Opinião e Análise

Thaís Amoroso Paschoal

Ana Carolina A. Caputo Bastos

Ana Karenina Silva Ramalho Andrade

Leticia Zuccolo Paschoal da Costa Daniel

São vários os artigos e estudos já publicados sobre a Emenda Constitucional (EC) nº 125/22, a despeito de ser recentíssima, publicada no dia 14 de julho do presente ano. A razão é muito simples. A proposta legislativa tramitava há uma década no Congresso Nacional e contou com o apoio de ministros do próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive na interlocução com os parlamentares. Isso fez com que passasse a ser, em alguma medida, de todos conhecida. 
Trata-se de EC com finalidade pontual: introduzir no ordenamento brasileiro a necessidade de demonstração da relevância da questão federal – também chamada infraconstitucional – no recurso especial. A demonstração da relevância no STJ era tema debatido há muito pelos operadores do direito, diante do sempre elevado volume de processos que atingem os Tribunais Superiores e para criação de filtro similar ao da repercussão geral, que é exigido para processamento de recursos extraordinários no<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf"> Supremo Tribunal Federal</a> (STF).  
A EC reconhece expressamente algumas hipóteses como relevantes[1]: as ações penais, as de improbidade administrativa, as que possam gerar inelegibilidade, casos em que o acórdão recorrido contrarie jurisprudência dominante do STJ e as ações cujo valor da causa ultrapasse 500 salários mínimos. Muito embora o novo filtro abra espaço para inúmeras questões controversas (como por exemplo a ausência de inclusão dos recursos oriundos de ações coletivas, de modo geral, como casos de relevância presumida), o objeto de análise deste artigo é essa última hipótese: a relevância vinculada ao valor da causa.  
Em suma, o constituinte optou por superar o filtro automaticamente e permitir que o STJ julgue recursos especiais oriundos de causas de valor – em números de 2022 – superior a R$ 600 mil [2]. A previsão, contudo, não encontra paralelo com a repercussão geral no STF e, apenas por isso, gera certo embaraço, já que aponta inconsistência no ordenamento pátrio. Afinal, nem sempre a relevância da questão estará vinculada ao valor da causa. Se, de um lado, há casos de valores insignificantes que apresentam extrema relevância, de outro sabe-se que nem sempre o valor elevado da causa justifica o exame da questão pelo STJ.  
Seja como for, fato é que a previsão não leva à conclusão de que recursos especiais oriundos de causas de valor inferior ao previsto constitucionalmente deixarão de ser conhecidos pelo STJ. Tal como previsto, o filtro do valor econômico não é excludente do reconhecimento da relevância por outras questões. Assim, ainda que o valor da causa seja de cem ou mil reais, se a matéria de fundo for considerada relevante pelo STJ, o recurso especial poderá ser processado. E nem poderia ser diferente. Afinal, não seria razoável criar um filtro que, simplesmente, transformasse o STJ em um Tribunal que só é acessado pela elite econômica do país. Qualquer indicação neste sentido violaria inúmeras garantias constitucionais, a começar pelo acesso à justiça, que abrange, indubitavelmente, o acesso às Cortes Superiores.  
Então qual seria a justificativa para criar um filtro de relevância relacionado ao montante discutido em juízo? A relevância econômica? Seria uma desconfiança do legislador constituinte com a possibilidade de desvios éticos no julgamento de causas de maior expressão econômica nas instâncias ordinárias? Ou uma simples presunção (facilmente questionável) de que as ações com altas quantias envolvidas seriam naturalmente mais importantes do ponto de vista da prestação jurisdicional? E, nesses casos, qual valor seria necessário atribuir-se à causa para que seja considerada relevante? Bastariam os 500 salários mínimos? 
A questão não parece ter sido objeto de grandes debates antes da aprovação da EC e, o que seria essencial, da produção de dados que evidenciassem, por exemplo, a quantidade de Recursos Especiais que chegam ao STJ com valor da causa superior a 500 salários-mínimos ou, ao mesmo tempo, quantos desses recursos apresentam questão realmente relevante. Como muitas das alterações legislativas que ocorrem no país, também esta não parece ter sido precedida de pesquisa empírica que pudesse evidenciar sua necessidade e justificar a escolha pelas hipóteses em que o filtro será automaticamente superado.  
A mera relevância econômica não está sistematicamente justificada. Não há um recorte no Brasil para que causas e recursos sejam julgados por este ou aquele Tribunal apenas e tão somente em razão de seu valor. Tomem-se os Juizados Especiais como exemplo. Ainda que de baixo valor econômico, se a causa for complexa – demandando produção probatória pericial, por exemplo – não poderá ser processada pelo rito dos Juizados. E, mais especificamente, não existe filtro similar na repercussão geral, que é o paralelo claro da relevância da questão infraconstitucional para os recursos extraordinários e matérias constitucionais levadas ao STF. 
Mesmo a desconfiança ética não é justificativa razoável para criação do filtro. Afinal, o jurisdicionado teria meio hábil para combatê-la previsto no Código de Processo Civil (CPC). Cabe ação rescisória, nos termos do artigo 966, I, quando se verificar que a decisão de mérito foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz. Não poderia o legislador constituinte pretender, pela criação de filtro de relevância de valor baixo, manter o STJ em uma indevida função de fiscal dessas indesejáveis situações.  
Mesmo que, de fato, não pareça justificada a opção legislativa, por qualquer uma das duas razões – da relevância econômica ou de desconfiança ética com os tribunais ordinários – o número adotado pelo legislador de 500 salários mínimos parece muito baixo e, se adotado individualmente, poderia invalidar a opção adotada pela EC.  
Sendo assim, seja por não haver justificativa para a opção legislativa, seja pela possibilidade de o filtro criado tornar-se inefetivo – ao menos quanto ao número de casos que chegam ao STJ – a relevância pelo valor da causa não parece razoável.  
Deve-se considerar, ainda, que a atribuição de determinada quantia à causa traz outras consequências jurídicas aos litigantes. Muito além de ser apenas um novo critério para o processamento dos recursos especiais, ela serve como parâmetro, por exemplo, para a fixação de multas (artigo 77, §§2º e 5º, e artigo 81, caput e §2º do CPC) e de honorários sucumbenciais (artigo 85, §§5º e 8º do CPC). 
Assim, quanto maior o valor da causa, maior também será a multa por eventual ato atentatório à dignidade da justiça ou litigância de má-fé. Na mesma linha, uma estimativa mais alta quanto ao montante que está sendo discutido fará com que o juiz deixe de fixar o valor dos honorários por apreciação equitativa. Isso pode estar passando despercebido por alguns juristas e precisa ser avaliado com o devido cuidado, sobretudo pelos litigantes habituais. 
De todo modo, estando presente no ordenamento, a relevância econômica deverá ser levada em consideração pelo operador do direito. Certamente, quem litiga passará a refletir ainda mais sobre o valor da causa a ser proposta, considerando a possibilidade de se atingir ou não o filtro de acesso ao STJ.  
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[1] Apesar de parcela da doutrina reconhecer a necessidade de regulamentação legal para exigência do requisito de admissibilidade inaugurado pela EC n. 125, já é possível localizar decisões no STJ analisando a questão. Cita-se, como exemplo, o AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2095488 – MS. 
[2] Hoje, o salário mínimo é R$ 1.212,00 (mil duzentos e doze reais).

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JOTA

Reflexões sobre a exigência de relevância da questão infraconstitucional 

A importância do valor da causa também para o acesso ao STJ

STJ: quanto maior o valor da causa, maior também será a multa por eventual ato atentatório à dignidade da justiça ou litigância de má-fé