Opinião e Análise

Ludmilla Rocha Cunha Ribeiro

A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ana">ANA</a>), em 31 de julho de 2024, assumiu a vice-presidência da Associação Brasileira de Saneamento (Abrasan). A associação criada pela ANA é uma entidade privada, cujo objetivo é reunir reguladores e empresas reguladas, estreitando seus laços visando desenvolver soluções conjuntas e integradas. <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
O <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/saneamento">saneamento</a> no Brasil enfrenta desafios de infraestrutura e regulação e a associação teria o condão de criar oportunidades de proximidade de diferentes atores do setor e resolver conflitos antes da elaboração de normas. Segundo a ANA, a junção entre prestadores e reguladores é essencial para observar diferentes perspectivas e minimizar impactos negativos das normas.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
A Abrasan é formada por <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/agencias-reguladoras">agências reguladoras</a>, pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e pelo Consórcio Cisam-Sul, que reune empresas municipais e diversos escritórios de advocacia. A ANA esclarece que, embora a associação inclua prestadores e reguladores, sua diretoria é composta exclusivamente por reguladores para evitar conflitos de interesse.
A presença de advogados e lobistas que atuam para concessionárias, juntamente com os órgãos que eventualmente punem essas empresas por infrações, levanta preocupações sobre a imparcialidade e a eficácia da regulação.
A <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm">Lei 11.445/2007</a> estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico além de definir as responsabilidades dos entes reguladores e dos prestadores de serviços. Segundo a lei, a regulação deve ser exercida de forma independente e imparcial, garantindo a transparência e a eficiência dos serviços prestados.
A participação conjunta de reguladores e regulados em uma mesma associação pode levantar questões sobre a imparcialidade e a eficácia da regulação, uma vez que pode haver conflitos de interesse.
A ANA foi criada pela Lei 9.984/2000, que define suas competências e diretrizes. De acordo com a lei, a ANA tem como objetivos a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, a regulação do uso das águas e a promoção da gestão integrada dos recursos hídricos.
A lei também destaca a importância da independência e da imparcialidade da agência na execução de suas funções regulatórias, instituindo normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico. Ainda estabelece que a ANA deve atuar com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
Dentre as inúmeras competências da ANA estão supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do cumprimento da legislação federal pertinente aos recursos hídricos, disciplinar, em caráter normativo, a implementação, a operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, outorgar o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União e fiscalizar os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União.
Também são competências da agência elaborar estudos técnicos para subsidiar a definição dos valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos, estimular e apoiar a criação de Comitês de Bacia Hidrográfica, implementar a cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União, arrecadar, distribuir e aplicar receitas auferidas pela cobrança pelo uso de recursos hídricos, promover a coordenação das atividades desenvolvidas no âmbito da rede hidrometeorológica nacional,  organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos e regular e fiscalizar a prestação dos serviços públicos de irrigação e adução de água bruta.
Diante das inúmeras e relevantes competências atribuídas à ANA, sua participação na Abrasan, mesmo que justificada como uma tentativa de promover a gestão integrada e a colaboração entre diferentes atores do setor de saneamento, se mostra praticamente incompatível com a necessidade de se manter a independência e a imparcialidade necessárias para um órgão regulador.
A <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13848.htm">Lei 13.848/2019</a> dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras, incluindo a ANA. Esta lei reforça a necessidade de autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira das agências reguladoras, além de estabelecer diretrizes para a transparência e a participação social nos processos decisórios.
A natureza especial das agências reguladoras exige a ausência de tutela ou subordinação hierárquica, a autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira. A lei também estabelece que as agências reguladoras devem adotar práticas de gestão de riscos e de controle interno, além de elaborar e divulgar programas de integridade para prevenir, detectar, punir e remediar fraudes e atos de corrupção.
A legislação determina que as agências reguladoras observem a devida adequação entre meios e fins em suas atividades, vedando a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior à necessária para atender ao interesse público. Sustenta, ainda, que a adoção de atos normativos de interesse geral deve ser precedida de Análise de Impacto Regulatório (AIR) e de consultas públicas, garantindo a transparência e a participação social.
Consultada sobre a questão, a ANA afirmou que não regula diretamente os reguladores infranacionais nem os prestadores de serviço. A agência definiria apenas normas de referência para as entidades reguladoras infranacionais de saneamento básico.
A ANA defende que a Abrasan tem o potencial de resolver conflitos históricos no setor antes da publicação das normas, minimizando ou mitigando impactos negativos. Demetrius Gonzalez, presidente da Abrasan, argumenta que a associação oferece uma solução prática para os problemas do setor. Segundo ele, a ANA viu na Abrasan "uma ótima solução" para discutir e resolver questões de saneamento de forma conjunta, evitando que problemas sejam levados posteriormente aos senadores e deputados. Gonzalez destaca a importância de uma discussão única e integrada para levar adiante soluções eficazes.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
A criação da Abrasan, ainda que possa representar uma tentativa inovadora de abordar os desafios do setor de saneamento no Brasil, levanta questões importantes sobre conflitos de interesse.
Ao que parece há uma incompatibilidade técnica entre os objetivos da ANA, conforme estabelecidos pelas leis 9.984/2000 e 13.848/2019 e a participação na Abrasan.
A transparência nas ações da Abrasan e a clara demarcação de responsabilidades entre reguladores e regulados serão fundamentais para garantir a legalidade dessa iniciativa. A discussão e a resolução de problemas no setor de saneamento, passa pela atuação dos diversos stakeholders envolvidos; no entanto é primordial a adesão estrita aos princípios de uma regulação independente.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> NOVA associação de saneamento reúne empresas e reguladores. Folha de S.Paulo, São Paulo, 24 jul. 2024. Painel S.A. Disponível em: &lt;https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelsa/2024/07/nova-associacao-de-saneamento-reune-empresas-e-reguladores.shtml&gt;. Acesso em: 15 ago. 2024.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Idem.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> NOVA associação de saneamento reúne empresas e reguladores. Folha de S.Paulo, São Paulo, 24 jul. 2024. Painel S.A. Disponível em: &lt;https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelsa/2024/07/nova-associacao-de-saneamento-reune-empresas-e-reguladores.shtml&gt;. Acesso em: 15 ago. 2024.

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Conflito de interesses ou solução inovadora para o saneamento?

A participação da ANA na Abrasan

Presença da ANA na Associação Brasileira de Saneamento seria um conflito de interesses ou uma solução inovadora para o saneamento?