Opinião e Análise

Vinicius Rodrigues Vieira

Os comunistas estão chegando? Em Pequim, Lula foi recebido por Xi Jinping ao som de "Novo tempo", composição de Ivan Lins e Vitor Martins. <a href="https://www.jota.info/executivo/em-visita-a-china-lula-assina-15-acordo-entre-os-dois-paises-com-foco-em-economia-14042023">Assinou 15 documentos</a> – a maior parte sem implicações imediatas e com consequências duvidosas.
Ademais, não aderiu à Belt and Road Initiative, o programa de melhoria de infraestrutura em outros países que custa bilhões de dólares – ou, melhor dizendo, yuans. Sinalizou, porém, a disposição em fazer comércio com a China sem a mediação da moeda americana, uma tendência que Arábia Saudita e Índia, Estados-pivô como o Brasil, também parecem abraçar.
Não, camarada: os comunistas não estão chegando. Tampouco os americanos e europeus nos darão as costas, pois o presidente da República voltou a fazer aquilo que faltou no período 2019-2022: di-plo-ma-cia (soletrando, talvez entendam). Lula visitou Biden, mas voltou de Washington praticamente de <a href="https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/lula-embarca-para-o-brasil-apos-poucos-resultados-concretos-nos-eua">mãos abanando</a>, ainda que a diplomacia americana tenha sido fundamental para debelar a adesão de militares aos planos golpistas de Jair Bolsonaro.
No meio tempo, a União Europeia colocou termos praticamente neocoloniais para retomar as conversas do acordo com o Mercosul, tentando empurrar goela abaixo <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/economia/mercosul-ve-proposta-da-ue-para-avancar-em-acordo-como-dura-e-desequilibrada/">cláusulas ambientais</a> e sociais que embutem o puro suco do protecionismo de quem diz apoiar o livre mercado. Não é o Brasil que decepciona o Ocidente, mas é o eixo do Atlântico Norte que insiste em nos ver como seu quintal.
O que o presidente da República – fosse ele Lula ou qualquer outro – poderia fazer nesse contexto como responsável-mor pela política externa? Sentar-se e esperar ser aceito pelo Ocidente? Brigar com os mais importantes parceiros econômicos – Argentina inclusive – tal como Bolsonaro fez durante sua estadia no Planalto? Lula foi à luta e desenvolve uma política externa pragmática, não obstante sua empreitada cada vez mais desastrosa como pretenso mediador da guerra na Ucrânia.
Para podar Lula de seus instintos mais personalistas – sua meta desde 2008 seria, segundo fontes na diplomacia, ganhar o Prêmio Nobel da Paz –, precisamos daquilo que toda democracia deve ter: uma oposição séria e responsável. Na Câmara, porém, não parece ser o caso. Na mesma semana em que o presidente visita nosso principal parceiro comercial, a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, aparentemente, tem outras prioridades, já que <a href="https://www.metropoles.com/colunas/paulo-cappelli/comissao-vai-ouvir-ministro-sobre-prisao-de-brasileiras-na-alemanha">convocou o chanceler Mauro Vieira a prestar esclarecimentos</a> sobre a prisão de duas brasileiras na Alemanha. Elas tiveram suas malas de viagem substituídas por bagagens cheias de cocaína no Aeroporto de Guarulhos.
Sem desmerecer o sofrimento das viajantes, que já foram libertadas, a viagem de Lula deveria suscitar maior preocupação por parte dos parlamentares. Porém, em nossa democracia em transe, para deputados de oposição, vale mais a pena sinalizar preocupação com um tema caro à classe média (segurança de bagagens nos voos para o exterior) a debater eventuais desvios do governo na política externa.
Sem dúvida, é necessário ampliar o prestígio do Brasil no exterior, mas se oferecer para mediar a paz entre Rússia e Ucrânia não parece ser o melhor caminho para atingir tal objetivo. Enfocar a agenda ambiental, sim, é o caminho – como, aliás, Lula fez nas respectivas declarações conjuntas com <a href="https://br.usembassy.gov/pt/declaracao-conjunta-da-reuniao-entre-os-presidentes-lula-e-biden/">Biden</a> e <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/veja-a-integra-da-declaracao-conjunta-do-brasil-com-o-governo-chines/">Xi</a>.
Historicamente, o Brasil conduz sua política externa visando o fortalecimento do multilateralismo e a promoção do desenvolvimento. Não há multilateralismo, de fato, se um país com o peso estratégico da Rússia for excluído do sistema internacional. Por isso, no fim de março, a diplomacia brasileira apoiou a formação de uma comissão independente para <a href="https://www.cartacapital.com.br/mundo/brasil-vota-com-russia-e-china-na-onu-para-investigar-ataque-ao-nord-stream/">investigar a explosão do gasoduto Nord Stream</a>, demanda de Moscou junto ao Conselho de Segurança da ONU
Não há, hoje, condições de prescindirmos dos fertilizantes russos para o agronegócio exportar e gerar divisas. Ainda assim, no mesmo Conselho, em fevereiro de 2022, <a href="https://congressoemfoco.uol.com.br/area/mundo-cat/brasil-vota-a-favor-mas-russia-veta-resolucao-da-onu-contra-invasao-na-ucrania/">votamos pela condenação da invasão</a> e, um ano depois, apoiamos resolução da Assembleia Geral da ONU que <a href="https://exame.com/mundo/brasil-vota-na-onu-a-favor-de-pedido-de-retirada-russa-da-ucrania/">pede a retirada das tropas russas da Ucrânia</a>.
Considerando tudo isso, fica claro que Lula errou feio ao sugerir que a Ucrânia pudesse ceder à Crimeia, ocupada pela Rússia desde 2014, em troca da paz. O presidente persiste no equívoco ao declarar que <a href="https://www.cartacapital.com.br/mundo/a-decisao-da-guerra-foi-tomada-por-dois-paises-diz-lula-sobre-conflito-entre-russia-e-ucrania/">os dois lados quiseram</a> a guerra—afirmar isso ou é ignorância ou má-fé de quem sabe que, uma vez invadido, qualquer país defenderia seu território a qualquer custo. É o que a Ucrânia está fazendo, ainda que, antes do conflito, a Rússia tivesse alguma razão em exigir mais garantias de segurança por parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)
Se assim continuar, Lula pode passar para a história como fantoche de autocratas, uma alcunha nada lisonjeira para quem, aos trancos e barrancos, comandou uma frente vitoriosa que, por ora, afastou o Brasil da tentação autocratizante da extrema direita bolsonarista. Tudo bem <a href="https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/04/17/serguei-lavrov-chanceler-da-russia-tem-reuniao-nesta-segunda-no-itamaraty-e-deve-se-encontrar-com-lula.ghtml">receber em Brasília nesta segunda-feira</a> (17) o ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov — afinal, queremos conversar com todos.
Tal visita, porém, não pode representar o endosso de ideia que, em última instância, implica em aceitar agora ou num futuro próximo varrer a Ucrânia soberana do mapa-múndi. Que o Congresso aja dentro dos limites legais, convocando as devidas autoridades a prestar esclarecimentos, caso o governo Lula cruze de vez os limites aceitáveis e nos converta em vassalos de Putin depois da visita de Lavrov.
Portanto, faria bem o presidente, neste momento, afastar-se das pretensões de mediar o conflito. Na questão climática, na promoção da democracia e na regulação das redes sociais, além da área de comércio e finanças, o Brasil tem mais condições de ampliar seu status e contribuir, de fato, para a governança do mundo pós-globalização.
De lambuja, aumentaria o seu poder de barganha frente aos dois blocos que hoje emergem: a esfera Euroatlântica, formada por América Anglo-Saxônica, União Europeia e demais países da Europa Ocidental, e a esfera Euroasiática, que tem na China seu motor econômico e na Rússia o anteparo nuclear-militar necessário para deter o outro bloco.
Se conseguir extrair investimentos de ambos os lados para reindustrializar o Brasil, Lula terá feito, ao fim de seu mandato, uma política externa mais efetiva que aquela de seu primeiro ciclo no poder, marcada pelo início da dependência do mercado chinês para a exportação de commodities. Mas como convencer a China a romper essa relação neocolonial? Tudo passa pela competência de nossa diplomacia.
Na transição de governo, Jair Bolsonaro pediu ao então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin que “<a href="https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/03/5079745-alckmin-confirma-que-bolsonaro-o-pediu-para-livrar-o-brasil-do-comunismo.html">nos livrasse do comunismo</a>”. Seria grandíssima ironia que, com o capital da China comunista, o Brasil se reindustrializasse e, assim, diluísse o poder acumulado por uma das principais bases bolsonaristas – o agro. Como se vê, a manutenção da democracia brasileira a plenos pulmões depende mais da política externa — sem personalismos, é claro — e da China do que análises rasas sugerem.

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JOTA

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