Opinião e Análise

Thimotie Aragon Heemann

Dando continuidade ao estudo do tema “dosimetria da pena em crimes contra as mulheres” iniciado no último artigo desta coluna; o texto de hoje abordará mais cinco situações específicas, delineadas pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior Tribunal de Justiça</a> (STJ), que especializam o momento de aplicação da reprimenda penal por magistrados e magistradas em crimes contra mulheres e meninas.
No entanto, antes de iniciarmos o estudo de cada um destes cenários, um disclaimer deve ser feito: se você não leu a parte inaugural desta pesquisa aqui na coluna Direito dos Grupos Vulneráveis, recomendo — antes de avançar na leitura do texto de hoje — a leitura do <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/direito-dos-grupos-vulneraveis/dosimetria-da-pena-em-crimes-contra-mulheres-30052022">texto introdutório</a>.
Dito isso, passemos juntos à análise de mais cinco contextos específicos nos quais o STJ parece reconhecer — ainda que não a mencionando de forma expressa — o ethos da perspectiva de gênero durante a aplicação da pena.
<h3>Intensidade da violência praticada pelo agressor</h3>
A intensidade da violência praticada em crimes contra as mulheres, cometidos mediante o emprego de força física (vis absoluta), é critério — de longa data — admitido pelo Superior Tribunal de Justiça como circunstância desfavorável quando da análise da culpabilidade para fins de exasperação da pena base<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
O Tribunal da Cidadania já analisou as mais variadas — e horríveis — situações envolvendo a questão, senão vejamos: caso (i): “a utilização de violência excessiva contra a vítima, que teve deformação facial, precisando passar por diversos procedimentos cirúrgicos”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>; caso (ii): “situação na qual o agressor segurou a vítima pelos cabelos, arrastando-a pelo quintal da residência, fazendo-a bater a cabeça na escada e desmaiando”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>; e caso (iii): “violência praticada mediante socos na vítima”<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Percebam que não existe um conceito de “intensidade” ou “excessiva” violência praticada contra a mulher. Não há um rol pré-determinado de comportamentos nocivos por parte do agressor. Trata-se, portanto, de uma hipótese guarda-chuva, autorizadora da valoração de negativa da culpabilidade do autor a partir de qualquer modus operandi que, a partir das lentes de gênero, possa ser enxergado como ato que resulta da prevalência da força física do homem em relação à mulher.
<h3>Necessidade de hospitalização da vítima</h3>
Infelizmente, não são raros os casos em nosso cotidiano em que meninas e mulheres vítimas de violência de gênero necessitam de hospitalização em razão dos traumas e agressões sofridos. Nessas situações — em que se verifica a necessidade de hospitalização da vítima —, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo ser possível a exasperação da pena-base. Para a referida Corte, “o fato de a vítima haver sido hospitalizada em decorrência do trauma não é ínsito ao tipo penal e deve ser considerado para o aumento da pena base”<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Sobre esse ponto, é oportuno lembrar que, no dia 10 de março de 2020, entrou em vigor a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13931.htm">Lei 13.931/2019</a>, que modificou a Lei 10.778/2003, passando a conferir obrigação ex lege aos órgãos e profissionais de saúde, para que estes realizem notificação obrigatória de todos os casos de suspeita de violência contra mulher à autoridade policial no prazo de 24 horas. Cuida-se de mais uma espécie de lei envolvendo o tema compliance em matéria de violência contra a mulher em nosso país; e, que, quando devidamente observada por autoridades sanitárias, serve inclusive de fonte de conhecimento ao Estado, não apenas dos casos propriamente ditos, mas também de situações que, segundo o Superior Tribunal de Justiça, sempre autorizam a exasperação da pena base.
<h3>Não utilização de preservativo na prática de conjunção carnal não consentida (estupro)</h3>
A violência sexual contra mulheres caracteriza uma das mais graves violações de direitos humanos<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. Não à toa, a Corte IDH, ao julgar o caso Cosme Rosa Genoveva e outros vs. Brasil (caso popularmente conhecido como “Favela Nova Brasília”), alertou que: “o estupro é uma forma paradigmática de violência contra as mulheres com consequências que ultrapassam a pessoa da vítima”<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Sabe-se que desde a reforma legislativa realizada com a promulgação da Lei 12.015/2009, o crime de estupro pode ser praticado contra vítimas de qualquer sexo e gênero. Todavia, quando praticado por homem contra mulher, mediante conjunção carnal não consentida e sem a utilização de preservativo pelo autor, o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo maior grau de reprovabilidade na conduta, apto justificar a elevação da pena-base. Nas palavras do Tribunal da Cidadania: “O fato de o réu submeter a vítima a riscos acidentais, tais como a contaminação por doença venérea ou gravidez, torna, indubitavelmente, mais reprovável a conduta. Isso porque, ainda que os aludidos perigos sejam consequências (eventualmente) próprias da prática de uma relação sexual, deve-se considerar como mais reprovável a conduta do abusador que sujeita a mulher a riscos dessa natureza, que apenas ela, por ser do sexo feminino suportará. Entender o contrário é assumir que as mulheres que sofrem abusos desse tipo são naturalmente obrigadas a correr os riscos de uma relação sexual violenta e não consentida”<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Mais uma vez com acerto, o STJ atua a partir da perspectiva de gênero no momento da dosimetria da pena. Dessa vez, em um dos cenários mais aviltantes da violência contra a mulher: nos crimes sexuais.
<h3>Abalo psicológico ou dores intensas causadas pelo agressor</h3>
Inúmeras são as cicatrizes carregadas por uma mulher vítima de violência. O abalo psicológico e as dores intensas são frequentemente perceptíveis naquelas que sofrem violência de gênero. A violência mediante atos de força física talvez seja a principal forma pela qual os autores de violência doméstica contra a mulher materializam seus atos, não sendo raras as vezes que as vítimas permanecem sentido dores por um longo período.
Por outro lado, o abalo psicológico vem sendo cada vez mais constatado entre as mulheres e meninas vítimas de violência. Não por acaso, nos últimos tempos, o legislador brasileiro passou a conferir maior atenção ao tema, tipificando condutas que causam abalo psicológico às mulheres, como, por exemplo, o delito de perseguição obsessiva (stalking) e o crime de violência psicológica contra a mulher, tipificados nos artigos 147-A e 147-B do Código Penal, respectivamente.
Pois bem, dada a importância de ambas as situações em matéria de violência contra a mulher, o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a exasperação da pena base sempre que a violência praticada resultar em abalo psicológico ou dores intensas à vítima<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>.
Novamente com precisão cirúrgica, o Tribunal da Cidadania trouxe luz a situações sombrias — e corriqueiras — na prática do dia a dia a partir das lentes de gênero.
<h3>Ameaçar a vítima, nas dependências do Fórum de Justiça, momentos antes da audiência</h3>
Por fim — mas não menos importante —, outro comportamento comum por parte dos autores de violência contra a mulher é a tentativa de intimidação da vítima, mediante a realização de ameaças, nos momentos que antecedem as audiências criminais ou cíveis (v.g.: divórcio, partilha de bens, guarda de filhos, etc.). Essa prática configura desvio comportamental apto a ensejar a exasperação da pena-base. O STJ vem entendendo — novamente com acerto — que a referida circunstância justifica a valoração negativa da vetorial personalidade, tornando a conduta de maior reprovabilidade<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Com o texto de hoje, finalizamos a segunda parte desta longa pesquisa. Somado o conteúdo dos dois últimos textos desta coluna (este texto e aquele que o antecedeu), 10 situações que admitem a exasperação da pena-base em crimes contra mulheres foram abordadas, sempre à luz da perspectiva de gênero
Espero que o texto seja útil a todos que atuam e pesquisam na área.
Até a próxima!
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> STJ, AgRg no AREsp 1.441.372, Rel. Min. Rogério Schietti, j. 27/5/2019.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> STJ, AgRg no AREsp 1.881.919/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 21/09/2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> STJ, AgRg no HC n. 435.993/ES, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 11/9/2018.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> STJ, AgRg no AREsp 1.163.345/PA, Rel. Min. Rogério Schietti, j. 26/11/2019.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> STJ, REsp n. 1.726.211/GO, Rel. Min. Rogerio Schietti, j. 22/3/2018.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Corte IDH, Caso do Presídio Miguel Castro Castro, par. 448 a 450; e Caso Velásquez Paiz e outros, par. 147
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Corte IDH, Caso Cosme Rosa Genoveva e outros (Favela Nova Brasília) vs. Brasil, Sentença de 16 de Fevereiro de 2017, parágrafo §247.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a>STJ, REsp n. 1.726.211/GO, Rel. Min. Rogerio Schietti, j. 22/3/2018.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a>STJ, AgRg no AREsp 1.441.372, Rel. Min. Rogério Schietti, j. 27/5/2019.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a>STJ, AgRg no REsp n. 1.918.046/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 13/4/2021

crimes contra mulheres

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Dosimetria da pena em crimes contra mulheres – Parte 2

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