câmara dos Deputados. Em 2021 as deputadas Erika Kokay (PT-DF) e <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/gleisi-hoffman">Gleisi Hoffmann</a> (PT-PR) apresentaram um requerimento para a mudança de nome retirando a expressa menção ao gênero masculino e passando a denominá-la Câmara Federal. A linguística masculina é também impressa e expressada nas consultas no site institucional, onde se referem apenas com a nomenclatura “deputado”. Segundo as deputadas, “o objetivo é combater o machismo estrutural”<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Se esses exemplos demonstram a ausência de preocupação com a presença das mulheres no espaço público, o fator maternidade se mostra como mais um obstáculo e desafio a ser superado. Ainda que muito se fale do incentivo à maior participação feminina na política, não se pode deixar de considerar que dentro da condição mulher pode estar ou não a maternidade. E as mulheres que se voltam ativamente para a participação política não precisam adiar o planejamento de ter filhos. E, tendo filhos, não precisariam se afastar da vida pública.
Uma maior diversidade na representatividade (com a existência do olhar de quem exerce a maternidade) sobre relevantes questões que atingem todo o espectro da formação da criança é importante para uma melhor definição das políticas públicas voltadas à proteção e preservação da infância e juventude. E, de outro lado, da própria tutela de direitos do espaço das mães no mercado de trabalho e nos espaços públicos.
A existência de parlamentares grávidas é uma realidade brasileira, assim como a existência de mães no Congresso Nacional – analisando a legislatura eleita em 2022 constata-se que das 91 deputadas federais eleitas apenas 16 não têm filhos. Na legislatura passada, por exemplo, cinco deputadas tiveram filhos: Áurea Carolina (PSOL-MG), Renata Abreu (Podemos-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Greyce Elias (Avante-MG) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP)<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Embora os números possam indicar um ambiente acolhedor e incentivador de mães, a realidade vivenciada até aqui demonstra o contrário. A licença-maternidade é regulamentada no Brasil desde a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, tendo sido ampliada na Constituição de 1988 para 120 dias, assegurando também a estabilidade às gestantes trabalhadoras urbanas ou rurais.
A especificidade da parlamentar, que não é empregada e não é servidora pública, aparentemente tinha ficado de fora da proteção constitucional. Assim é que, em 1993, a deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ) teve que lutar para conseguir exercer o direito à <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/tudo-sobre/licenca-maternidade/">licença-maternidade</a>. Foi a primeira deputada a conquistá-la já que, muito embora houvesse previsão constitucional, até aquele momento as deputadas precisavam adotar outras formas de licença, como o auxílio doença.
Os obstáculos enfrentados por Jandira eram sustentados pelo argumento de que enquanto parlamentar ela não possuía vínculo empregatício, de modo que não haveria como se sustentar uma licença-maternidade.
De 1993 para cá outras parlamentares passaram a receber a licença em razão do precedente conquistado por Jandira, cabendo destacar que apenas em 2003 o Regimento Interno da Câmara incluiu no artigo 235, o parágrafo primeiro que concede licença-gestante às deputadas e licença-paternidade aos deputados<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>, regulamentando efetivamente o direito das mulheres parlamentares.
O que se verifica é que, muito embora desde 1993 a licença-maternidade seja reconhecida no Congresso Nacional, apenas em 2021 a Câmara dos Deputados (e Deputadas!) passou a explicitar a ausência por licença-maternidade nos painéis de votações<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
O avanço, que parece sutil, é imenso já que, até então, ainda que com previsão de concessão de licença-maternidade das deputadas, quando das votações, o painel eletrônico apontava ausência, fazendo com que caíssem no ranking de participação das sessões. Daí as parlamentares em licença acabavam sendo cobradas por seus eleitores em razão das faltas registradas pelo painel eletrônico da Câmara em sessões deliberativas, como narrado pelas deputadas <a href="https://www.camara.leg.br/deputados/204509">Áurea Carolina</a>, <a href="https://www.camara.leg.br/deputados/204464">Talíria Petrone</a> e Sâmia Bomfim<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Os relatos das parlamentares que tiveram filhos no curso do mandato demonstram que conciliar maternidade e exercício parlamentar não é uma tarefa fácil, sendo que a ex-deputada Bruniele Gomes, eleita pelo PTC para o mandato de 2015 a 2018, que não concorreu a nenhum cargo político em 2022 e hoje está no PL-MG, justificou que sentia culpa pelas ausências e que precisava estar mais presente nos primeiros anos do filho.
A doutrina da participação política revela que o incremento da representatividade feminina conforma um verdadeiro axioma do aprimoramento da qualidade da democracia e a sua exclusão afeta não só o desempenho das instituições, mas a legitimidade da democracia representativa, questionando assim a própria natureza do regime democrático. O direito fundamental personalíssimo, sagrado mesmo, à maternidade, não pode ser mais um ônus a afastar as mulheres em idade reprodutiva do exercício de cargos políticos.
As situações apresentadas ao longo do texto são exemplos de violência política de gênero simbólica e, como reafirmado desde 2016 na campanha lançada pelo Instituto Nacional Democrático (NDI), este não deve ser o custo da participação política das mulheres. #NotTheCost.<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>Disponível em: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/representatividade-das-mulheres-e-minorias-nas-eleicoes-de-2022-17112022">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/representatividade-das-mulheres-e-minorias-nas-eleicoes-de-2022-17112022</a> Acesso em: 04/03/2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a>Disponível em: <a href="https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Fevereiro/conquista-do-voto-feminino-completa-91-anos-nesta-sexta-24">https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Fevereiro/conquista-do-voto-feminino-completa-91-anos-nesta-sexta-24</a> Acesso em: 04/03/2023.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>Disponível em: <a href="https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2022/03/08/brasil-levara-120-anos-para-alcancar-paridade-de-genero-na-politica.htm">https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2022/03/08/brasil-levara-120-anos-para-alcancar-paridade-de-genero-na-politica.htm</a> Acesso em: 04/03/2023.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a>Disponível em: <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/paridade-de-genero-nas-prefeituras-do-brasil-pode-demorar-ate-144-anos-para-ser-atingida-diz-estudo/">https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/paridade-de-genero-nas-prefeituras-do-brasil-pode-demorar-ate-144-anos-para-ser-atingida-diz-estudo/</a> Acesso em: 04/03/2023.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a>Disponível em: <a href="https://g1.globo.com/politica/noticia/2016/01/plenario-do-senado-tera-banheiro-feminino-55-anos-apos-inauguracao.html">https://g1.globo.com/politica/noticia/2016/01/plenario-do-senado-tera-banheiro-feminino-55-anos-apos-inauguracao.html</a> Acesso em: 04/03/2023
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Disponível em: <a href="https://www.poder360.com.br/congresso/deputadas-querem-trocar-nome-da-camara-dos-deputados-para-camara-federal/">https://www.poder360.com.br/congresso/deputadas-querem-trocar-nome-da-camara-dos-deputados-para-camara-federal/</a> Acesso em: 04/03/2023.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a>Disponível em: <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/politica/deputadas-tentam-conciliar-maternidade-e-politica-e-cobram-acolhimento-do-congresso/">https://www.cnnbrasil.com.br/politica/deputadas-tentam-conciliar-maternidade-e-politica-e-cobram-acolhimento-do-congresso/</a> Acesso em: 04/03/2023.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> § 1º As Deputadas poderão ainda obter licença-gestante, e os Deputados, licença paternidade, nos termos previstos no art. 7º, incisos XVIII e XIX, da Constituição Federal. (Parágrafo acrescido pela Resolução nº 15, de 2003)
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Ato da Mesa 203/2021. “Parágrafo único. No caso de ausência justificada, identificarse-á se é Decisão da Mesa, licença para tratamento de saúde, licença-gestante, licença-paternidade ou missão autorizada”.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Disponível em: <a href="https://www.camara.leg.br/noticias/806918-camara-passara-a-explicitar-ausencia-por-licenca-maternidade-nos-paineis-de-votacoes/">Câmara passará a explicitar ausência por licença-maternidade nos painéis de votações - Notícias - Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)</a> Acesso em: 04/03/2023
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Disponível em: <a href="https://www.ndi.org/not-the-cost">https://www.ndi.org/not-the-cost</a> Acesso em: 05/03/2023.

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JOTA

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