Opinião e Análise

Sarah Delma

Raquel Gontijo

O orçamento de um Estado é um importante elemento para a gestão dos recursos públicos, com a descrição da origem dos recursos e sua aplicação, o que implica na escolha sobre quais políticas públicas e projetos serão contemplados. No Brasil, a definição do orçamento público está prevista na Constituição Federal, que estabelece um conjunto de três leis que regulam a atividade financeira: a Lei Orçamentária Anual (LOA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ldo">LDO</a>) e o Plano Plurianual (PPA).  
O ciclo orçamentário indica o agenciamento das escolhas de quais políticas e projetos serão melhor financiados em detrimento de outros, assim como a percepção sobre os agentes de interesse econômico e político que influenciam nas escolhas. Além disso, é possível traçar perspectivas de curto e médio prazo, com a identificação de riscos e oportunidades de desenvolvimento de pautas políticas e seus impactos econômicos e sociais.  
Nesse contexto, a alocação de recursos para políticas voltadas à questão de gênero foi desenvolvida ao longo de décadas motivada pela crescente presença de mulheres nas Casas Legislativas e pela atuação de movimentos sociais e da sociedade civil organizada. A percepção das desigualdades atreladas ao gênero, como fator determinante para as condições de maior vulnerabilidade da mulher, fomentou a definição do “Orçamento Mulher” como pauta prioritária e como política de Estado.  
Importante ressaltar que o orçamento direcionado para a pauta feminina no Brasil possui previsão expressa tanto na LDO como na LOA a partir da Lei Complementar nº 101, de 4 maio de 2000, em que se estabelece a gestão fiscal como responsabilidade da União, estados, Distrito Federal e municípios. Além disso, há o compromisso na publicação de um relatório anual concernente ao exercício anterior sobre as ações e políticas públicas direcionadas às mulheres definidas nas leis orçamentárias[1]. 
Percebe-se que o compromisso com a publicidade e a transparência são observados pela obrigação na publicação do relatório sobre as medidas executadas do “Orçamento Mulher”, contribuindo, decisivamente, para o direcionamento dos próximos investimentos públicos, a partir da percepção sobre a execução orçamentária e o sucesso ou insucesso das ações e políticas públicas. Isso, portanto, promove a accountability de um Estado democrático de Direito. 
Como já contextualizado, o compromisso político para o desenvolvimento social e a igualdade de gênero ocorre pelas escolhas e definições sobre onde utilizar os recursos do orçamento público. O orçamento transcende questões puramente econômicas ao observarmos a relevância de seu papel social e as questões relacionadas à desigualdade de gênero estão presentes em diversos aspectos sociais, políticos e econômicos. No caso do “Orçamento Mulher”, identifica-se que política financeira do Estado passou a ser compreendida como um instrumento essencial para o combate à desigualdade de gênero.  
Portanto, a vulnerabilidade da condição feminina é observada tanto na esfera privada, onde o Brasil ainda apresenta altos índices de feminicídio e de violência doméstica e familiar, assim como no ambiente social, no contexto do trabalho, nos ambientes corporativos e empresariais, além da presença minoritária de mulheres mandatárias nos espaços de poder das Casas Legislativas e em posições de liderança.  
Nessa seara, o “Orçamento Mulher” não foi concebido para ser um orçamento apartado do orçamento público, mas para a maior projeção e proteção das mulheres diante do compromisso político de estabelecer políticas públicas de combate à desigualdade entre os gêneros. As iniciativas para se determinar recursos específicos para tais políticas permitem a melhor compreensão sobre os desafios da gestão pública diante das demandas sociais.  
Assim, a programação orçamentária voltada para as mulheres foi paulatinamente reconhecida como necessária, principalmente a partir dos debates em Convenções Internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979 e da 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995. A partir da década de 1980, foram observadas as primeiras iniciativas de alocação de orçamento público específicas para questões de gênero. Os países vanguardistas foram a Austrália, em 1984 e, a partir da década de 1990, no Canadá, em Ruanda, África do Sul, Reino Unido, Uganda e França [2]. 
No Brasil, o compromisso com investimentos em políticas sociais voltadas às populações mais vulneráveis ocorre apenas a partir da promulgação da Constituição, em 1988. A Convenção para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada pelo Brasil em 1984, impôs a alocação de recursos para políticas de gênero. Com este direcionamento de parte dos recursos públicos, o “Orçamento Mulher" se consolida com a previsão política-normativa, além da articulação da sociedade e movimentos sociais, para ser impulsionado[3]. 
O desafio a partir de então está na seleção das políticas e ações mais urgentes, dentre uma diversidade de setores em que ainda hoje é notória a desigualdade e a vulnerabilidade de mulheres. A transversalidade da questão de gênero perpassa escolhas metodológicas concernentes ao contexto de cada sociedade e de seu caráter transcendental de gênero, classe social e cor. Isso, portanto, enseja escolhas racionais e a análise dos impactos das agendas orçamentárias e políticas em prol das mulheres. 
Na análise deste estudo, a perspectiva de gênero no orçamento pode ser desenvolvida a partir de alguns referenciais como: 1) o quanto a política contribui para a mitigação da desigualdade; 2) quais são as mulheres beneficiadas pela política pública; 3) qual será o custo individual da política pública, considerando mulheres, homens e crianças impactados; 4) a relação entre gasto e receita da política pública específica e 5) sobre como as relações entre mulheres e homens poderão ser impactadas.6 Vale assinalar que a plataforma Siga Brasil permite a visualização do “Orçamento Mulher”, a partir do que foi planejado, comprometido, executado e pago [4]. 
Definir o “Orçamento Mulher” é dar visibilidade à condição estruturalmente desigual entre homens e mulheres, a partir de políticas públicas mais efetivas e direcionadas às questões de gênero. Embora o Brasil passe por significativos contingenciamentos de gastos, as políticas públicas voltadas ao combate de desigualdades são cada vez mais compreendidas não como um gasto, mas, principalmente, como uma medida efetiva para viabilizar o acesso a direitos, combater violências e mitigar desigualdades. Assim, a política financeira do Estado passou a ser compreendida como um instrumento essencial para o combate à desigualdade de gênero.
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[1] <a class="Hyperlink SCXW12958548 BCX0" href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm" target="_blank" rel="noreferrer noopener">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm</a>  
[2] HEWITT, Guy. Gender Responsive Budget Initiatives: Tools and Methodology. Gender Budget Initiatives. Strategies, Concepts and Experiences. Brussels, 16-19 October 2001. 
[3] CFEMEA. Orçamento Mulher. Uma história de 12 anos de incidência política do CFEMA. VIEIRA, Celia &amp; CABRAL, Gilda &amp; OLIVEIRA, Guacira. (org.). Brasília, 2014.  
[4] ELSON, Diane. Gender Responsive Budget Initiatives: Key Dimensions and Practical Examples. Gender Budget Initiatives. Strategies, Concepts and Experiences. Brussels, 16-19 October 2001.  
[5] <a class="Hyperlink SCXW97001501 BCX0" href="https://www9.senado.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=Senado%2FSigaBrasilPainelCidadao.qvw&amp;host=QVS%40www9&amp;anonymous=true&amp;sheet=shTemasMod001&amp;select=lbTemas,001015" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://www9.senado.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=Senado%2FSigaBrasilPainelCidadao.qvw&amp;host=QVS%40www9&amp;anonymous=true&amp;sheet=shTemasMod001&amp;select=lbTemas,001015</a>

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JOTA

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&#8216;Orçamento Mulher&#8217;: a perspectiva de gênero na atividade financeira do Estado

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