Opinião e Análise

Denise Pires Fincato

O uso e fornecimento de dispositivos digitais como computadores, notebooks, smartphones, tablets, discos externos portáteis, dentre outras ferramentas, trazem aos empregadores oportunidades e riscos relacionados à gestão das organizações<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Neste aspecto, a utilização dessas ferramentas digitais no ambiente laboral traz a necessidade da análise de bases conceituais e principiológicas do Direito do Trabalho, sobretudo da relação de emprego, impondo a adequação da inserção da tecnologia da informação ao sistema juslaboral.<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>O Direito do Trabalho é estruturado com institutos, regramentos e princípios próprios que presumem e revelam um sistema protetivo ao empregado, parte presumida hipossuficiente e vulnerável na relação empregatícia, buscando-se minimizar essa disparidade na realidade fática.
Neste âmbito principiológico protetivo é estruturada a relação empregatícia, que tem seus requisitos essenciais previstos no art. 3º da CLT: um trabalhador pessoa física e prestação com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação.
Dos requisitos vistos acima, a subordinação é o que possui maior relevo no plano fático, sendo o elemento principal que diferencia a relação de emprego das demais formas de prestação de trabalho.
<blockquote class="jota-article__eye">A subordinação é traduzida na situação em que se encontra o trabalhador, que possui a autonomia de sua vontade restrita, decorrente de uma limitação contratual que transfere ao empregador o poder de direção sobre a atividade a ser desempenhada.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> A subordinação faz presumir, portanto, a ausência de autonomia decisória do empregado.</blockquote>
O empregador detém o poder sobre a prestação de serviços do empregado. Esse poder empregatício permite comandar, controlar, fiscalizar e disciplinar a prestação de serviços e é designado pela subordinação jurídica ou hierárquica, critério adotado pelo legislador trabalhista brasileiro no art. 2º, caput da CLT. Veja-se: “Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”
O poder empregatício pode ser subdividido em poder diretivo (organizativo), poder regulamentar, poder fiscalizatório (poder de controle) e poder disciplinar. O poder diretivo é caracterizado como o conjunto de prerrogativas concentradas no empregador com vistas à organização da estrutura empresarial, inclusive da dinâmica de trabalho a ser implementada na empresa, com as especificações e orientações cotidianas relacionadas à prestação de serviços. O poder fiscalizatório, ou poder de controle é a possibilidade de o empregador fiscalizar/controlar a obediência dos empregados ao ordenamento jurídico e às normas e regulamentos internos da empresa.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> A assunção dos riscos do negócio por parte do empregador torna compreensível o direito do empregador de fiscalizar os atos de seus empregados, com o objetivo de evitar prejuízos que possam lhe causar responsabilidades.
Entretanto, o controle e a fiscalização empresarial encontram limites nos direitos fundamentais dos empregados, haja vista não ser ilimitado o poder empregatício.
Disto decorre a recomendação para que a empresa comunique o trabalhador, desde o momento da assinatura do contrato, ou mesmo em aditivos contratuais, acerca dos meios de controle utilizados e de como se dará o monitoramento dos equipamentos eletrônicos (seus ou do empregador) usados pelo empregado para o desempenho de suas atividades.
O monitoramento de equipamentos eletrônicos utilizados pelo empregado para o desempenho de suas atividades ganha relevo nos dias atuais, em que habitual e necessário o home office, pois a quantidade de informações e dados que trafegam nesses dispositivos impõe uma política de segurança, que possa privilegiar a proteção de informações confidenciais e sigilosas do empregador - resguardando-o de qualquer punição relacionada a incidentes de vazamentos de dados pessoais - sem invadir esferas de intimidade e privacidade do trabalhador.
Muito embora não seja recomendado, sabe-se que muitas organizações têm permitido o uso de computadores e celulares pessoais do empregado para a prestação de serviços. Nestes casos, devidamente avaliado e conhecido o risco, recomenda-se a implementação de políticas de privacidade para o uso do equipamento pessoal do empregado para o trabalho, despontando no cenário internacional as construções regulatórias do modelo Bring Your Own Device - BYOD (traga seu próprio dispositivo)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, em que se permite ao empregado ter acesso às informações corporativas a partir de seus dispositivos digitais pessoais, aderindo a regras específicas e políticas de privacidade impostas pela empresa que preverá sanções disciplinares para o caso de descumprimento dos termos de uso do sistema.
Um pouco mais delicada será a imposição de instalação de aplicativos nos dispositivos pessoais do empregado, entendendo-se, a priori, necessário coletar o seu consentimento (art. 5, inc. XII da LGPD), especialmente quando tais softwares coletarem (ou permitirem acesso a) dados pessoais dos seus respectivos usuários.
Para que o consentimento seja considerado válido, é preciso observar se a manifestação foi livre, informada, inequívoca e constante em cláusula destacada de contrato ou aditivo contratual. No entanto, deve-se reconhecer que o consentimento poderá ser revogado pelo titular dos dados a qualquer tempo (art. 18, inc. IX da LGPD) ou até mesmo declarado nulo por presunção de vício na manifestação de vontade do empregado (dada a disparidade da relação – apesar de livre, informada e inequívoca).
Assim, muito embora compreenda-se que a base legal do consentimento poderá ser utilizada nas relações de emprego, para o caso em apreço, não se o recomenda, compreendendo-se que a hipótese encontra conforto na previsão contida na combinação do art. 7º, inc. V, com o art. 11, inc. II, d, ambos da LGPD.
A utilização de aplicativos como mediadores comunicacionais em relações de trabalho requer atenção aos institutos e princípios basilares do Direito do Trabalho, em especial para o atendimento das questões práticas que daí surgem, tudo com o fito de cautela e resguardo empresarial para a mitigação de riscos, sem prejuízo da observância dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
<div id="sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('sdr-inbound-form-artigos-impacto-nas-instituicoes-8c5227dd4ede3347a6c6', 'UA-53687336-1').createForm();</script>
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Registra-se o agradecimento aos demais integrantes do Instituto Workab, que em muito contribuíram para as reflexões ora expostas, em especial à Advogada, Professora e Presidente da Comissão de Compliance da Associação Brasileira de Advogados, Caroline de Melo Lima Gularte
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 14 ed. São Paulo: LTr, 1989, p. 103.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17 ed. São Paulo: LTr, 2018, p. 787-788.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> O fenômeno BYOD surgiu no Brasil em meados de 2011 e é possível afirmar que foi impulsionado por fatores como o advento e expansão da computação móvel, a facilidade de aquisição de novas tecnologias e o ingresso da população jovem no mercado de trabalho, já adepta das chamadas novas tecnologias, gerenciando suas vidas a partir de seus dispositivos móveis e aplicativos. Torna-se inevitável reconhecer que esses trabalhadores-consumidores levam para o ambiente profissional seu modo de vida, onde se inserem seus equipamentos pessoais. (FINCATO, Denise Pires; FRANK, Marina Silveira. Bring Your Own Device (BYOD) e suas Implicações nas Relações de Emprego: reflexões práticas. Revista Magister de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 15, n. 89, p. 17-35, mar./abr. 2019, p. 19).

home-office-569359_1920

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

A utilização de ferramentas digitais no ambiente laboral traz a necessidade da análise de bases conceituais e principiológicas

Byod, monitoramento telemático e LGPD: reflexões e práticas trabalhistas

A utilização de ferramentas digitais no ambiente laboral traz a necessidade da análise de bases conceituais e principiológicas trabalhistas