Opinião e Análise

Claudia Aparecida de Souza Trindade

A Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, inaugurou o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Trata-se de legislação nacional que cumpre a relevante tarefa de realizar o disposto no art. 173 da Constituição Federal, o qual, com a redação que lhe foi atribuída pela Emenda nº 19, de 1998, prevê: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.
<a href="https://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Ora, o referido art. 173, no seu  § 1º  determina que “a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços [...]” e, para os fins do presente estudo, importa citar o incisos II  que determina que  “a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários e o IV que trata da necessidade de lei dispor sobre “a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários.”
Com efeito, a lei nº 13.303, de 2016, em seu artigo 5º, foi expressa ao atribuir o regime societário relativo às sociedades por ações, previsto na Lei nº 6.404, de 1976 às empresas estatais.
O Estatuto das Estatais, procurando aperfeiçoar a boa governança dos entes ali disciplinados, seguindo orientação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as chamadas OECD Guidelines on Corporate Governance of State-Owned Enterprises <a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a> estabeleceu uma série de critérios para a investidura no cargo de dirigente ou conselheiro da estatal.
Entre outras, as diretrizes sugerem regras de aperfeiçoamento da governança corporativa dessas empresas, impondo cuidados e impedimentos específicos na indicação do Conselho de Administração e da Diretoria mais rígidos dos que os previstos na legislação societária às companhias em geral.
A administração das sociedades por ações é atribuição do Conselho de Administração e da Diretoria – órgãos de vital importância ao funcionamento da Companhia, juntamente com a Assembleia Geral e o Conselho Fiscal. Enquanto o Conselho de Administração exerce o poder de fixar a política comportamental da companhia, a Diretoria tem atribuições tanto no na condução dos negócios como também é a que assume deveres e obrigações em nome da companhia.
Diante da submissão das empresas estatais ao regime jurídico das empresas privadas, têm-se como imperativo o entendimento de que a escolha dos administradores deverá seguir os ditames da legislação societária, sem descurar das cautelas e normas de governança que o Estatuto Jurídico das Estatais previu especificamente às empresas que são por ele reguladas.
<blockquote class="jota-article__eye">Nesta senda, importa lembrar que, de acordo com a legislação societária, cabe ao controlador deliberar sobre os destinos da companhia, sendo os administradores os responsáveis pela condução das diretrizes por ele fixadas.</blockquote>
Muito a propósito é o que escreve Mario Engler em sua tese de doutoramento apresentada à Universidade de São Paulo em 2009<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>: “A relevância do conselho de administração e sua representação diversificada não significam o esvaziamento do papel do Estado como acionista controlador. Ao titular do controle acionário cabe a relevante tarefa de modelar o estatuto social para assegurar a adequada composição e funcionamento dos órgãos de administração, devendo intervir sempre que se fizer necessária a correção de rumos ou quando estiverem em jogo interesses que transcendam o objetivo específico da companhia controlada.”
Por sua vez, acionista controlador é “pessoa, natural, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia”, nos estritos termos que dispõe o artigo 116 da Lei 6.604/76.
Depreende-se da simples leitura da norma, que o poder exercido pelo acionista controlador vai além da maioria de ações votantes, uma vez que em decorrência delas, este também deverá exercer comando sobre a sociedade anônima.
A segurança do controlador funda-se no princípio majoritário, segundo o qual, na democracia acionária, a conformação da vontade política se dá pela simples maioria esposada em assembleia geral<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>. Deste modo, esta regra traz ao controlador-majoritário um domínio quase absoluto sobre a companhia<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a>.
Fábio Ulhoa Coelho ensina<a href="#_edn5" name="_ednref5">[v]</a>: “O acionista que controla a sociedade anônima usufrui de uma condição privilegiada relativamente aos demais. Como titular da maioria dos votos manifestados em assembleia geral, ele escolhe os administradores, fixa a remuneração destes, altera o estatuto em muita parte, aprova operações de capitalização e securitização e outras, delibera a destinação livre do resultado”.
<blockquote class="jota-article__eye">Ou seja, é inerente ao exercício do poder de controle, entre outros privilégios, a escolha dos administradores e por meio deles, orientar os destinos da Companhia.</blockquote>
Não é por outro motivo que, a fim de evitar que o acionista controlador sempre indique a totalidade do Conselho de Administração, a Lei das Sociedades por Ações criou alguns mecanismos visando facilitar a eleição de parte de seus membros por acionistas minoritários.
Como exemplo, tem-se a indicação de representante dos empregados e a existência de mecanismos que possibilita aos minoritários a eleição de representantes. Ademais, cuidou a lei de prever a responsabilização do controlador em casos de abuso do poder de controle (art. 117 da Lei nº 6.404, de 1976).
No âmbito das empresas estatais, o poder de controle é exercido pelo instituto da supervisão ministerial. A respeito do tema, traz-se, mais uma vez, a contribuição de Mario Engler na obra supracitada, à página 113: 
“A supervisão ministerial representa o modelo clássico de controle governamental incidente sobre as empresas estatais. Nesse contexto, cabe à autoridade ministerial situada no plano externo à companhia definir as prioridades, sem interferir demasiadamente na administração quotidiana. Essa competência pode ser exercida através de canais institucionais ou de contatos informais. [...] Todavia, o efeito vinculante das diretivas em relação aos gestores sociais pressupõe sua incorporação no estatuto social – se tiverem caráter permanente – ou que sejam pelo menos aprovadas pela assembleia geral de acionistas – no caso de vigência mais efêmera. Além disso, a tutela ministerial pode abranger a necessidade de prévia aprovação superior para a companhia realizar determinadas operações societárias e financeiras de maior envergadura. [...] o ministro vale-se do poder de indicação e destituição dos administradores, para se transformar em interlocutor qualificado perante eles e, dentro de determinados limites, impor informalmente sua vontade como representante legítimo do interesse público”.
Em meados do ano de 2020, o Ministério da Economia, divulgou o Estatuto Modelo da Empresas Estatais, sendo que até o momento da conclusão do presente artigo, cerca de 95% das estatais brasileiras já o adotaram.
A elaboração do documento contou com a participação de órgãos governamentais como: da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão também responsável pela realização das Assembleias-Gerais Extraordinárias de alteração estatutária, da Controladoria-Geral da União (CGU),  da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), da Secretaria de Governança das Estatais (SEST), órgão da Secretaria Secretário Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercado (SEDDM), e da Controladoria e Corregedoria  do Ministério da Economia.
O documento também recebeu contribuições do setor privado, com a participação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec).
Importa destacar, entre outros aspectos, o tratamento adequado às hipóteses configuradoras de conflitos de interesses dos administradores; maior transparência na execução do interesse público que justificou a criação da estatal, aprimoramento do processo de seleção de administradores, com a previsão de criação de política de indicação e plano de sucessão.
O novo estatuto-modelo também aumenta o poder do Conselho de Administração para, dentre outras medidas, avaliar, a cada quatro anos, a adequada correlação entre o direcionamento conferido às atividades da estatal e o seu objeto social, configurados no planejamento estratégico; e procura reforçar o sistema de conformidade e gerenciamento de risco e ampliação das competências do Comitê de Elegibilidade da companhia, como forma de melhor assessorar o Conselho de Administração na governança da estatal.
Outra inovação do estatuto-modelo é a recomendação para que membros da Diretoria Executiva não componham o Conselho de Administração, na esteira das melhores práticas de governança.
Destaca-se, ainda, a inclusão de competência para que o Conselho de Administração avalie, a cada quatro anos, o alinhamento estratégico das participações da companhia em empresas investidas ao seu objeto social.
No novo modelo, há ainda a previsão de inclusão de competências específicas para o presidente do Conselho de Administração, com o objetivo de que atue como principal interlocutor entre o ministério supervisor da empresa e os demais representantes do acionista controlador.
Estendeu-se ainda, a todas as estatais, a obrigatoriedade de criação do Comitê de Pessoas, Elegibilidade e Sucessão, que auxiliará o Conselho no acompanhamento dos planos sucessórios dos administradores.
Como se depreende das considerações acima, a indicação de membros do Conselho de Administração e a influência na escolha da Diretoria são basilares na configuração do exercício do poder de controle das empresas estatais por parte do ente público, assim, as regras postas pela Lei nº 13.303, de 2016, regulamentada no âmbito federal pelo Decreto nº 8.495, de 27 de dezembro de 2016, estão no caminho de uma maior efetivação com a adoção do novo Estatuto Modelo, conformando de modo mais efetivo a realidade das empresas estatais brasileiras ao regime jurídico que lhe previu a Constituição Federal, bem como às mais modernas normas de governança empresarial adotadas em nível mundial.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.oecd.org/corporate/guidelines-corporate-governance-soes.htm">https://www.oecd.org/corporate/guidelines-corporate-governance-soes.htm</a>&gt;.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Disponível em: &lt;<a href="http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2132/tde-17112011-111844/pt-br.php">http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2132/tde-17112011-111844/pt-br.php</a>&gt;.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 60 e 61.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> BERLE, Adolf; MEANS, Gardiner. A moderna sociedade anônima e a propriedade privada. Trad. de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 87.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial - Direito da Empresa – v.2. 10a. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pág. 285.

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Estatuto jurídico da empresa pública e as novas regras de governança

Alta direção em empresas estatais

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