Opinião e Análise

Samantha Ribeiro Meyer-Plung

A Constituição de 1988 trouxe uma mudança significativa na proteção dos direitos das mulheres, do ponto de vista normativo, sendo a primeira a garantir expressamente a igualdade entre homens e mulheres. Contudo, essa alteração por si só não foi suficiente para assegurar a igualdade de fruição de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. São necessárias a formulação e a implementação de políticas públicas pelo Estado, bem como o engajamento da sociedade e do setor privado, em especial das empresas. A desigualdade de gênero não pode ser reduzida apenas à ausência de recursos, ela resulta da falta de oportunidades, políticas, jurídicas, econômicas e sociais.
Jamais se atingirá o desenvolvimento, enquanto persistirem barreiras que impeçam o pleno desenvolvimento e exercício das capacidades das mulheres, que representam mais da metade da população. Tanto é assim que a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável da ONU é enfática ao elencar como um dos seus objetivos a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas. Ela definiu indicadores de progresso, tais como o número de mulheres nos parlamentos nacionais e nos governos locais, bem como em posições gerenciais nas empresas para medir o desenvolvimento de uma nação.
É importante que se promova a melhoria da situação econômica da mulher, por meio do reconhecimento do trabalho doméstico não remunerado, da alfabetização e qualificação das mulheres, da garantia ao acesso ao trabalho, do fim da diferença salarial e discriminação, do incentivo para as empresas que promovam o crescimento das mulheres e do combate à violência doméstica.
O trabalho doméstico e de cuidado exercido pelas mulheres não é remunerado e demanda inúmeras horas de dedicação. No entanto, ele possui valor econômico e equivale a uma contribuição de cerca de US$ 10,8 trilhões por ano no mundo, segundo relatório da Oxfam, de 2019<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Ele é ignorado pelo Estado, deixando a mulher desamparada do ponto de vista trabalhista e previdenciário, vez que não faz jus a nenhum benefício social. Somente, se tiver um companheiro, poderá receber a pensão por morte, ou seja, apenas se reconhece a condição da mulher de dependente do homem, como se não fosse uma cidadã completa. Reconhecer o trabalho doméstico e de cuidado é amparar milhares de meninas e mulheres que desempenham um trabalho fundamental para o funcionamento da economia, mas que sequer é reconhecido e contabilizado. Vale dizer que com o envelhecimento da população a demanda por cuidado só tende a aumentar, estima-se que em 2050 cerca de 77 milhões de pessoas no Brasil, demandarão esse serviço<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. O Estado não pode desprezar essa realidade.
Garantir o acesso ao trabalho também é condição sine qua non para a melhoria econômica e social das mulheres. Há que se considerar que, muitas vezes, são impedidas de trabalhar e embora se verifique que há um aumento da sua participação no mercado de trabalho, infelizmente ele veio acompanhado de sua precarização. Isso se dá em razão da dupla jornada a que estão submetidas, cuidados da casa e do trabalho, ou ainda tripla jornada, quando estudam. As mulheres, em face dessas circunstâncias acabam optando pelo mercado informal, com vistas a compatibilizar essa dupla jornada. A ausência de creches e escolas públicas só agravam esse cenário. Segundo dados do IBGE em 2018, somente 44% das vagas formais foram ocupadas por mulheres, que também são maioria entre os desempregados. <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Ademais, as mulheres, quando se encontram integradas ao mercado de trabalho, são vítimas de discriminação e assédio, e recebem cerca de 22% a menos que os homens em todos os cargos que ocupam<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Isso ocorre a despeito de possuírem maior índice de escolaridade de nível superior que os homens. É preciso alterar essa realidade, na medida em que a mulher representa uma valiosa força de trabalho.
Importante também conferir maior educação formal às mulheres, pois como assevera Martha Nussbaum: “Nos países em desenvolvimento, tomadas em conjunto há 60% mais mulheres que homens entre os adultos analfabetos”<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.  É por meio da educação que se promove a emancipação social da mulher e sua requalificação no mercado, em face dos avanços tecnológicos. As mulheres são importantes agentes de mudança na sociedade. A alfabetização feminina, segundo Amartya Sen, gera redução da taxa de mortalidade infantil, principalmente, entre crianças de 0 a 5 anos, bem como a redução da taxa de natalidade e fecundidade, com a diminuição dos casos de gravidez e casamentos precoces<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Do ponto de vista econômico, deve-se facilitar o acesso de mulheres ao crédito bancário. As mulheres são maioria entre os que se encontram no superendividamento, e deve-se considerar que 40% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>. Ora, quando se melhora suas condições, isso acaba por ser reverter em benefícios para a família e principalmente para a educação dos filhos. Experiências como a levada a cabo por Muhammad Yunus<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>, prêmio Nobel da Paz,  que, ao pensar na concretização do Grameen Bank, escolheu dar crédito para mulheres pobres e analfabetas, demonstraram o comprometimento delas com a família e os filhos, bem como o pagamento do crédito recebido<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
A criminalização do assédio sexual e combate à violência doméstica (<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/papel-dos-municipios-na-efetividade-da-lei-maria-da-penha-19032022">Lei Maria da Penha</a>) favorecem a atuação feminina no trabalho. As mulheres que foram vítimas de violência doméstica faltam mais ao trabalho e deixam de levar seus filhos à escola. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, anualmente são perdidos 8 milhões de dias trabalhados remunerados por ano, sem se levar em conta a perda de produtividade das mulheres vítimas da violência doméstica<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Não se pode fechar os olhos para o custo da violência doméstica que, segundo dados da ONU Mulheres, divulgados em 2017, pode chegar a 2% do PIB mundial. O que equivaleria a US$ 1,5 trilhão<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>. Os custos envolvem gastos com tratamento médico, psicológico, o afastamento do lar, o aparato policial, as custas judiciais, entre outros.
As empresas também desempenham papel preponderante na busca da equidade de gênero, ao criar ambientes corporativos humanos, ao estimular práticas que promovam a igualdade e evitarem a discriminação  de gênero.
No âmbito corporativo, as empresas devem estimular a participação de mulheres nos conselhos, permitir a ascensão aos cargos diretivos, implantar jornada de trabalho flexível, trabalho parcial, home office, criar políticas de promoção na carreira e um ambiente mais plural, ético e tolerante, bem como a implantação de <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/compliance-posicionamento-estrategico-empresas-06012022">regras de compliance</a>. Essas são algumas das medidas necessárias e urgentes. De outra parte, cabe ao Estado criar incentivos para as empresas que promovem o direito das mulheres, ao invés de impor sanções. A punição não parecer ser a melhor solução. Ao se impor uma multa às empresas que fazem distinção de salários entre homens e mulheres, pode-se gerar um efeito reverso, qual seja as empresas deixarem de contrata-las. A melhor solução parecer residir em criar incentivos para as empresas, numa política de promoção.
A licença maternidade ainda é vista como um obstáculo para os empresários contratarem mulheres. Nesse sentido, a discussão em torno da implantação de uma licença parental (dividida entre pais e mães) parece ser uma saída para vencer esse entrave, pois assim a maternidade é vista em sua função social. Estudos realizados pela Escola de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas, em 2016, demonstram que até 24 meses após a licença maternidade cerca de 48% das mulheres está fora do mercado formal de trabalho.<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>
Relevante ressaltar que a participação feminina nas empresas agrega valor às instituições. É uma decorrência da ética empresarial e da própria função social da empresa. Nesse particular, estudo realizado pela MccKinsey &amp; Company, em 2017, aponta que: “Em todo o mundo, empresas do quartil superior em diversidade de gênero nas equipes executivas tinham uma probabilidade 21% maior de ter margem Ebit superior à de seus pares do quartil inferior; além disso, tinham uma probabilidade 27% maior de criar valor no longo prazo do que seus pares do quartil inferior, medido pela margem de lucro econômico.”<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>
Investir na melhoria de condições das mulheres é investir no próprio desenvolvimento econômico e social do país. Quando as mulheres ganham, toda sociedade ganha também.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: <a href="https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/tempo-de-cuidar/">https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/tempo-de-cuidar/</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: <a href="https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/tempo-de-cuidar">https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/tempo-de-cuidar</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com base em informações do Cadastro Geral  de Emprego e Desemprego (Caged) e da Relação  Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho. Disponível em: <a href="https://mte.jusbrasil.com.br/noticias/436750271/em-5-anos-participacao-feminina-no-mercado-de-trabalho-cresce-e-desemprego-entre-mulheres-cai">https://mte.jusbrasil.com.br/noticias/436750271/em-5-anos-participacao-feminina-no-mercado-de-trabalho-cresce-e-desemprego-entre-mulheres-cai</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Segundo dados do IBGE em 2018, disponível em: <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-03/mulheres-brasileiras-ainda-ganham-menos-que-os-homens-diz-ibge">https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-03/mulheres-brasileiras-ainda-ganham-menos-que-os-homens-diz-ibge</a>
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> NUSSBAUM, Martha. Las mujeres y el desarrollo humano el enfoque de las capacidades. Barcelona: Herder editorial, 2012, p. 29.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Cf. SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Texeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 253.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Cf. <a href="https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/publicacoes-1/SPMRaseamdigital.pdf">https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-mulheres/publicacoes-1/SPMRaseamdigital.pdf</a>
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Dados de janeiro de 2021 apontam que o Grameen Bank tinha 9,38 milhões de clientes, 97% deles mulheres. Com 2.568 agências, a instituição autossustentável opera em mais de 81 mil vilarejos de Bangladesh, com empréstimos que somam 3 bilhões de dólares anualmente. Também tem operações no exterior com organizações parceiras, focadas em microcrédito. Disponível em&lt; <a href="https://brasil.un.org/pt-br/135265-pnud-convida-criador-do-microcredito-para-discutir-empreendedorismo-pos-pandemia">https://brasil.un.org/pt-br/135265-pnud-convida-criador-do-microcredito-para-discutir-empreendedorismo-pos-pandemia</a>&gt; . Acesso em 24/09/2021.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a>. Disponível em&lt; <a href="https://brasil.un.org/pt-br/135265-pnud-convida-criador-do-microcredito-para-discutir-empreendedorismo-pos-pandemia">https://brasil.un.org/pt-br/135265-pnud-convida-criador-do-microcredito-para-discutir-empreendedorismo-pos-pandemia</a>&gt; . Acesso em 24/09/2021.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Disponível em: <a href="https://www.onumulheres.org.br/noticias/onu-alerta-para-os-custos-da-violencia-contra-as-mulheres-no-mundo/">https://www.onumulheres.org.br/noticias/onu-alerta-para-os-custos-da-violencia-contra-as-mulheres-no-mundo/</a>
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Disponível em: <a href="https://www.onumulheres.org.br/noticias/onu-alerta-para-os-custos-da-violencia-contra-as-mulheres-no-mundo/">https://www.onumulheres.org.br/noticias/onu-alerta-para-os-custos-da-violencia-contra-as-mulheres-no-mundo/</a>
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Disponível em: https://portal.fgv.br/think-tank/mulheres-perdem-trabalho-apos-terem-filhos
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Disponível em: https://www.mckinsey.com/business-functions/people-and-organizational-performance/our-insights/delivering-through-diversity/pt-BR

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JOTA

Investir na melhoria de condições das mulheres é investir no próprio país

O empoderamento feminino e o desenvolvimento econômico e social

Agenda 2030 da ONU é enfática ao elencar como um dos seus objetivos a igualdade de gênero e o empoderamento feminino