Opinião e Análise

Gisele Reis

Juliana Rodrigues Malafaia

Maria Letícia Nascimento Gontijo

“No topo da escada está o juiz. (...) Nós dizemos que frente ao juiz estão as partes”[1]. Para Carnelutti, o fato de o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ministerio-publico">Ministério Público</a> sentar-se ao lado do juiz é um erro. Isso porque a instituição exerce duas principais funções: a de custus legis (fiscal da lei) e a de acusador, sobretudo no processo penal. Segundo os preceitos do artigo 127, da Constituição da República, sua atuação deve ser sempre imparcial, direcionada à maior realização do interesse público. Em processo penal, contudo, sabe-se que a atuação do órgão acusatório ocorre em verdadeiro antagonismo à defesa, como um “contraditor natural do sujeito passivo”[2], uma parte que acusa.
Considerando o MP como autêntica parte em processo penal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4768, proposta pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/conselho-federal-da-ordem-dos-advogados-do-brasil">Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil</a>, questionou justamente a prerrogativa de membros da instituição de se sentarem ao lado de juízes em audiências criminais e em sessões de julgamentos, em violação aos princípios da isonomia, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, além dos riscos à paridade de armas entre a defesa e a acusação.
A questão tem especial relevo para a advocacia criminal, que busca incessantemente zelar pelas garantias constitucionais, e pelo devido processo penal. A posição estratégica ocupada pelo órgão de acusação, ladeado pelo julgador, transmite, por si só, a ideia equivocada de aparente supremacia do Ministério Público frente ao acusado e sua defesa. 
Colocar o MP em plano diferente daquele que se encontra a defesa viola o princípio da paridade de armas no processo penal em sua forma mais visível: a disposição no espaço. Longe de ser uma discussão secundária ou pequena, a posição de desigualdade dos assentos é mais do que meramente simbólica, e pode sim influir no andamento do processo, em especial nos julgamentos da competência do Tribunal do Júri.
Dentro da sala de audiências, Ministério Público e advogado são partes opostas, representam interesses opostos e fazem pedidos diametralmente opostos: enquanto um pede a prisão, o outro pleiteia a liberdade; enquanto um requer a busca e a apreensão, o outro protesta pela restituição dos bens; enquanto um quer condenar, o outro quer absolver.
Exatamente por isso, parece justo afirmar que acusador e defensor do acusado deveriam se posicionar em equidistância em relação ao órgão julgador, este sim munido de imparcialidade. Até porque a atual disposição dos assentos gera constrangimento não somente para o acusado, mas também para a testemunha, o perito, os jurados ou qualquer outro participante da relação processual, como se as duas autoridades – MP e juiz – fossem de igual hierarquia.
O simbolismo tem ainda maior potencial de prejudicar o acusado quando se fala em Tribunal do Júri, composto pelo juiz de direito e jurados, escolhidos dentre os cidadãos, cuja missão é o julgamento de crimes dolosos contra a vida. Nas  sessões de julgamento do Tribunal do Júri, o assento do Ministério Público é ao lado do Juiz Presidente, e mais próximo aos jurados.
Qual seria a consequência processual dessa (má) impressão da disposição do cenário para os jurados, pessoas de fora do mundo jurídico? A fragilização da paridade de armas e a violação ao princípio da igualdade parecem ainda mais evidentes nesses casos.
Sustentar a pretensão punitiva ao lado – literalmente – daquele que deve ser imparcial ao julgar não confere ao Ministério Público mais importância do que aquela já dada pela Constituição Federal. A Carta da República conferiu ao MP função essencial à jurisdição estatal. Ao órgão incumbe a defesa objetiva da ordem jurídica, do Estado, do regime democrático de Direito, e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 
Não menos importante é a atuação do advogado, cuja função – também com status constitucional — é essencial e necessária para a administração da justiça. O Código de Ética e Disciplina da OAB estabelece que “aos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, cabe a defesa da ordem jurídica, do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social”. 
Os advogados — além de serem fundamentais para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis — prestam serviço público e exercem, no seu ministério privado, função social, de importância ímpar à concretização dos direitos, das garantias e das liberdades.
Inobstante exerçam funções distintas, de acordo com o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, não há hierarquia entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público. Dentro desta perspectiva, a eliminação dos tablados e assentos diferenciados nas salas de audiência tem sido defendida para que a isonomia seja implementada a partir da democratização dos espaços nos tribunais de justiça.
No sistema acusatório – caracterizado pela separação das funções de acusar e julgar –, é fundamental a distância entre julgador e acusador, para que não se desequilibre a relação processual. Neste sentido, todo e qualquer elemento que interfira na percepção ou compreensão do acusado em relação à Justiça deve ser respeitado. 
Sentar-se lado a lado de quem julga transmite imediatamente uma ideia de hierarquia, poder e autoritarismo, o que nos remete ao sistema inquisitório – que deveríamos ter deixado para trás, em definitivo, quando optamos por valores democráticos e garantistas.
A geografia da sala de audiências, carregada de simbolismo de autoridade, também gera dúvida para boa parte do jurisdicionado que não consegue distinguir ao certo quais são os atores processuais envolvidos no ato. Não é raro terem dificuldade em identificar quem é o juiz e quem é integrante do Ministério Público em razão da posição de destaque conferida ao MP na cena judiciária. E o fato de o advogado estar sentado em plano inferior além de transmitir a ideia de uma posição subalterna, não favorece a concretização da paridade de armas. 
Nada obstante, a <a href="https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=497934&amp;amp;ori=1">decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal</a>, por maioria, foi pela constitucionalidade da regra que permite ao membro do Ministério Público se posicionar ao lado do juiz. Segundo o voto vencedor, de relatoria da eminente ministra<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/carmen-lucia"> Cármen Lúcia</a>, trata-se de opção política do legislador, que demonstra que o representante do órgão se insere na estrutura do Estado, e se submete aos compromissos indisponíveis do Poder Público. A ministra pontuou que a disposição do assento do Ministério Público não contraria a Constituição, embora possa ser discutida.
A disposição dos assentos na sala de audiências e o reflexo na paridade de armas, sempre gerou debate no ambiente acadêmico e no STF não foi diferente. Os ministros <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/gilmar-mendes">Gilmar Mendes</a> e <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ricardo-lewandowski">Ricardo Lewandowski</a> votaram pela procedência do pedido, para que a prerrogativa seja garantida ao MP apenas quando seus membros atuarem como fiscais da lei. Nos casos em que o MP atua como parte – processos penais e ações de improbidade –, compreenderam que a diferença nos assentos pode gerar privilégio a uma das partes do litígio. 
A ADI que culminou em revés para a advocacia foi entendida pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/conamp">Conamp</a>) como uma tentativa de “desqualificação” da instituição, o que passa muito ao largo da questão. 
Muito antes ao contrário: pretendeu-se garantir, unicamente, que em processos criminais, a posição física das partes em audiência refletisse a posição jurídica de absoluta paridade e igualdade de condições de acesso à figura isenta e imparcial do magistrado.
<hr />
[1] Carnelutti, Francesco. As misérias do processo penal – 3ª ed, CL EDIJUR, Leme/SP, 2019, p.31.
[2] JUNIOR, Aury Lopes; ROSA, Alexandre Morais da. Quando o juiz trata o Ministério Público como incapaz ou incompetente. Revista Eletrônica Consultor Jurídico, 14 set. 2018, São Paulo. Disponível em &lt;https://www.conjur.com.br/2018-set-14/limite-penal-quando-juiz-trata-mp-incapaz-ou-incompetente&gt;.

Lula e Moro

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JOTA

Sentar-se lado a lado de quem julga transmite ideia de hierarquia, poder e autoritarismo, remetendo ao sistema inquisitório

O assento do MP e o reflexo na (dis)paridade de armas

Sentar-se lado a lado de quem julga transmite ideia de hierarquia, poder e autoritarismo, remetendo ao sistema inquisitório