Opinião e Análise

Júlio Camargo de Azevedo

A presente série de artigos nutriu o escopo de debater a temática da vulnerabilidade econômica no processo à luz do enfoque metodológico do acesso à justiça.
Mais do que isso, buscou chamar a atenção para a importância do julgamento do Tema Repetitivo 1.178 afetado perante a Corte Especial do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">STJ</a>, especialmente às camadas mais necessitadas da população.
No primeiro texto, firmou-se a premissa de que o custo do acesso à justiça pode envolver custos econômicos (custas judiciárias, processuais e extraprocessuais), assim como custos não econômicos (custos psicossociais e custos políticos do não acesso) geralmente invisíveis ao processo.
Já o segundo texto tratou do direito à gratuidade, procurando demonstrar sua evolução histórica na legislação brasileira, além da atual regulamentação contida no Código de Processo Civil.
A seu turno, o terceiro texto se ocupou de evidenciar a experiência das Defensorias Públicas na fixação de critérios objetivos para a análise da situação de hipossuficiência econômica e atendimento da população.
Neste quarto e último texto, tem-se por objetivo elucidar algumas propostas interpretativas que talvez possam auxiliar o Tribunal da Cidadania a analisar adequadamente as disposições contidas nos artigos 98 e 99, § 2º, do <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm">CPC</a>. 
A ideia é procurar equilibrar os vetores arrecadação-gratuidade, sem, todavia, descuidar das necessidades econômicas da população vulnerável. 
Conforme exposto anteriormente, a exegese da legislação processual em vigor é clara em relação ao regime instituído à gratuidade: o benefício é concedido com base na afirmação de hipossuficiência da pessoa natural, submetendo-se à presunção juris tantum de veracidade (art. 99, § 3º).
E a adoção da corrente presumicionista possui uma razão de ser. Trata-se de medida histórica de facilitação do acesso à justiça em favor dos litigantes necessitados e de tendência de desburocratização do processo de avaliação e concessão dos pedidos de gratuidade deduzidos perante o Poder Judiciário. 
Ademais, o sistema processual brasileiro já prevê instrumentos de controle suficientes à correção dos abusos cometidos por litigantes relacionados à gratuidade de custas, seja pela via judicial (controle pelo magistrado a partir de elementos nos autos), seja pela via adversarial (interesse econômico da parte adversa nas verbas de sucumbência).
Deve-se ainda levar em consideração que inexistem dados empíricos em nosso país a apontar que os cidadãos brasileiros façam mal uso do benefício da gratuidade de custas, tampouco que as pessoas naturais sejam responsáveis pelo alto volume de processos ou pela baixa arrecadação de taxas no Poder Judiciário. 
Nesse sentido, se as pessoas naturais não são a causa do problema arrecadatório, não devem sofrer as consequências restritivas de eventual interpretação legislativa.
Doravante, no que toca à eleição de critérios objetivos para a aferição da hipossuficiência econômica, é cediço que o tema atrai uma imensa gama de dificuldades, seja em função das diferentes realidades regionais em um país continental, seja em função do possível entrecruzamento de vulnerabilidades econômicas, sociais e culturais na sociedade brasileira.
A experiência do serviço prestado pela própria Defensoria Pública evidencia que o critério econômico é insuficiente para lidar com todas essas necessidades sociais e vicissitudes regionais, obrigando as instituições de todo o país a observar outros aspectos de vulnerabilidade como parâmetro de elegibilidade à prestação do serviço de assistência jurídica integral e gratuita.
A adoção de critérios objetivos estanques poderia conduzir não apenas ao fechamento das portas do Poder Judiciário a quem mais precisa, como fazer proliferar decisões judiciais a respeito da concessão do benefício, causando maior insegurança jurídica, quebra da isonomia ou, ainda pior, aumento do número de recursos relacionados ao indeferimento do benefício.
É por isso que, na tentativa de equilibrar os vetores arrecadação-gratuidade, sugere-se como interpretação para as disposições contidas nos artigos 98 e 99, § 2º, uma análise conjugada aos artigos 185 e 186, § 3º, todos do Código de Processo Civil.
Assim, ter-se-ia que:
<blockquote class="jota-article__citation">i) a pessoa natural, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, tem o direito à gratuidade da justiça (art. 98);</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">ii) a alegação de insuficiência de recursos é presumida verdadeira com base na afirmação do postulante (arts. 5º e 99, §3º);</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">iii) havendo elementos que evidenciem a falta de pressupostos legais para a concessão de gratuidade, o juiz poderá determinar a vinda de informações pertinentes e, deixando a parte de fazê-lo, poderá, de ofício ou a requerimento, requisitar a vinda de dados ou informações constantes dos sistemas informatizados;</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation">iv) observados os prazos preclusivos, pode a parte adversa impugnar o pedido de gratuidade;</blockquote>
v) há presunção de insuficiência de recursos em relação às partes que já tenham sua vulnerabilidade econômica reconhecida pela Defensoria Pública, pelos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e pelas entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública.
vi) verificando que a parte postulou o benefício quando manifestamente incabível ou tendo omitido dados ou informações relevantes, o juiz condenará o postulante ao pagamento de multa de até dez vezes o valor das custas processuais, sem prejuízo do recolhimento de todas as despesas que lhe foi dispensada.
Sugere-se o estabelecimento de uma presunção de insuficiência de recursos em relação às partes que tenham sua vulnerabilidade econômica reconhecida pela Defensoria Pública, pelos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e pelas entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública.
O objetivo aqui é cristalino: aproveitar a atividade de avaliação da vulnerabilidade econômica praticada pelos serviços que prestam a assistência jurídica gratuita à população carente, evitando um retrabalho por parte do Poder Judiciário. 
No caso das Defensorias Públicas, aliás, a avaliação da condição financeira da parte assistida costuma observar critérios objetivos de análise e concessão, o que torna antieconômico e contraproducente o reexame da vulnerabilidade econômica pelo Poder Judiciário.
In casu, dois órgãos públicos estariam sendo chamados a realizar a mesma atividade administrativa de triagem socioeconômica, violando-se, neste aspecto, o princípio da eficiência administrativa (art. 37, CF/88), axioma tão caro, aliás, a análise econômica do Direito Processual Civil.
Não se pode olvidar, ademais, que as partes que procuram pelos serviços jurídicos da Defensoria Pública e dos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito são, em sua imensa maioria, pessoas vulneráveis do ponto de vista econômico, o que revela o acerto da presunção de insuficiência de recursos indicada e a desnecessidade de uma reanálise judiciária, salvo diante de evidências concretas de abuso do direito ao benefício.
Em suma, sob as lentes do acesso à justiça, uma análise das custas da justiça deve sempre vir acompanhada de uma mirada sobre a justiça das custas.

renda; pobreza

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JOTA

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