Opinião e Análise

Thaís Amoroso Paschoal

Ana Carolina A. Caputo Bastos

Ana Karenina Silva Ramalho Andrade

Leticia Zuccolo Paschoal da Costa Daniel

Frank Michelman, nos "Excerpts from Brennan and democracy", dá destaque ao que chama de forte condição para a confiabilidade das decisões: a plena exposição do intérprete (o moral reader) às diversas opiniões sobre a correção de uma ou de outra interpretação jurídica[1]. Também Carlos Santiago Nino, na sua teoria deliberativa, trabalha a capacidade da democracia para transformar – a partir do diálogo – os interesses das pessoas e suas preferências[2]. Assim, e levando em conta a existência de disputas interpretativas, a democracia ganha em valor epistêmico.
Nesse sentido, a criação de amplos e democráticos espaços de discussão favorece a interpretação das leis e sua aplicação em casos concretos, sobretudo diante da variedade de posições existentes. As disputas, absolutamente necessárias nesse ambiente, potencializam o debate e favorecem a construção da melhor interpretação possível, contribuindo para o aperfeiçoamento do Direito e do Sistema de Justiça.
O Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) é, sem dúvida, um desses espaços. Tem origem em 2013 (sucedeu o Encontro de Jovens Processualistas) e realizou sua 12ª edição nos últimos dias 24 e 25 de março. É idealizado e organizado pelo professor Fredie Didier Jr., reunindo – há quase uma década – centenas de juristas para refletir de forma isonômica, plural, aberta e respeitosa sobre a interpretação de normas ou a adoção de boas práticas processuais[3].
Após a edição dos enunciados ou o reconhecimento dessas práticas replicáveis, os respetivos grupos de trabalho submetem, sob a condução de um(a) relator(a) e um(a) secretário(a), as propostas à plenária, reunião de todos(as) os(as) processualistas que fazem parte do FPPC. A participação igualitária de homens e mulheres, advindos das diferentes regiões do país (do Sul ao Norte), é uma marca do encontro.
Só são acolhidas as propostas aprovadas à unanimidade. Havendo, portanto, uma única objeção fundamentada de qualquer processualista, a sugestão é rejeitada (verdadeira premissa filosófica do encontro). Até hoje, foram emitidos 745 enunciados interpretativos e reconhecidas 19 boas práticas adotadas em todo o Brasil[4].
Em 2023, três grupos ficaram responsáveis pela seleção de boas práticas processuais, o de 1) Processos estruturais; 2) Métodos não jurisdicionais de solução de conflito e 3) Cooperação judiciária nacional. Além da perspectiva teórica trazida pelos inúmeros processualistas que participam anualmente do evento, agora o Código de Processo Civil (CPC) e a legislação afim são – mais do que nunca – colocados à prova, a partir da experiência prática dos que buscam o melhor aproveitamento possível das normas de processo[5].
A discussão e aprovação dessas boas práticas pelo FPPC certamente aumenta a capacidade do Direito Processual Civil de atender às demandas sociais. Afinal de contas, advêm da rica vivência de inúmeros estudiosos, oriundos de diferentes escolas de pensamento. O fato de serem validadas por todos e todas confere maior legitimidade às escolhas feitas pelos processualistas sobre a aplicação do Direito. Nesta linha, a construção desses consensos joga luzes a dificuldades concretas associadas a diversos institutos processuais.
Tome-se como exemplo as boas práticas ligadas à cooperação judiciária nacional. Sabe-se que se trata de ferramenta prevista nos artigos 67 a 69 do CPC e que recentemente foi objeto da Resolução 350/2020 do Conselho Nacional de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cnj">CNJ</a>), recebendo, desde então, forte incentivo para sua implementação. Em pouco tempo, a resistência à sua utilização foi dando lugar a uma intensa aplicação das práticas cooperativas, que hoje têm sido colocadas em prática em quase todo os tribunais do país.
Isso, porém, não afasta dúvidas relativas à competência ou ao procedimento adequado para que se alcance maior eficiência e efetividade da prestação jurisdicional. Questões dessa natureza foram debatidas no FPPC de 2022. Aprovou-se, por exemplo, uma boa prática que resultou na cooperação entre Tribunal de Justiça (TJ) e Tribunal Regional Federal (TRF) para a criação de Núcleos 4.0 e o compartilhamento de competências no processamento e julgamento de ações envolvendo vícios construtivos em imóveis financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH).
Também se aprovou prática que permitiu a cooperação judiciária interinstitucional com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) para facilitar a comunicação de pessoas em comunidades ribeirinhas e indígenas de difícil acesso. Ainda, tratou-se da realização de ato concertado entre juízos de varas de família para possibilitar a reunião de todos os processos de competência dos juízos cooperantes que envolvam uma mesma entidade familiar perante o juízo para o qual for distribuída a primeira demanda.
Além de representar a validação dessas boas práticas processuais, a aprovação na plenária do FPPC também incentiva a reprodução dessas iniciativas por outros juízos em casos semelhantes. Não por acaso o FPPC tem recebido ainda mais participantes a cada edição (neste ano foram quase 500 inscritos) e tem sido cada vez mais distinguido no meio jurídico, tanto acadêmico como profissional.
Corroborando esse reconhecimento e a legitimidade das discussões ocorridas no FPPC, importante dizer que o fórum foi admitido recentemente na condição de amicus curiae no Recurso Especial (REsp) 1.955.539 e no REsp 1.955.574 (Tema Repetitivo 1137)[6], nos quais o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definirá balizas sobre a aplicação de medidas executivas atípicas. Algo inédito e de suma importância para a pluralização do debate em torno das normas processuais.
Embora o CPC de 2015 não tenha se baseado em pesquisas empíricas mais estruturadas, não deixou de levar em conta a prática forense. Há, no Código, muitas previsões que partiram do que a jurisprudência há muito já se pronunciava sobre determinadas questões processuais. Trouxe, também, previsões que refletiram demandas antigas dos diversos atores da Justiça (advogados públicos e privados, promotores, juízes).
Assim, entre o velho e o novo em matéria processual, o FPPC segue contribuindo para o aprimoramento do Direito que, como sabemos, está em constante transformação e invariavelmente nos exige reflexões sobre aplicação e interpretação de normas. Nesse contexto, o grupo 4 da 12ª edição – “Observatório de concretização do Direito Processual pelos tribunais superiores e filtro de relevância no REsp” – colheu relevantes contribuições que poderão ser objeto de regulamentação da recém-criada Relevância da Questão de Direito Federal infraconstitucional no REsp.
A mudança nos §§2º e 3º do artigo 105 da Constituição Federal é mais um capítulo da história dos recursos no país e ainda desafiará um processo de amadurecimento que não passará despercebido pelo FPPC. Essa grande família de processualistas em que se transformou o fórum permanecerá firme no propósito de construir democraticamente grandes consensos – a partir do diálogo – sobre o direito processual brasileiro.
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[1] MICHELMAN, Frank. Excerpts from Brennan and democracy. Princeton University Press, 1999, p. 19. 
[2] NINO, Carlos Santiago. La constitución de la democracia deliberativa. Barcelona: Gedisa Editorial, 1997, p. 202. 
[3] Para mais informações sobre o Fórum, acesse: <a class="Hyperlink SCXW257857635 BCX0" href="https://www.fppc.com.br/" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://www.fppc.com.br/</a>.  
[4] Disponível em &lt;<a class="Hyperlink SCXW111470902 BCX0" href="https://www.academia.edu/99186969/Rol_de_enunciados_e_repert%C3%B3rio_de_boas_pr%C3%A1ticas_processuais_do_F%C3%B3rum_Permanente_de_Processualistas_FPPC_Bras%C3%ADlia_2023" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://www.academia.edu/99186969/Rol_de_enunciados_e_repert%C3%B3rio_de_boas_pr%C3%A1ticas_processuais_do_F%C3%B3rum_Permanente_de_Processualistas_FPPC_Bras%C3%ADlia_2023</a>&gt;. 
[5] Sobre a aprovação das boas práticas e o soft law, confira-se: VIEIRA, Débora. Negando as aparências e disfarçando as evidências: o fórum permanente de processualistas civis, os grupos sobre boas práticas e o soft law, na coluna Processualistas. Disponível em &lt;<a class="Hyperlink SCXW80497235 BCX0" href="https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/1752769393/negando-as-aparencias-e-disfarcando-as-evidencias-o-forum-permanente-de-processualistas-civis-os-grupos-sobre-boas-praticas-e-o-soft-law" target="_blank" rel="noreferrer noopener">https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/1752769393/negando-as-aparencias-e-disfarcando-as-evidencias-o-forum-permanente-de-processualistas-civis-os-grupos-sobre-boas-praticas-e-o-soft-law</a>&gt;. 
[6] STJ, Decisão monocrática, REsp 1.955.539/SP, Relator Ministro MARCO BUZZI, DJe 10/03/2023.

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JOTA

Construção democrática do conhecimento a partir do diálogo 

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'Família' permanente de processualistas civis: o FPPC

Grande família de processualistas em que se transformou o FPPC permanecerá firme no propósito de construir democraticamente grandes consensos