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Os 10 anos do novo Cade e da Senacon: avanços e desafios futuros

Há muitos êxitos a se comemorar e a continuidade dos avanços permitirá atuações cada vez mais efetivas

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Sede do Cade. Crédito: Divulgação

Em 2022, completam-se 10 anos de profundas alterações institucionais no âmbito de duas políticas públicas que, embora por mecanismos distintos, convergem na busca pela melhoria do bem-estar do consumidor: a política de defesa da concorrência, cuja aplicação cabe ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), e a política de proteção e defesa do consumidor, de competência da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).

As referidas mudanças institucionais foram materializadas por meio de dois instrumentos legais. O primeiro deles foi a Lei nº 12.529, que entrou em vigor em 29 de maio de 2022, reestruturando o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). O segundo instrumento foi o Decreto nº 7.738, de 28 de maio de 2012, que criou a Senacon, elevando a proteção e defesa do consumidor ao status de Secretaria Nacional. O decenário representa oportunidade para reflexões acerca dos avanços alcançados e desafios futuros na condução de cada uma das duas políticas.

Em relação à política de defesa da concorrência, nos últimos 10 anos, foi possível observar diversos avanços. Em termos de estrutura organizacional, a Lei nº 12.529/2011 transformou o Cade em autarquia federal, acumulando tanto a atribuição de investigar condutas anticompetitivas e instruir atos de concentração quanto de realizar o julgamento final dos processos na esfera administrativa. Para tanto, a nova lei estabeleceu que o Cade é composto pela Superintendência-Geral, responsável por investigar condutas e realizar análise de atos de concentração, pelo Tribunal Administrativo, ao qual compete julgar fusões e aquisições e condutas anticompetitivas, e, ainda, pelo Departamento de Estudos Econômicos.

Pode-se afirmar que a principal alteração em matéria de atuação do Cade introduzida pela nova Lei nº 12.529/2011 foi a análise prévia de atos de concentração, procedimento que confere à autoridade a capacidade de evitar antecipadamente que uma operação produza efeitos lesivos à concorrência. Ademais, o fato de haver um prazo máximo de análise legalmente estabelecido (240 dias, prorrogáveis por mais 90 dias) garante previsibilidade e segurança jurídica para as empresas envolvidas e o mercado como um todo. Desde que entrou em vigor a nova Lei de Defesa da Concorrência, o Cade analisou 4,7 mil atos de concentração, com prazo médio de análises de 29 dias — na vigência da antiga lei antitruste, o prazo médio era de 76 dias.

Ademais, o Cade julgou 298 processos de práticas anticompetitivas nesse período. Dentre as investigações de cartéis, importante destacar a condenação de empresas que participaram de cartel em licitações relacionadas a obras do metrô de São Paulo. Ressalte-se também os casos de cartel no âmbito da Operação Lava-Jato, em que a área de inteligência da Superintendência-Geral participou ativamente das investigações e o programa de leniência desempenhou papel essencial ao trazer ao conhecimento da autoridade provas de múltiplos acordos anticompetitivos entre as empresas investigadas em diversos processos licitatórios.

Da mesma maneira, muitos foram os avanços alcançados pela Senacon ao longo de seus 10 anos de existência. Um dos grandes destaques do período foi a implementação, em 2014, da plataforma Consumidor.gov.br — serviço gratuito que permite o contato direto entre fornecedores e consumidores para resolução de conflitos de consumo, sem necessidade de intervenção direta do poder público. Dados divulgados pela Senacon indicam que a iniciativa tem sido muito bem-sucedida: cerca de 80% das reclamações registradas na plataforma são solucionadas pelas empresas participantes, que respondem às demandas dos consumidores em um prazo médio de 7 dias.

A secretaria também tem apresentado contribuições relevantes, na forma de subsídios técnicos e articulação, em projetos normativos relacionados a temas essenciais para o consumidor brasileiro. Nessa linha, a Senacon contribuiu para a formulação do Marco Civil da Internet, da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, da Lei de Prevenção e Tratamento do Superendividamento, do Decreto de regulamentação do Serviço de Atendimentos dos Consumidores (SAC), entre outros atos normativos, levando ao legislador a perspectiva do consumidor.

Há também importantes avanços na participação do Brasil nos principais foros internacionais de proteção do consumidor. Na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2020, o Brasil passou do status de “observador” a “participante” no Comitê de Política do Consumidor (CCP), tendo aderido a todas as normativas de proteção do consumidor da organização. Destaca-se ainda a atuação da secretaria no âmbito do Mercosul, especialmente durante o segundo semestre de 2021, período em que o Brasil exerceu a presidência ‘pro tempore’ do bloco. Durante esse período, a Senacon foi a responsável pela gestão do Comitê Técnico de Defesa do Consumidor, capitaneando relevantes entregas para os consumidores dos países participantes.

Outro eixo de atuação de extrema relevância é a educação para o consumo, implementada pela Escola Nacional de Defesa do Consumidor. A escola vem exercendo papel fundamental na capacitação de membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (Procons estaduais e municipais, promotorias, defensorias e entidades civis de defesa do consumidor), o que contribui sobremaneira para a harmonização de entendimentos e atuações em um sistema de natureza eminentemente descentralizada.

Assim, muitos avanços foram realizados nos últimos 10 anos em matéria de defesa da concorrência e defesa do consumidor, o que certamente impactou positivamente o bem-estar econômico dos brasileiros ao longo do período em questão. Passa-se agora a comentar alguns dos principais desafios que as autoridades responsáveis por implementar cada uma dessas políticas públicas devem enfrentar nos próximos anos.

No que diz respeito ao Cade, inicialmente, destaca-se que, recentemente, foi realizada uma reformulação na estrutura da Superintendência-Geral a fim de ter uma unidade focada exclusivamente na análise de denúncias de condutas unilaterais restritivas à concorrência. Tal medida pretende fortalecer a posição da autarquia e conferir maior celeridade às investigações de denúncias de abuso de posição dominante, de forma que a autoridade possa intervir tempestivamente em mercados em que práticas que constituam infração à ordem econômica possam estar afetando a concorrência.

Em relação a atos de concentração, uma discussão importante é a possibilidade de atualização dos critérios de notificação de operações ao Cade. Ao mesmo tempo em que uma possível elevação de patamares mínimos de faturamento de grupos econômicos envolvidos em uma operação para que a notificação ao Cade seja obrigatória possa representar uma medida racional do ponto de vista da atuação da autoridade, uma vez que esta poderia dedicar mais tempos e recursos para analisar atos de concentração que tenham maior probabilidade de suscitar preocupações concorrenciais, há de se considerar que algumas operações com potencial de gerar efeitos lesivos no ambiente concorrencial em determinados mercados poderiam passar despercebidas pelo fato de os grupos econômicos envolvidos não registrarem faturamentos substanciais.

Ademais, a expansão dos mercados digitais tem tido a crescente atenção do Cade. Um dos grandes desafios é como coibir uma possível utilização de plataformas digitais que congreguem concorrentes como facilitadoras para a troca de informações concorrencialmente sensíveis, sem, no entanto, restringir o desenvolvimento de soluções tecnológicas benéficas para os consumidores e o mercado.

Quanto à Senacon, destaca-se a necessidade de fortalecimento das capacidades institucionais da secretaria, especialmente em termos de orçamento e corpo técnico — que, apesar de extremamente qualificado, conta com poucos servidores e apresenta elevada rotatividade. Entende-se que esse fortalecimento é imprescindível para que a Senacon seja cada vez mais efetiva na sua missão institucional.

Outra agenda fundamental é a efetiva integração do SNDC, a fim de garantir a atuação harmônica, ou ao menos não conflitante, dos membros do sistema. Trata-se de desafio inerente à natureza do sistema, que é composto por uma multiplicidade de agentes — Procons, defensorias, Ministério Público, entidades da sociedade civil — coordenados pela Senacon, porém não subordinados a ela.

Destaca-se também a pertinência de dar continuar ao movimento de alinhamento às melhores práticas internacionais em defesa do consumidor. Nessa linha, entende-se que a realização da revisão por pares (peer review) no âmbito da OCDE traria valiosas contribuições para o aperfeiçoamento da política nacional de proteção e defesa do consumidor. Ressalta-se que a política de defesa da concorrência no Brasil já foi objeto de revisão por pares, o que foi fundamental para o desenho do novo sistema brasileiro de defesa da concorrência, muito mais moderno e efetivo do que o sistema anterior.

Finalmente, considerando que Cade e Senacon são autoridades responsáveis por conduzir públicas que, embora por meios distintos, contribuem para a melhoria do bem-estar do consumidor e produzem sinalizações relevantes aos agentes econômicos, destacamos a importância da cooperação entre as duas entidades. A relevância de uma atuação coordenada já foi reconhecida pelas duas instituições, quando da celebração de Acordo de Cooperação Técnica no ano de 2018.

Há, portanto, muitos êxitos a se comemorar nas trajetórias das duas autoridades ao longo dos últimos 10 anos na condução da política de defesa da concorrência e na de defesa do consumidor. A continuidade dos avanços permitirá atuações cada vez mais efetivas, o que trará resultados benéficos para a sociedade como um todo.logo-jota

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