Opinião e Análise

Samantha Ribeiro Meyer-Plung

A liberdade de expressão do pensamento sempre esteve presente nos textos constitucionais brasileiros. A Constituição de 1988 é enfática ao assegurá-la em seus mais variados aspectos: de expressão, de imprensa, de religião, de reunião, de trabalho, ideológica e artística. Constitui-se em um dos alicerces do Estado democrático de Direito.
Compreende tanto a exteriorização do pensamento, ideias, opinião, convicções, como também de sensações e sentimentos em suas mais variadas formas, quais sejam, as atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação.
A Constituição dá ênfase à proteção da liberdade de expressão como um dos pilares da democracia participativa. No debate público assegura-se o direito de manifestação de ideias e opiniões livre de qualquer coação, possibilitando-se assim ao indivíduo participar das decisões do Estado.
Sob uma determinada ótica a liberdade de expressão enseja a neutralidade do Estado em face do conteúdo da opinião, para que ela possa ocorrer livremente, sem interferências. Trata-se do “valor da indiferença”.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Já sob outro aspecto a liberdade de pensamento impõe que a ideia ou opinião seja respeitada pelos demais e que não venha o indivíduo a sofrer nenhuma restrição ou até mesmo retaliação em virtude de sua emissão.
No Estado democrático de Direito o direito de expressar o pensamento “deve ocorrer livre de qualquer castigo ou ameaça, pois é a manifestação do raciocínio humano, é a expressão de sua razão”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Trata-se da autodeterminação do indivíduo. Daí a razão de restarem expressamente vedadas, no inc. IX do art. 5° da CF/88, a censura e a licença, que são a negação do direito à liberdade de expressão. A censura é extremamente danosa e deve ser a todo custo extirpada das sociedades democráticas.
Valoriza-se a liberdade de expressão como instrumento imprescindível à promoção do debate público, sendo “parte integrante de um regime democrático.”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> A manifestação de ideias tem grande poder e se reflete diretamente nos valores predominantes na sociedade e no sistema político. Não se pode desconsiderar ou subestimar o poder das ideias. Inclusive durante os regimes ditatoriais, nos quais, sempre se limitou a liberdade de expressão, até mesmo com a imposição de penas severas, os grupos rebeldes, de resistência sempre existiram de maneira explicita ou implícita.
Todavia, como todos os demais direitos não pode ser exercido de maneira absoluta, sob pena de violar outros direitos igualmente assegurados. O Texto Constitucional traz restrições expressas à liberdade de expressão. São elas: a vedação do anonimato, ou seja, a expressão do pensamento deve ser exercida com responsabilidade; e o direito de resposta, em todas as modalidades sob as quais o processo de difusão de ideias e opiniões possa ocorrer, no caso de abuso do direito de expressar do indivíduo. Outro limite é a proteção da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. São esses os limites impostos pelo ordenamento jurídico à liberdade expressão.
Na atualidade, o exercício da liberdade de expressão se depara com alguns aspectos polêmicos que demandam a atenção especial do Estado e da sociedade, como o discurso de ódio e a propagação de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fakenews">fake news</a>. O discurso de ódio é uma apologia abstrata do ódio, que representa o desprezo e a discriminação a determinados grupos de pessoas dotadas de certas características comuns, crenças, qualidades ou ainda que estejam na mesma condição social, econômica, como, por exemplo, os ciganos, nordestinos, negros, judeus, mulheres, dentre outros. É voltado contra as minorias. Já as fake news consistem na emissão deliberada de notícias falsas com vistas a disseminar a desinformação, causando prejuízos a toda sociedade.
O combate ao discurso de ódio e a fake news se apresenta como um dos grandes desafios a ser enfrentado pelo Estado e pela sociedade, na medida em que incitam a descriminação e o ódio a determinados grupos sociais, étnicos, religiosos (minorias) e disseminam a desinformação.
Do ponto de vista histórico constata-se que a proibição à divulgação de ideias jamais se constituiu um obstáculo suficientemente eficaz para que elas desaparecessem. Muito pelo contrário, elas ainda assim subsistiram. A liberdade de expressão deve ser exercida com responsabilidade e deve-se fomentar o debate aberto, no qual sejam abordados todos os aspectos e pontos de vistas, vez que é por meio dele que serão combatidas as ideias preconceituosas, racistas e as fake news. Nesse sentido, deve-se garantir o direito de manifestação das maiorias e das minorias no discurso público. A luta pela "garantia da liberdade de expressão é uma conquista diária e impõe uma certa tensão existencial e um forte compromisso” para que não se sucumba diante da intolerância. <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Não há como negar que o discurso de ódio e as fake news devem ser combatidos pelo Estado e pela sociedade e nesse particular não há qualquer divergência. Ambos devem ser submetidos à crítica contundente e ao descrédito, vez que as palavras têm de estar relacionadas aos valores albergados pela sociedade, do contrário ficarão vazias de qualquer conteúdo. De igual modo, o papel da imprensa ganha relevo no sentido de garantir o direito constitucional à informação do cidadão e rebater as notícias falsas.
Questão relevante que se apresenta é justamente a de saber qual a melhor forma de se enfrentar o discurso de ódio e as fake news no sistema brasileiro: se é a solução adotada pelo sistema americano (prevalência da liberdade de expressão) ou pelo europeu (criminalização do discurso de ódio). Parece que a solução não reside na adoção de nenhum dos dois sistemas de forma pura, mas sim numa posição intermediária, que seja adequada à realidade cultural e histórica brasileira e esteja em harmonia com os princípios constitucionais. A essência do sistema democrático impõe uma discussão ampla e aberta, na qual impere a convivência pacífica de todas as ideias, ideologias e opiniões. Não existe democracia sem liberdade de expressão do pensamento. A vedação do discurso de ódio e das fake news tem se mostrado muitas vezes ineficaz, na medida em as manifestações dessa natureza continuam ocorrendo. Em certos casos a proibição é vista como um incentivo à transgressão.
A atuação do Estado deve ser no sentido de dotar as minorias (ética, social, religiosa, cultural...) de melhores condições para expor suas ideias e argumentos e assim poder participar efetivamente do debate público e fazer uso de sua liberdade para expor pensamentos, ideias e opiniões em igualdade de condições com os demais. De igual modo deve-se propiciar os meios para que o cidadão possa se ter acesso às informações verídicas, bem como fomentar o papel dos veículos de comunicação no sentido de fornecer informações corretas à sociedade. Em síntese, tem-se que apenas por meio do discurso aberto, da contra-argumentação, da educação e da informação é que se faz possível combater e exterminar por si só tão abomináveis manifestações. Posições extremadas devem ser veementemente combatidas por meio do fomento ao livre debate de ideias e opiniões.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1] </a>BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 331.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2"></a> [2] MEYER- PFLUG, Samantha Ribeiro. Liberdade de Expressão e Discurso do Ódio. São Paulo: RT, 2009,  p.34.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> RAZ, Joseph. La ética en el ámbito público. Barcelona: Gedisa, 2001. p. 165.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Cf. BLÁZQUEZ-RUIZ, Francisco Javier. Introducción: Geneaología, dinámica y propuestas éticas frente al racismo y xenofobia. In: BLÁSQUEZ-RUIZ, Javier (org.) 10 palabras clave sobre Racismo y Xenofobia. Estella: Editorial Verbo Divino, 1996,p. 22.

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JOTA

Posições extremadas devem ser veementemente combatidas por meio do fomento ao livre debate de ideias e opiniões

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