Opinião e Análise

Anna Paula Mendes

Bárbara Mendes Lôbo Amaral

O cenário político tem debatido nos últimos meses dois grandes temas que têm impacto direto na regulação dos pleitos eleitorais: a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (<a href="https://www.camara.leg.br/noticias/839184-pec-anistia-partidos-que-nao-utilizarem-percentuais-minimos-de-financiamento-de-candidaturas-femininas">PEC 18/21</a>) que anistia partidos que não tiverem utilizado os percentuais mínimos de financiamento de campanhas de mulheres e de promoção e difusão da participação política de mulheres e a tramitação da minirreforma eleitoral que altera praticamente todo o arcabouço normativo eleitoral, consolidando textos esparsos em um novo código eleitoral.
A discussão continua, mas qualquer alteração no cenário normativo que seja aprovada nos próximos dias ou meses não entrará em vigor na próxima eleição, em 2024.
Segundo o texto constitucional [artigos 28 e 29<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>], as eleições ocorrem sempre no primeiro domingo do mês de outubro, o que, no ano que vem, será no dia 6. A data da eleição é o marco temporal definido também pela Carta da República para que as alterações nas regras possam valer para as eleições futuras: só podem ser aplicadas em um determinado pleito as normas que entraram em vigor a, pelo menos, um ano de sua realização<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Ou seja: a minirreforma só valeria em 2024 se tivesse sido aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente da República até a última sexta-feira (6). E não foi.
Não cabe neste curto espaço analisar o que está sendo discutido nos dois projetos. Queremos chamar a atenção para este prazo mínimo de um ano que a Constituição Federal estabelece para que as alterações no processo eleitoral possam valer para o próximo pleito eleitoral.
É o que a doutrina chama de princípio da anualidade eleitoral, que está diretamente relacionado à segurança jurídica, à previsibilidade das normas eleitorais e à proteção da confiança dos eleitores e dos próprios candidatos quanto às regras do jogo eleitoral para a disputa vindoura. Bem compreender as regras do jogo é indispensável para uma boa disputa eleitoral, para a estabilidade das relações e do processo democrático e, também, para a legitimidade do seu resultado.
O direito eleitoral guarda uma peculiaridade em relação aos demais ramos do direito: os legisladores são também os principais destinatários da norma. Traçando um paralelo com o mundo dos esportes, é como se o direito assegurasse que os donos da bola não podem alterar as regras do jogo minutos antes da partida começar. É necessário, para se ter uma competição limpa e com um resultado justo, que todos os atletas e os expectadores saibam o que vale e o que não vale.
A Justiça Eleitoral tem um papel relevante nesse enredo. Além de simplesmente julgar os conflitos envolvendo as eleições, esse ramo do Poder Judiciário também exerce outras funções típicas, como a organização do processo eleitoral (definição dos locais de votação, designação de mesários, apuração do resultado); a respostas às consultas em matéria eleitoral e, também, a regulamentação da legislação, por meio das suas resoluções<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. Nessas duas últimas funções, a Justiça Eleitoral acaba se envolvendo diretamente nas regras do jogo.
No caso brasileiro, a organização das eleições precisou ser designada a um órgão do Poder Judiciário e, portanto, imparcial, para que se colocasse um fim ao histórico de completa fraude que existia. A Justiça Eleitoral é um importante agente em prol da estabilidade da legislação eleitoral – e, numa perspectiva macro, da própria democracia –, pois é ela que está nas trincheiras assegurando a aplicação das regras do jogo para, assim, garantir a legitimidade do resultado do pleito. Legitimidade na perspectiva jurídica, mas que acaba impactando na confiabilidade dos eleitores com o resultado obtido.
O próprio Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>) já reconheceu que “no âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais” – é o que se infere do precedente firmado no RE 637485, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-095 DIVULG 20-05-2013 PUBLIC 21-05-2013<a href="#_edn4" name="_ednref1">[4]</a>.
A democracia brasileira é uma jovem adulta – nessa semana, também se comemorou o aniversário de 35 anos da CRFB de 1988. E, mesmo assim, ela já precisou superar duras investidas. Regras como a anualidade eleitoral, que privilegiam a segurança jurídica, bem como o desenho constitucional que foi dado à Justiça Eleitoral, para que ela atue como agente garantidor das regras e do resultado eleitoral, são essenciais para que a nossa jovem democracia ainda comemore muitos outros anos – com desafios, sim, mas sempre superáveis. E, sobretudo, viva.
Sem a aprovação da PEC e da minirreforma eleitoral no tempo previamente estabelecido pela Constituição, sabemos as regras do jogo que valerão para as eleições municipais de 2024. Eleitoras e eleitores, candidatos e candidatas devem estar sempre atentos para que não sejamos surpreendidos com reviravoltas e, principalmente, com retrocessos na proteção de direitos fundamentais, especialmente aqueles que se voltam a preservar e reforçar o direito à igualdade e à ativa participação política de mulheres e pessoas negras.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de 4 (quatro) anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá em 6 de janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao mais, o disposto no <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art77">art. 77 desta Constituição</a>.    <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc111.htm#art1">(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 111, de 2021)</a>
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
I - eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País;
II - eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras do art. 77, no caso de Municípios com mais de duzentos mil eleitores;         <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc16.htm#art29ii">(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de1997)</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 16, CRFB. Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Art. 105, Lei nº 9.504/97.  Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos.
<a href="#_ednref4" name="_edn1">[4]</a> “II. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior”.

eleições

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JOTA

A alteração da legislação eleitoral, a segurança jurídica, a Justiça Eleitoral e o eleitorado

Previsibilidade para quem?

A alteração da legislação eleitoral, a segurança jurídica, a Justiça Eleitoral e o eleitorado