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Será o artigo 78 da Constituição o novo verniz para um futuro golpe de Estado?

Círculos bolsonaristas seguem buscando justificativa na lei para implantar regime autoritário

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Jair Bolsonaro participa de ato com apoiadores na avenida Paulista, em São Paulo / Crédito: Paulo Pinto/Agência Brasil

Circula em meios bolsonaristas o argumento de que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) poderia ter impedido em 2021 a anulação pelo STF das condenações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no âmbito da Operação Lava Jato com base no artigo 78 da Constituição Federal.

O argumento foi empregado pelo general da reserva Paulo Chagas em reportagem veiculada pela rádio CBN neste domingo (26), sobre as revelações presentes na íntegra da delação de Mauro Cid sobre a trama golpista que pretendia manter Bolsonaro no poder após as eleições de 2022, vencidas por Lula.

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O artigo determina que o “... Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”.

Na argumentação de Chagas, que reflete a interpretação presente em grupos de extrema direita, o STF cometeu um ato inconstitucional ao anular os processos que levaram Lula à prisão, pavimentando, assim, o caminho para a candidatura do petista nas últimas eleições presidenciais. Portanto, caberia a Bolsonaro “denunciar” o descumprimento da Carta Magna que ele havia jurado defender em sua posse em 2019.

A interpretação de Chagas e outros partidários do bolsonarismo abre espaço para o chefe de Estado — qualquer que seja o ocupante do cargo — exercer um poder moderador, justamente aquilo que a extrema direita pretendia ao considerar o artigo 142 da Constituição como elemento jurídico que autorizaria uma “intervenção militar”.

O artigo 142 estabelece o seguinte: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Conforme reportagem publicada em 4 de junho de 2020 no site da Câmara dos Deputados, a secretaria da mesa diretora da casa do povo, então presidida por Rodrigo Maia, havia emitido no dia anterior um parecer contra a interpretação de que o 142 criava um moderador militar.

Segundo a reportagem, o parecer estabeleceu que “trata-se de ‘fraude ao texto constitucional’ a interpretação de que as Forças Armadas teriam o poder de se sobrepor a ‘decisões de representantes eleitos pelo povo ou de quaisquer autoridades constitucionais a pretexto de ‘restaurar a ordem’".

O parecer da Câmara foi uma resposta às movimentações ocorridas em maio de 2020 em torno da real interpretação do 142 feitas pelo jurista Ives Gandra numa live com o blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio — foragido desde que teve sua prisão decretada no âmbito do inquérito dos atos de 8 de janeiro.

Ainda que a interpretação difundida por Chagas não tenha ganhado grande projeção fora dos círculos mais radicalizados da direita brasileira, ela é preocupante ainda mais se considerarmos as revelações do último fim de semana sobre a delação de Cid, que incluiu o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro entre os que teriam estimulado Bolsonaro a dar um golpe após a derrota em 2022. Ambos são considerados potenciais presidenciáveis caso o ex-presidente siga inelegível para o pleito de 2026.

Seria salutar que a direita brasileira para além da família Bolsonaro apresentasse para a disputa do próximo ano nomes com muito mais credibilidade que aqueles restritos ao círculo de poder em torno do ex-presidente. Esbarra-se, porém, na radicalização do eleitorado de direita, que parece dar de ombros para nomes que são mais experientes que o clã bolsonarista, mas seguem alinhados a pautas extremistas mais por cálculo político que por convicção.

É o caso dos governadores Ronaldo Caiado (União Brasil-GO), Ratinho Júnior (PSD-PR) e Romeu Zema (Novo-MG). Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) não entra na lista pois é, sim, um bolsonarista convicto, tendo participado até mesmo de atos contra o STF. É criatura daquele que é o autor e mentor da mais recente tentativa de golpe de Estado no país. O que será que todos eles pensam sobre o artigo 78 ser o novo 142 daqueles que insistem em se insurgir contra a ordem constitucional?logo-jota