Opinião e Análise

Gabriela Gonçalves Teixeira

Em 1º de janeiro de 2021, entrará em vigor a Resolução nº 670/2020 do Conselho da Justiça Federal, que, finalmente, regulamentará o pagamento da parcela superpreferencial na esfera federal, garantido pela Constituição, há mais de 10 anos, mas ainda não usufruído pelos beneficiários de precatórios alimentares<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
O precatório é ato administrativo, por meio do qual o Poder Judiciário comunica ao Poder Executivo a existência de dívida do Poder Público decorrente de decisão judicial, para que a despesa correspondente seja incluída no orçamento do ano seguinte<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
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Como o Executivo deve apresentar o projeto de Lei Orçamentária Anual até 31 de agosto do ano anterior ao da sua vigência, o Judiciário deve comunicá-lo até 1º de julho desse mesmo ano sobre os precatórios, cujos pagamentos devam ocorrer até 31 de dezembro do ano seguinte, isto é, do ano de vigência da referida lei orçamentária, em respeito ao que determina o próprio art. 100, § 5º, da Constituição<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Essa regra tem sido descumprida pelos estados e municípios, mas não pela União, que está em dia com o pagamento dos precatórios federais no ano seguinte ao da inclusão em orçamento.
Embora esse pagamento se dê em conformidade com a regra constitucional, os beneficiários de precatórios federais esperam longas décadas até o efetivo recebimento do valor devido.
Com o escopo de reduzir o prazo para o recebimento dos valores devidos, a Emenda Constitucional n. 62/2009 alterou o art. 100 da Constituição que, em seu § 2º, passou a admitir o fracionamento do precatório alimentar, para fins de preferência no pagamento, até o limite equivalente ao triplo do montante da requisição de pequeno valor (RPV)<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Por outro lado, segundo essa alteração constitucional, o restante do valor deveria ser pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.
Naquela época, os favorecidos por essa alteração seriam os maiores de 60 anos, na data da expedição do precatório, e os portadores de doença grave, assim definida em lei.
Por exemplo, os beneficiários de precatórios alimentares federais idosos e doentes graves deveriam receber o valor correspondente até 180 salários mínimos (parcela superpreferencial) antecipadamente, ou seja, antes do exercício financeiro seguinte ao da inclusão do precatório em orçamento.
Apesar da determinação constitucional, a ausência de regulamentação impediu a operacionalização da preferência, de modo que parcela significativa dos beneficiários de precatórios federais alimentares não puderam usufruir de seu direito.
Passados sete anos, a Emenda Constitucional nº 94/2016 deu nova redação ao § 2º e ampliou a sua abrangência subjetiva, ao garantir a parcela superpreferencial (i) aos maiores de 60 anos, (ii) aos portadores de doença grave, (iii) aos portadores de deficiência e (iv) aos sucessores do beneficiário falecido que fizesse jus à superpreferência.
Ampliou também a abrangência temporal, pois retirou da redação dada pela EC nº 62/2009 a expressão “na data de expedição do precatório” e garantiu a superpreferência àqueles que alcançassem 60 anos após a expedição e antes do pagamento do precatório, em conformidade com o entendimento do Supremo Tribunal Federal<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Em que pese a clareza das disposições constitucionais e do entendimento do próprio STF, em outubro de 2017, por meio do art. 17 da Resolução nº 458, o Conselho da Justiça Federal estabeleceu que a citada preferência não representaria ordem de pagamento imediato, o que impediu a concretização do direito à parcela superpreferencial.
Dois anos após, ao regulamentar a matéria, o Conselho Nacional de Justiça determinou que o pagamento da parcela superpreferencial deveria ser realizado antes de quaisquer outros e no mesmo prazo das requisições de pequeno valor, conforme art. 9º da Resolução nº 303/2019.
<blockquote class="jota-article__eye">Como se vê, o Conselho da Justiça Federal e o Conselho Nacional de Justiça regulamentaram o pagamento da parcela superpreferencial de forma distinta.</blockquote>
Em tese, essa antinomia não deveria causar prejuízo à concretização do pagamento da parcela em estudo, pois, além de a Resolução nº 303 do CNJ ser posterior à Resolução nº 458 do CJF, cabe a este zelar pelo cumprimento das decisões daquele, no âmbito da Justiça Federal, nos termos do art. 5º, XII, da Lei nº 11.798/2008. Com efeito, o poder regulamentar do CJF deve respeitar as balizas definidas nas resoluções do CNJ.
Porém, a ausência de regulamentação sobre crédito superpreferencial pelo CJF compatível com as determinações do art. 100, § 2º, da Constituição, bem como com a interpretação dada pela Suprema Corte e pelo CNJ à questão, tem impedido a expedição de requisições de pagamento com a possibilidade de quitação antecipada parcial ou total de precatórios alimentares no valor de até três RPVs na esfera federal.
Para sanar o aparente conflito, em 10 de novembro de 2020, o CJF expediu a Resolução nº 670, que alterou a Resolução nº 458/2017 e regulamentou a expedição da parcela superpreferencial na esfera federal, em expressa conformidade com a Resolução 303 do CNJ.
Procedimento para a expedição de precatórios com parcela superpreferencial
À semelhança das disposições da Resolução nº 303/CNJ, a Resolução nº 670/CJF estabeleceu o procedimento para a expedição do crédito superpreferencial.
Primeiramente, deve ser juntado aos autos do processo o pedido de crédito superpreferencial e as provas dos requisitos que justifiquem a preferência, como idade, moléstia grave, deficiência ou quaisquer dessas condições do beneficiário falecido, na hipótese de sucessão hereditária.
Após ouvida a parte devedora, em cinco dias, o juízo poderá deferir o pedido e ordenar a expedição de Requisição de Pagamento Superpreferencial Orçamentária, de modo que conste no ofício requisitório, em campo próprio, a informação sobre o deferimento da respectiva parcela. Uma vez expedida, a requisição é enviada ao Tribunal.
Caso o valor total seja inferior ou igual a 180 salários mínimos, a requisição será integralmente autuada como requisição superpreferencial.
Por outro lado, caso o valor total seja superior a 180 salários mínimos, haverá dois processos distintos no Tribunal, quais sejam, um referente ao crédito superpreferencial – cujo pagamento será realizado em 60 dias da apresentação da Requisição de Superpreferencial Orçamentária – e outro referente ao valor restante – cuja quitação se dará na ordem cronológica do regime de precatórios, isto é, até o final do exercício financeiro seguinte ao da inscrição em orçamento.
O pedido de pagamento antecipado poderá ser realizado somente uma vez, para o mesmo precatório<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
De outro lado, para o mesmo credor, titular de precatórios diferentes, é possível a aplicação da sistemática da superpreferência, no mesmo exercício orçamentário<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Ademais, é possível a retificação de precatório já expedido e autuado pelo tribunal, nas hipóteses de expedição de requisição de pagamento sem o prévio deferimento da superpreferência e/ou de aquisição da condição de credor superpreferencial após o envio da requisição ao tribunal.
Sequestro de valores, caso não seja atendida a superpreferência
O artigo 15 da Resolução nº 670/2020 permite ao juiz, independentemente de pedido das partes, ordenar o sequestro de valor suficiente ao cumprimento da decisão de pagamento antecipado do precatório, caso a requisição superpreferencial seja desatendida.
Esse artigo garante aos beneficiários da superpreferência o recebimento efetivo do numerário que lhes é devido, antes do final do exercício financeiro seguinte ao da inscrição orçamentária dos precatórios.
Os precatórios referentes aos honorários advocatícios contratuais e sucumbenciais também podem ser pagos antecipadamente
Ao regulamentar o crédito superpreferencial, o Conselho da Justiça Federal garantiu expressamente aos advogados, titulares de honorários sucumbenciais e contratuais, a qualidade de beneficiários, para os fins previstos na Resolução nº 670/2020.
Tribunais devem estar tecnologicamente preparados para a expedição de requisições de pagamento com o crédito superpreferencial até 2 de janeiro de 2021
Com a vigência da Resolução nº 670/2020, a expectativa é a de que em 2021 sejam expedidos créditos superpreferenciais de forma orgânica e padronizada no âmbito da Justiça Federal, especialmente porque a Resolução nº 303/CNJ concedeu aos tribunais pátrios o prazo de um ano, a contar de sua publicação (1º de janeiro de 2020), para a implementação de soluções tecnológicas referentes à expedição da parcela superpreferencial.
Benefício para o grupo mais vulnerável à infecção por Covid-19
A regulamentação da parcela superpreferencial pelo CJF beneficiará os grupos mais vulneráveis à Covid-19 – idosos, portadores de doença grave e portadores de deficiência –, pois permitirá o pagamento de precatórios em 60 dias após a expedição da requisição de pagamento.
Por exemplo, precatórios expedidos a partir de 1º de janeiro de 2021 poderão ser pagos nesse mesmo ano, até o limite de 180 salários mínimos. Sem a parcela superpreferencial, esses seriam pagos somente a partir de 1º de janeiro de 2022, se expedidos até 1º de julho de 2021; e a partir de 1º de janeiro de 2023, se expedidos após 1º de julho de 2021.
Para os precatórios expedidos após 1º de julho de 2020, sem a indicação de pagamento de parcela superpreferencial, há a possibilidade de expedição de nova requisição de pagamento com a indicação do pagamento antecipado e a retificação do valor do precatório, antes de seu depósito, pelo presidente do tribunal.
Ante as dificuldades enfrentadas para as expedições de precatórios durante o ano de 2020, em decorrência da pandemia, o pagamento antecipado em 2021 é imprescindível, notadamente porque favorece o grupo com maior vulnerabilidade à Covid-19.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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Referências bibliográficas 
Agra, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. Belo Horizonte: Forúm, 2018);
Leite, Harisson. Manual de Direito Financeiro. 7ed. rev. ampl. atual. – Salvador: JusPODIVM, 2018;
Superior Tribunal de Justiça. RMS 57.569/RO, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/05/2020, DJe 05/06/2020. Acesso em 26 de dezembro de 2020, disponível em “Superior Tribunal de Justiça”: &lt;<a href="https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp">https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp</a>&gt;.
Supremo Tribunal Federal. <a href="http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=5067184">ADI 4.425</a>, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, j. 14-3-2013, P, DJE de 19-12-2013. Acesso em 26 de dezembro de 2020, disponível em “Constituição e o Supremo”: &lt;<a href="http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp#1007">http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp#1007</a>&gt;.
Supremo Tribunal Federal. <a style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=14221174">RE 964.577 AgR</a>, voto do rel. min. Luiz Fux, j. 11-12-2017, 1ª T, DJEde 19-12-2017. Acesso em 26 de dezembro de 2020, disponível em “Constituição e o Supremo”: &lt;<a style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp#1007">http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp#1007</a>&gt;.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “São considerados débitos de natureza alimentícia aqueles [precatórios] decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por invalidez ou por morte, fundadas em responsabilidade civil, em decorrência de sentença judicial transitada em julgado. (...).” (Agra, Walber de Moura. 2018).
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Leite, Harisson. 2018.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> “Ocorre que, tendo em vista a dificuldade que os entes públicos têm de honrar os pagamentos de suas dívidas (...), o regime ordinário de precatórios foi suspenso por diversas emendas constitucionais.
A maior alteração se deu em 2009, com a EC nº 62/2009 que, por trazer mais uma prorrogação de pagamento, (...) foi afastada pelo STF (...).
Mais recente, em 2016, (...) o Congresso Nacional aprovou a EC nº 94/2016, que instituiu novo regime especial, ao permitir o pagamento das dívidas com precatórios ser parcelado até 2020.
E agora, em 2017, nova alteração ocorreu com o regime, por força da EC nº 99/2017. O Congresso Nacional concedeu o prazo de até 31.12.2024 para a quitação dos precatórios vencidos e os que vencerem dentro desse período (...)”. (Leite, Harisson. 2018).
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Na esfera federal, o valor da RPV equivale a 60 salários mínimos, conforme artigo 17 da Lei nº 10.259/2001.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> O pagamento prioritário, até certo limite, de precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave promove, com razoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), situando-se dentro da margem de conformação do legislador constituinte para operacionalização da novel preferência subjetiva criada pela EC 62/2009. A expressão "na data de expedição do precatório", contida no art. 100, § 2º, da CF, com redação dada pela EC 62/2009, enquanto baliza temporal para a aplicação da preferência no pagamento de idosos, ultraja a isonomia (CF, art. 5º, caput) entre os cidadãos credores da Fazenda Pública, na medida em que discrimina, sem qualquer fundamento, aqueles que venham a alcançar a idade de sessenta anos não na data da expedição do precatório, mas sim posteriormente, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento. (Supremo Tribunal Federal. <a href="http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=5067184">ADI 4.425</a>, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, j. 14-3-2013, P, DJE de 19-12-2013. Acesso em 26 de dezembro de 2020, disponível em Constituição e o Supremo: &lt;<a href="http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp#1007">http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp#1007</a>&gt;).
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Superior Tribunal de Justiça. RMS 57.569/RO, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/05/2020, DJe 05/06/2020. Acesso em 26 de dezembro de 2020, disponível em Superior Tribunal de Justiça: &lt;https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp&gt;.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> (...) não contraria o disposto no art. 100, § 2º, da Constituição o pagamento de mais de um precatório dentro da sistemática da "superpreferência" estabelecida no referido dispositivo, a um só credor e no mesmo exercício orçamentário (...). (Supremo Tribunal Federal. <a href="http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=14221174">RE 964.577 AgR</a>, voto do rel. min. Luiz Fux, j. 11-12-2017, 1ª T, DJE de 19-12-2017. Acesso em 26 de dezembro de 2020, disponível em Constituição e o Supremo: &lt;<a href="http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp#1007">http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp#1007</a>&gt;).

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JOTA

Vem ai a Resolução 670/20 do Conselho da Justiça Federal, que regulamenta o pagamento da parcela superpreferencial

2021 traz esperança para os beneficiários de precatórios: superpreferência

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