Opinião e Análise

Cecília Rodrigues Frutuoso Hildebrand

As medidas protetivas têm como objetivo proteger e impedir a continuidade da violência contra as mulheres (e família) em situação de violência doméstica ou familiar. São previstas expressamente na Lei Maria da Penha e o descumprimento daquelas concedidas em caráter de urgência é crime. Elas podem ser requeridas tanto no âmbito criminal, quanto no cível<a href="#_edn1" name="_ednref1">[i]</a>.
O art. 22 da Lei Maria da Penha exemplifica as medidas protetivas que podem ser concedidas: suspensão da posse ou restrição do porte de armas; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de se aproximar ou de ter contato (mesmo por telefone, WhatsApp ou redes sociais) da mulher que sofreu violência, seus familiares e das testemunhas, fixando um limite mínimo de distância; proibição de frequentar alguns lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores; prestação de alimentos provisionais ou provisórios; comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
As dúvidas que surgem na aplicação prática do instituto são quais seriam os pré-requisitos para que o requerimento dessas medidas seja realizado e quais as provas necessárias para que essas medidas possam ser concedidas. 
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>A leitura do art. 19 e de seu parágrafo 1º demonstra que as medidas protetivas são, na verdade, medidas de urgência e, para compreender os requisitos para a sua concessão, deve-se observar a teoria das medidas de urgência, previstas no art. 300 e seguintes do Código de Processo Civil<a href="#_edn2" name="_ednref2">[ii]</a>. Sendo assim, são requisitos para a concessão: i) o fumus boni iuris e ii) o periculum in mora<a href="#_edn3" name="_ednref3">[iii]</a>.
O periculum in mora é evidente em caso de violência doméstica ou familiar, por causa do ciclo de violência<a href="#_edn4" name="_ednref4">[iv]</a>. A não concessão da medida protetiva fará com que a mulher sofra nova violência no futuro, possivelmente mais grave que a anterior. Muitas vezes, o risco é de morte, haja vista o alto índice de feminicídio no Brasil.
A dúvida existe no requisito do fumus boni iuris que, traduzido literalmente, significaria fumaça do bom direito, mas que juridicamente equivale à verossimilhança da alegação. Na teoria da cognição do processo, de Kazuo Watanabe, pode-se pensar em três camadas de profundidade da cognição: a superficial (exigida para medidas cautelares/inibitórias – como são as medidas protetivas); a sumária (exigida para tutelas antecipadas – seria uma probabilidade do direito alegado); e, por fim, a cognição exauriente (exigida pela sentença, que equivale à decisão final, após o exercício do contraditório)<a href="#_edn5" name="_ednref5">[v]</a>. Ou seja, para a concessão de medidas urgentes, não há necessidade de uma produção de provas completa, basta um indício, uma prova superficial, para que esteja presente o requisito.
A concessão das medidas protetivas, portanto, está condicionada, tão somente, à alegação da existência de violência doméstica ou familiar contra a mulher, atual ou iminente (é esse o fumus boni iuris que a lei prevê). Sendo assim, a aplicação das medidas não possui qualquer pré-requisito previsto em lei e pode, inclusive, ocorrer sem ouvir previamente o suposto agressor<a href="#_edn6" name="_ednref6">[vi]</a>.
Nos atos de violência doméstica e familiar, é muito incomum a presença de testemunhas; sendo assim, a palavra da vítima é de suma importância para o esclarecimento dos fatos. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a palavra da vítima tem especial relevância para fundamentar a condenação, mormente porque se trata de violência doméstica ou familiar, não havendo que se falar em insuficiência probatória”<a href="#_edn7" name="_ednref7">[vii]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">Ora, se a palavra da vítima é suficiente para fundamentar uma decisão condenatória (cognição exauriente), por que não teria para justificar o requerimento e concessão de uma medida protetiva (cognição superficial)? Quem pode o mais, certamente pode o menos.</blockquote>
Além disso, o combate à violência doméstica e familiar deve ser interpretado conforme o microssistema internacional e interno de direitos humanos das mulheres. É importante destacar que, quando um instituto se refere ao combate à violência doméstica, ele deve ser interpretado conforme as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil que ingressam no ordenamento jurídico brasileiro com força de norma constitucional<a href="#_edn8" name="_ednref8">[viii]</a>.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), de 1979, prevê em diversos dispositivos a urgência e necessidade de promover a igualdade entre homens e mulheres<a href="#_edn9" name="_ednref9">[ix]</a>. A Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, de 1993, traz diversos dispositivos para trazer a plena igualdade entre homens e mulheres e a preocupação com a erradicação de toda forma de discriminação<a href="#_edn10" name="_ednref10">[x]</a>.
Já a Declaração e Plataforma de ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, de 1995, em Pequim, prevê desenvolvimento de paz para todas as mulheres, em todos os lugares e no interesse de toda a humanidade. A declaração demonstra especial preocupação com a violência contra a mulher e coloca como objetivo “29. Prevenir e eliminar todas as formas de violência contra as mulheres e meninas”<a href="#_edn11" name="_ednref11">[xi]</a>.
No objetivo 124, há diversas recomendações para que o Estado propicie condições adequadas para que a mulher possa denunciar os atos de violência cometidos contra ela de forma segura, confiar nos agentes do Estado e registrar ocorrências a respeito, em condições de segurança e sem temor de castigos ou represálias<a href="#_edn12" name="_ednref12">[xii]</a>. Ou seja, é preocupação primordial do Estado proteger as vítimas de violência doméstica e uma das formas de essa proteção acontecer na prática é através da concessão de medidas protetivas.
Retornando os olhos à teoria de medidas de urgência, é possível constatar que as medidas protetivas previstas ou concedidas na Lei Maria da Penha não são irreversíveis, são impugnáveis por recurso. E mais, nenhuma das medidas protetivas causará um prejuízo irremediável na esfera dos direitos do suposto agressor na hipótese de se provar, no futuro (durante a instrução processual), que a violência doméstica ou familiar não ocorreu.
Se efetivamente ficar comprovado no processo, de forma definitiva, que houve má-fé da parte beneficiada pela medida protetiva de urgência, há mecanismos legais de se combater essa conduta. Todavia, a não concessão da medida protetiva naquele momento em que a mulher sofre violência pode causar a continuidade dessa violência, um novo ato de violência ou, uma piora desses atos de violência como muitas vezes já aconteceu na prática<a href="#_edn13" name="_ednref13">[xiii]</a><a href="#_edn14" name="_ednref14">[xiv]</a>.
Dessa forma, para o registro e concessão de medida protetiva de urgência, basta a palavra da vítima afirmando que ocorreu um ato de violência doméstica ou familiar. A recusa no registro do pedido, ou na concessão da medida, sob a alegação de falta de provas, implica infringência expressa à Lei Maria da Penha e aos tratados internacionais vigentes no Brasil.
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O episódio 53 do podcast Sem Precedentes discute ações sobre a Lei de Segurança Nacional, que tem sido usada em inquéritos contra críticos de Bolsonaro. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=1062owtx9o4
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<a href="#_ednref1" name="_edn1">[i]</a> Enunciado nº 32 (003/2016) – COPEVID: Quando as Medidas Protetivas de Urgência, previstas na Lei n. 11.340/2006, tiverem natureza cível, podem ser concedidas como tutela provisória de urgência, nos termos dos artigos 300 e seguintes do CPC (Lei n. 13.105/2015), inclusive o regramento da estabilização da tutela provisória prevista nos artigos 303 e 304. (Aprovado na I Reunião Ordinária do GNDH em 05/05/2016 e pelo Colegiado do CNPG em 15/06/2016); Enunciado nº 04 (004/2011) – COPEVID: As Medidas de Proteção foram definidas como tutelas de urgência, sui generis, de natureza cível e/ou criminal, que podem ser deferidas de plano pelo Juiz, sendo dispensável, a princípio, a instrução, podendo perdurar enquanto persistir a situação de risco da mulher. (Com nova redação aprovada na Reunião Ordinária do GNDH de 12 e 14/03/2013 e pelo Colegiado do CNPG de 29/04/2014).
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[ii]</a> Importante reforçar aqui que a Lei Maria da Penha não é uma lei de natureza penal e, sim, um sistema legal múltiplo com dispositivos de natureza penal, civil e processual com vistas a garantir ampla e integral proteção da mulher vítima de violência.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[iii]</a> Discute-se doutrinariamente qual a natureza da medida protetiva de urgência da Lei Maria da Penha, mas a natureza jurídica não modifica os requisitos aqui tratados. Recomenda-se a consulta ao IRDR proposto pela Defensoria Pública de São Paulo. Disponível em: https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Repositorio/41/Documentos/09%2003%2020%20Peti%C3%A7%C3%A3o%20IRDR%20ndeferimento%20de%20medidas%20protetivas%20(1).pdf. Acesso em: 13 mar. 2021.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[iv]</a> Disponível em: https://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-domestica/ciclo-da-violencia.html. Acesso em: 13 mar. 2021.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[v]</a> WATANABE, Kazuo. Da Cognição do Processo Civil. 3 ed. São Paulo: Perfil, 2005.
<a href="#_ednref6" name="_edn6">[vi]</a> Art. 19, §1, Lei Maria da Penha
<a href="#_ednref7" name="_edn7">[vii]</a> Agravo Regimental No Agravo Em Recurso Especial n. 1352082 / DF, relator: Ministro Joel Ilan Paciornik, j. 26/03/2019. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&amp;b=ACOR&amp;livre=((%27AGARESP%27.clas.+e+@num=%271352082%27)+ou+(%27AgRg%20no%20AREsp%27+adj+%271352082%27.suce.))&amp;thesaurus=JURIDICO&amp;fr=veja. Acesso em: 13 mar. 2021.
<a href="#_ednref8" name="_edn8">[viii]</a> §2º, art. 5º, Constituição Federal de 1988.
<a href="#_ednref9" name="_edn9">[ix]</a> Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/03/convencao_cedaw1.pdf. Acesso em: 10 mar. 2021.
<a href="#_ednref10" name="_edn10">[x]</a> Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/viena/viena.html. Acesso em: 10 mar. 2021.
<a href="#_ednref11" name="_edn11">[xi]</a> Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2014/02/declaracao_pequim.pdf. Acesso em: 10 mar. 2021.
<a href="#_ednref12" name="_edn12">[xii]</a> Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2014/02/declaracao_pequim.pdf. Acesso em: 10 mar. 2021.
<a href="#_ednref13" name="_edn13">[xiii]</a> Disponível em:https://brasil.elpais.com/internacional/2021-02-11/denunciou-o-companheiro-18-vezes-e-foi-assassinada-o-feminicidio-que-coloca-a-policia-argentina-na-mira.html. Acesso em: 20 mar. 2021.
<a href="#_ednref14" name="_edn14">[xiv]</a> Disponível em: https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2020/03/16/mulher-e-assassinada-logo-apos-ir-na-delegacia-denunciar-marido-por-agressao-e-estupro-em-mt.ghtml. Acesso em 20 mar. 2021.

violência contra mulher

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JOTA

Análise dos pré-requisitos para requerimento e concessão

Medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha

Medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Uma análise dos pré-requisitos para requerimento e concessão