Opinião e Análise

Marina de Araujo Lopes

Paula Ferro Costa de Sousa

A constelação familiar foi criada pelo psicoterapeuta alemão Bert Hellinger e consiste em terapia sistêmica familiar utilizada para lançar um novo olhar sobre as relações existentes, com vistas a identificar e solucionar os conflitos ocorridos no seio familiar.
De acordo com Hellinger: “Através das constelações familiares, sob o enfoque fenomenológico, se abre uma outra via de acesso à consciência oculta. Essa via é a do ‘saber por participação’. O cliente escolhe arbitrariamente, entre os participantes de um grupo, representantes para si próprio e para outros membros significativos de sua família, por exemplo, seu pai, sua mãe e seus irmãos. Estando interiormente centrado, o cliente posiciona os representantes no recinto, relacionando-os entre si. Através desse processo, o cliente é surpreendido por algo que subitamente vem à luz. Isto significa que, no processo da configuração da família, ele entra em contato com um saber que antes lhe estava vedado”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Ou seja, basicamente por uma encenação ou prática por meio de cartas, o interessado experimentará novamente as relações que o levaram até aquele conflito. Por meio dessa prática – que objetiva a superação de traumas que, por sua vez, resulta na resolução do conflito sob análise do Judiciário –, busca-se responder duas perguntas: O que enreda nas famílias umas pessoas no destino de outras e o que as libera de tal enredamento? E como pode o amor ser bem-sucedido?<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Essa prática, atualmente, é utilizada no âmbito do Judiciário brasileiro como método alternativo para a solução pacífica de controvérsias (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm">Lei 13.140/2015</a>), na esteira da Resolução CNJ 125/2010, que versa sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, como mais um mecanismo da Justiça multiportas. Igualmente, o Código de Processo Civil também estimula a solução consensual de conflitos com a utilização de outros métodos que permitam o ajuste harmônico entre as partes, conforme o que dispõe seu art. 3º, § 3º.
É exatamente nesse ponto que está inserida a constelação familiar. Como a constelação é “[...] um mapa que nos permite acessar a linguagem do coração”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, busca-se com sua utilização, estimular a pacificação social e na continuidade de convivência das pessoas, haja vista que, de modo geral, os conflitos levados para uma sessão de constelação versam sobre questões familiares, como violência doméstica, endividamento, guarda de filhos, divórcios litigiosos, inventário, adoção e abandono.
Ainda que a participação das partes em procedimentos de constelação familiar não seja obrigatória, existem duras críticas por parte da doutrina no sentido de não se tratar de técnica científica reconhecida e, portanto, não deveria sequer ser utilizada sob a chancela do Estado, in casu, do Judiciário.
Questiona-se como “um método fundado em supostos ‘campos de energia’ e ‘conexões inconscientes’ possa estar sendo aplicado sem tantos questionamentos no Judiciário[?]. No locus das discussões mais íntimas, mais divisivas, que podem significar a ruína ou a fortuna dos envolvidos, a constelação familiar é tratada como um procedimento terapêutico como qualquer outro, como se fosse validado e respaldado cientificamente<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>”.
Mas o fato é que, apesar de inexistir lei<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, alguns tribunais brasileiros já estabeleceram regramentos para fins de utilização da constelação familiar, tais como os Tribunais de Justiça de Minas Gerais<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, Goiás, São Paulo, Rondônia, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Alagoas e Amapá<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
O normativo<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tjmg">TJMG</a> regulamenta a utilização das constelações sistêmicas nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) e nas práticas restaurativas em Minas Gerais, mas não estabelece qualquer restrição quanto aos tipos de processos que podem ser submetidos à esse tipo de prática sistêmica.
Em 2018, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) promoveu o workshop “Inovações na Justiça: o Direito Sistêmico como Meio de Solução Pacífica de Conflitos”, com o objetivo de para debater métodos alternativos para a solução de conflitos que utilizam as diretrizes das constelações familiares.
Justamente por produzir, em termos numéricos, bons resultados quanto aos acordos firmados e satisfação imediata da parte, a constelação passou a ser bem vista no Judiciário. Esse parece ser o fundamento de maior envergadura desse método, em especial quando se está diante de um acervo de mais de 77 milhões de processos em tramitação, conforme a publicação Justiça em Números<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a> de 2022, do Conselho Nacional de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cnj">CNJ</a>).
Como se verifica, essa ferramenta está sendo amplamente utilizada pelo Poder Judiciário. A pergunta que se faz está adstrita aos limites de sua utilização. Enquanto os processos estiverem na esfera de liberdade das partes, não há como impedir que escolham e aceitem se valer desse método para buscar uma solução do conflito que as aflige. Por outro lado, ações que desafiam a atuação estatal em qualquer medida, não deveriam sequer ser objeto de sugestão de utilização de constelação familiar. Casos que envolvem a prática de crimes, deveriam, de plano, ter esse método afastado das partes.
Pela forma que se dá a constelação, não parece crível que o Judiciário permita a revitimização das partes ofendidas – isso porque, a parte interessada em constelar, conforme explicado acima, pode vir a reviver cenas violentas que a levaram até aquele ambiente do Poder Judiciário. Nesses casos, as vítimas devem ser colocadas em segurança e sob os cuidados do Estado, quando necessário. O poder estatal não pode proteger em determinado momento e se tornar uma espécie de algoz, em outro.
O <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2167164">PL 9444/2017</a>, que dispõe sobre a inclusão da constelação sistêmica como um instrumento de mediação entre particulares, a fim de assistir à solução de controvérsias, não parece impor restrições quanto ao tipo de processo, pois possibilita, inclusive, que direitos indisponíveis, ainda que sujeitos a acordo, possam ser objeto desse método:
<blockquote class="jota-article__citation">Art. 4º Pode ser objeto de constelação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação.</blockquote>
Apesar de recomendável a participação de um psicólogo durante as sessões, recente parecer do Conselho Regional de Psicologia da 8ª Região<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a> orienta para a não utilização das Constelações Familiares no exercício profissional da Psicologia. A nota técnica veicula entendimento no sentido de que “a prática no âmbito da Justiça, em especial nos casos de violência doméstica e familiar, vai contra o disposto na Lei Maria da Penha, que expressamente proíbe os mecanismos de mediação em litígios dessa natureza”.
Além disso, ainda estabelece que “[...] considerando a natureza da violência, a(o/e) Psicóloga(o/e) precisa respeitar os limites da vítima, preservando o senso de intimidade da mulher e atentando para que os seus limites e barreiras não sejam invadidos, de forma que o trabalho terapêutico não represente uma reedição da violência sofrida e uma ameaça à sua integridade psíquica [...]”.
Dessa forma, considerando o estado de vulnerabilidade em que o sujeito processual pode estar quando tem sua vida e intimidade exposta em um processo judicial, o consentimento à realização da constelação familiar deve ser analisado com cautela. Mesmo que o método seja de fato consensual, alguns processos não podem ser admitidos para utilização desse método, pois não há consensualidade que deva ser permitida em casos que envolvam a prática de crimes, especialmente os relacionados à violência doméstica e familiar contra a mulher e estupro, por exemplo, além de outros que pela sua natureza exponham uma das partes a dor maior que a sofrida.
Por fim, destaca-se que o CNJ ainda não emitiu posicionamento sobre o assunto, em relação aos processos nos quais a constelação familiar deva ser afastada.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> HELLINGER, Bert; WEBER, Gunthard; BEAUMONT, Hunter. A simetria oculta do amor: porque o amor faz os relacionamentos darem certo. São Paulo: Cultrix, 2003.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> SCHNEIDER, Jakob Robert. A prática das constelações familiares. Patos de Minas: Atman, 2007. p. 107.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ONUKI, Sonia. Constelação Familiar. São Paulo: Buzz, 2019. p. 14.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: <a href="https://www.conjur.com.br/2023-jan-07/diario-classe-constelacao-familiar-pseudociencia-moda-mundo-juridico">https://www.conjur.com.br/2023-jan-07/diario-classe-constelacao-familiar-pseudociencia-moda-mundo-juridico</a>. Acesso em: 25 jan. 2023.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 9.444, de 2017, que visa a regulamentação da Constelação Familiar.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/pr39232021.pdf
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Disponível em: <a href="https://www.conjur.com.br/2016-nov-01/doze-tribunais-adotam-tecnica-alema-conciliacao-conflitos">https://www.conjur.com.br/2016-nov-01/doze-tribunais-adotam-tecnica-alema-conciliacao-conflitos</a>. Acesso em: 6 fev. 2023.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Portaria nº 3923/2021/3ª Vice-Presidência. Disponível em: <a href="http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/pr39232021.pdf">http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/pr39232021.pdf</a>. Acesso em: 6 fev. 2023.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Disponível em: <a href="https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/sumario-executivo-jn-v3-2022-2022-09-15.pdf">https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/sumario-executivo-jn-v3-2022-2022-09-15.pdf</a>. Acesso em: 6 fev. 2023.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Nota Técnica Nº 3/2022/08-COF/08-GETEC. Disponível em: <a href="https://transparencia.cfp.org.br/wp-content/uploads/sites/9/2022/09/Nota-Tecnica-3-2022.pdf">https://transparencia.cfp.org.br/wp-content/uploads/sites/9/2022/09/Nota-Tecnica-3-2022.pdf</a>. Acesso em: 6 fev. 2023.

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