Opinião e Análise

Vinicius Rodrigues Vieira

Uma horda de racistas insulta um jogador estrangeiro num país desenvolvido. Bananas são atiradas ao campo. O que isso tem a ver com democracia, já que estamos falando da reação — obviamente injustificada sob qualquer ângulo — de cidadãos de um país contra um estrangeiro, sem direito a voto em eleições nacionais naquele território?
Esperava-se que a democracia, ao promover valores liberais, redundaria em sociedades abertas, acolhedoras. Não é o que se vê historicamente, porém, em particular nas ditas democracias industrializadas, que lidam de modo bastante problemático com diversidade étnica-racial e religiosa, para não mencionar outras clivagens, como a linguística.
No Brasil, obviamente há racismo, mas não se imagina ouvir um estádio inteiro insultar um jogador em função de um fator identitário, seja ele racial ou não. Há casos reiterados de discriminação racial contra jogadores, mas nada comparado àquilo que sofreu o cidadão brasileiro Vinícius José Paixão de Oliveira Júnior, o Vini Jr., jogador do Real Madrid. A questão teria até mesmo sido replicada no videogame Fifa 23, conforme apontado por Miguel “Spiderkong”, jogador profissional do ramo de e-sports, <a href="https://www.em.com.br/app/noticia/esportes/2023/06/01/interna-esportes,1501827/racismo-contra-vini-jr-no-fifa-23-e-denunciado-por-jogador-brasileiro.shtml">no fim da semana passada</a>.
Trata-se apenas da amplificação da mistura explosiva de xenofobia e racismo que contamina as democracias contemporâneas, inclusive a brasileira — basta, aliás, lembrar da retórica contra migrantes de origem não europeia, em particular africanos e latino-americanos.
Não vamos aqui reproduzir as ofensas proferidas sob a égide desse novo nacionalismo, que ecoa tendências históricas, notadamente a colonização de povos não brancos, e contemporâneas, como a exposição por meio da globalização à intensa competição entre aquele que, historicamente, é o centro do capitalismo global e os ditos mercados emergentes, todos eles externos ao mundo ocidental.
Ao se constatar a normalização do racismo em sociedades ditas avançadas, é impossível não dar o mínimo de razão a linhas de pensamento críticas, que há tempos já questionaram os pressupostos liberais de modo cabal. As contradições do liberalismo emergem com os primeiros experimentos democráticos contemporâneos, do qual se destaca o regime republicano nos Estados Unidos, no qual o sufrágio universal independentemente de raça e etnia foi concretizado apenas em 1965, com o Voting Rights Act, aprovado no esteio da lei federal sobre direitos civis que havia sido promulgada no ano anterior.
No Brasil, os negros ficaram totalmente de fora do jogo político durante o primeiro século da República com a proibição de voto aos analfabetos até 1986 — medida que penalizava de modo desproporcional aquela fatia da população. Havia políticos de origem afro-brasileira sem que, porém, se reconhecessem como representantes de tal parcela da população. O fato é que, até hoje, segundo diversos estudos acadêmicos, candidatos pretos e pardos (na classificação oficial do IBGE) <a href="https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/10659129211032279?icid=int.sj-abstract.citing-articles.1">têm mais dificuldades para se elegerem em função das próprias preferências dos eleitores e enviesamento dos partidos</a>.
Na Espanha, onde estádios viraram coliseus em que jogadores não brancos tornaram-se gladiadores a enfrentar as bestas racistas, a direita — seja na sua versão oficialmente moderada, seja em sua forma explicitamente discriminatória — teve os maiores ganhos dos últimos anos nas eleições regionais realizadas no último fim de semana de maio. Assim,<a href="https://www.poder360.com.br/internacional/direita-vence-eleicoes-na-espanha-e-declara-fim-do-sanchismo/"> o primeiro-ministro Pedro Sánchez, de centro-esquerda, convocou eleições nacionais</a>.
Caso siga a toada de outros membros da União Europeia, a Espanha tende a caminhar para a normalização do discurso de extrema direita, encarnado no Vox, partido que defende abertamente o legado de Madri na colonização das Américas. O presidente da La Liga, Javier Tebas Medrano, que nega haver racismo contra Vini Jr., <a href="https://exame.com/esporte/saiba-quem-e-javier-tebas-presidente-de-la-liga-cobrado-por-vini-jr-para-punir-racistas/#:~:text=Cobrado%20publicamente%20por%20Vin%C3%ADcius%20J%C3%BAnior,existiu%20na%20Espanha%20entre%201976">é apoiador do Vox e já integrou uma organização neofacista nos primeiros anos da transição democrática espanhola</a>.
Vox quer dizer voz em latim. Sem a voz de todos, não há democracia. Seja na Europa, seja nas Américas, o racismo afasta-nos do sentido pleno desse regime de governo. Ignorá-lo significa abrir as portas para o autoritarismo, tal como ocorreu nos anos 1930. As bestas soltas na arena não se satisfazem apenas com a carne negra — <a href="https://www.letras.mus.br/elza-soares/281242/">a mais barata do mercado, na definição eternizada por Elza Soares.</a> No coliseu da política da exclusão, as feras devoram a todos, inclusive os que se acham imunes aos crimes de racistas e xenófobos.

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JOTA

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