Opinião e Análise

Cleíse N. Martins-Costa

Flávia Fernandes Guimarães

Julia de Baére C. d’Albuquerque

Monica Bity

Em praticamente toda dissolução parcial (ou resolução) de sociedades enfrentamos um problema: como são avaliadas as participações dos sócios?
Em situações em que se verifica a ausência de consenso sobre quanto vale a participação societária de um sócio que se desvincula da sociedade, seja por vontade própria, seja por questões de força maior, como é o caso da morte, a judicialização (ou mesmo o estabelecimento de procedimentos arbitrais) acaba instaurando olhares institucionalizados sobre o tema e a utilização das regras prescritas no ordenamento jurídico nacional ganham proeminência.
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Em regra, a autonomia da vontade prevalecerá. Ou seja, na existência de cláusula específica, seja no contrato social, seja no acordo de sócios (caso exista), é a vontade dos sócios previamente informada que ditará a forma de avaliação da empresa. Neste ponto, destaca-se a enorme quantidade de métodos de avaliação de sociedades, que servem tanto à área de fusões e aquisições como à área societária em si, com a consideração de inúmeros fatores, como tipos societários, forma de crescimento, mercado de atuação.
Em caso de silêncio dos instrumentos societários sobre o tema, aplica-se o disposto no art. 1.031 do CC/02, o qual determina que o valor da quota do sócio será considerado pelo montante efetivamente realizado, bem como será liquidada com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
A legislação processual civil brasileira passou a se preocupar com o procedimento de dissolução parcial de sociedades empresárias de modo mais contundente em 2015. Antes de 2015, pode-se dizer que a matéria possuía soluções criativas e intermediárias produzidas pela jurisprudência e indicadas pela doutrina.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> A partir de 2015 tem-se a regulamentação da ação de dissolução parcial de sociedade nos procedimentos especiais, conforme o Capítulo V do Título III, que regula os procedimentos especiais, artigos 599 a 609.
A ação pode ter por objeto: (i) a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; (ii) a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou (iii) somente a resolução ou a apuração de haveres.
Com manifestação unânime pela concordância da dissolução, o juiz decretará a dissolução e passará à fase de liquidação chamada de apuração de haveres. Assim, no que se refere a apuração dos haveres, dispõe a atual legislação processual, que o juiz definirá o critério de apuração dos haveres à vista do disposto no contrato social ou, em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá como critério o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.
Destaca-se, ainda, a possibilidade de revisão da metodologia de apuração dos haveres, a pedido da parte interessada, antes do início da perícia, nos termos do art. 607 do CPC/2015.
Assim, considera-se que à vista do art. 1.031 do Código Civil e dos arts. 606 e 607 do CPC, é necessário recorrer à jurisprudência e à doutrina em busca do método adotado pelo Judiciário como forma de avaliação das sociedades empresárias por quotas de responsabilidade limitada.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STJ">STJ</a>) consignou, em 2021, no RESP 1.877.331/SP<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> que "o balanço de determinação, de fato, se revela o mais apropriado para apuração dos haveres do sócio retirante nas hipóteses de dissolução parcial de sociedades".
No entanto, o que isso significa? Como é avaliada uma sociedade empresária a partir do balanço de determinação?
Tanto a doutrina como a jurisprudência determinam que a apuração de haveres no bojo da dissolução parcial da sociedade limitada deve ser feita da forma que mais se aproxime da dissolução total. O balanço de determinação é justamente a “simulação” da dissolução total da sociedade, no qual são atualizados os fatos contábeis verificados entre a data de encerramento do último exercício e a data de seu levantamento, alterando os critérios de avaliação e apropriação dos bens do ativo e passivo, contabilizando-os ao valor de mercado.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
No mencionado julgado do STJ, o recorrente buscava a apuração de seus haveres pelo método de fluxo de caixa descontado, afirmando que tal metodologia era a mais adequada para a avaliação dos bens imateriais que compunham o fundo de comércio, o que não afastaria a avaliação pelo balanço de determinação.
Ao negar provimento ao recurso especial, a maioria da 3ª Turma, seguindo o voto condutor do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, demonstrou que o fluxo de caixa descontado está associado ao valor econômico das quotas sociais, quer dizer, o quanto alguém pagaria para se tornar titular das quotas apuradas.
Aduziu que o método de fluxo de caixa descontado, por nortear negociações e investimentos, comporta relevante grau de incerteza, não configurando o valor real dos ativos da sociedade:
“Essa incerteza – que advém de fatores macroeconômicos (taxa de crescimento do PIB, taxa de juros, taxa de desemprego), jurídicos (normas regulatórias e normas que criem ou ampliem incidências tributárias) e também internos (a própria gestão da empresa) – torna, a meu ver, a metodologia do fluxo de caixa descontado desaconselhável na apuração dos haveres do sócio dissidente”.
Por fim, destacou que o método do fluxo de caixa descontado pode acarretar prejuízos à sociedade, tais como, (i) desestímulo ao cumprimento dos deveres dos sócios minoritários; (ii) incentivo ao exercício do direito de retirada, em prejuízo da estabilidade das empresas, e (iii) enriquecimento indevido do sócio desligado em detrimento daqueles que permanecem na sociedade.
O mesmo entendimento foi seguido recentemente pela Quarta Turma, em voto condutor da ministra Isabel Gallotti, no RESP 1.904.252/RS<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, no qual consignou-se “que se afigura correta a exclusão, do escopo da apuração de haveres, de valores que não integraram o patrimônio da sociedade ao tempo da retirada do sócio e da respectiva apuração”. 
Percebe-se, portanto, relevando-se as considerações ao melhor critério de apuração dos haveres na dissolução parcial da sociedade limitada, que o ideal é definir a metodologia de apuração de haveres que melhor interessa aos sócios em cláusula específica, no contrato social (ou no acordo de sócios), pois este será o critério a ser utilizado na apuração de haveres do sócio retirante, em atenção ao princípio da autonomia da vontade, conforme prevê a possibilidade da regra prescrita no art. 1.031 do CC.
Na ausência de determinação específica acordada pelos sócios, a preponderar o entendimento das Cortes Superiores, o valor a ser recebido pelos herdeiros de um sócio falecido, por exemplo, será apurado com base em balanço de determinação e corresponderá ao valor patrimonial de suas quotas, o que, muitas vezes, pode ser insuficiente ou inadequado para a avaliação da sociedade, já que considera-se, primordialmente, os seus aspectos contábeis.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O CPC/73 não se preocupou em regulamentar a ação de dissolução de sociedades, seja a dissolução total, seja a parcial. Por conta disso, continuaram a ser aplicados os art. 655 a 674 do CPC/39, por força do inc. VII do art. 1.218 do CPC/73, seguindo o rito ordinário por construção jurisprudencial.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> REsp n. 1.877.331/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/4/2021, DJe de 14/5/2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> COELHO, Fabio Ulhoa. O valor patrimonial das quotas da sociedade limitada. In: Novos estudos de direito comercial em homenagem a Celso Barbi Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003, págs. 67-68.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> REsp n. 1.904.252/RS, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 1/9/2023.

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JOTA

Como é avaliada uma sociedade empresária a partir do balanço de determinação?

O Superior Tribunal de Justiça e a apuração de haveres das sociedades LTDAs

Ideal é definir a metodologia de apuração de haveres que melhor interessa aos sócios em cláusula específica