Opinião e Análise

Warley Brant Pimentel

Em 2010 o então candidato a deputado federal Tiririca apareceu com o slogan “Pior que tá não fica”. Sendo um palhaço de origem circense, a eleição de Tiririca, que concorreu para representar o estado de São Paulo, apresentou um claro caráter de protesto, muito ao gosto do humor brasileiro. É importante lembrar que na ocasião o palhaço não só conseguiu se eleger, como foi o mais votado naquelas eleições. Parte da população estava claramente indicando uma descrença frente ao sistema democrático, em um país no qual a redemocratização só tinha 25 anos.
O tempo passou, o fim da ditadura militar vai completar quatro décadas no próximo ano, Tiririca se tornou um político profissional — agora filiado ao ultraconservador Partido Liberal (mais uma contradição dentre muitas contradições) — e sua “profecia” se demonstrou implacavelmente incorreta: desde 2010 vivenciamos um sintomático e progressivo esvaziamento da política. Explico melhor: no caso, o progressivo não significa que não tenha havido momentos de intensa politização social, ainda que muitas vezes refletido em polarização.
<h3><a href="https://conteudo.jota.info/marketing-lp-newsletter-ultimas-noticias?utm_source=jota&amp;utm_medium=lp&amp;utm_campaign=23-09-2024-jota-lp-eleicoes-2024-eleicoes-2024-none-audiencias-none&amp;utm_content=eleicoes-2024&amp;utm_term=none">Acompanhe a cobertura das Eleições na newsletter Últimas Notícias e receba a edição especial com análise exclusiva do primeiro turno</a></h3>
Porém, é inevitável concluir que, quando tomamos os casos da eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e a atual candidatura de <a href="https://www.jota.info/eleicoes/ex-coach-influenciador-e-azarao-quem-e-pablo-marcal-candidato-a-prefeitura-de-sao-paulo">Pablo Marçal</a> à Prefeitura de São Paulo, há uma demanda por parte do eleitor que não se vê representado pelos políticos tradicionais e é satisfeita por concorrentes que se colocam como outsiders ainda que tenham notórias conexões com o establishment. Não obstante as notórias semelhanças entre ambos, me parece mais conveniente traçar as diferenças entre eles, ainda que a partir desse espectro de esvaziamento político. São estas diferenças que nos permitem captar o “termômetro social” de nosso tempo.
A princípio, a performance de Marçal nos remete rapidamente a Bolsonaro: agressivo, antissistema, afiado nas palavras e afirmando ser diferente dos políticos “tradicionais”. As atuações de ambos em debates e entrevistas assemelham-se a uma bomba: parece que todo o local irá explodir em um caos que, não por acaso, parece nos dizer que a política tal como praticada não tem qualquer sentido.
Um exemplo foi <a href="https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2024/09/01/marcal-leva-advertencia-por-usar-palavrao-e-datena-peita-rival-em-debate.htm">o último debate do qual Marçal participou, neste domingo (1º), na TV Gazeta</a>. Ele sistematicamente violou cada regra criada para evitar que outros candidatos se recusassem a comparecer e duelar com um candidato que usa expressões chulas e abusa de fatos inverídicos para atacar os adversários.
Os eleitores que estão insatisfeitos com o sistema, que não conseguem perceber o resultado das políticas públicas nas quais seus impostos são convertidos, logo se identificam com aquela rapidez e agressividade. É como se políticos da linhagem de Bolsonaro e Marçal estivessem dispostos a fazer aquilo que eles têm vontade: marretar a política, colocá-la abaixo e, no lugar, instalar um líder que seja alguém tal qual os próprios.
Esse desejo primitivo teve sua manifestação máxima no dia 8 de janeiro de 2023, quando criminosos resolveram destruir Brasília na defesa de seu líder e messias. A coisa não vingou, alguns foram presos, outros fugiram, e muitos voltaram para suas casas, desiludidos, à espera de um novo sinal — mesmo que ele viesse de outro planeta, vale lembrar.
Como defendido por Vinícius Rodrigues Vieira em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/democracia-em-transe/o-admiravel-gado-novo-de-pablo-marcal-26082024">nesta coluna na semana passada</a>, parte desse “gado” agora encontrou esse sinal em Marçal, despertando, assim, desconfianças por parte de Bolsonaro e seu círculo político mais próximo, que veem no candidato à prefeito um concorrente na disputa pela liderança da direita radicalizada. Afinal, se ambos exploram o cansaço da população com as instituições, cada um desse líderes possui características que podem se sobressair em determinado momento e, assim, desequilibrar o jogo a favor de um deles
A primeira é que Bolsonaro, apesar de se vender como um outsider, estava na política há mais de 20 anos e sempre havia sido parte do chamado “baixo clero” — no geral, políticos de pouca monta, que vivem de um nicho eleitoral (militares, por exemplo) e de uma ou outra “mordida” parlamentar, auxílios e, ocasionalmente, do crime de corrupção também chamado de “rachadinha”.
Esse aspecto de Bolsonaro foi repetido ad nauseam, mas sempre vale a pena reiterar. Ademais, Bolsonaro, simbólica e discursivamente, se atrela a um espectro político presente há tempos no cenário brasileiro: um reacionarismo patriótico-militarista.
Nesse sentido, se a vitória de Bolsonaro pode ser vinculada a um discurso antissistêmico, por outro, sua campanha atraía um público cuja consciência política estava bem formada e de acordo com as posturas dele. Isso se refletia em um aspecto ambíguo: de um lado, o capitão atraiu os que sentem a política esvaziada. De outro, captou os votos dos que buscavam um candidato antissistema.
Para outro grupo de eleitores, que se identificam com seus valores reacionários, a política já estava plena de sentido. Cabe ressaltar que em determinados pontos esses grupos se sobrepõem e se confundem entre si, quando, por exemplo, eleitores antissistema passam a absorver e defender valores reacionários, sem, no entanto, necessariamente aderir a pautas que preservam o status quo.
Se Bolsonaro reúne performance e uma ideologia retrógrada, Marçal é algo novo. Nele, o que se destaca é, acima de tudo, a performance. O candidato à Prefeitura de São Paulo parece ser apenas um amontoado de gestos e palavras agressivas, pronto a instalar o caos em qualquer espaço que ocupe. Não se pode ser ingênuo a ponto de pensar que não existe uma ideologia que embase a postura e os argumentos de Marçal, pois claramente tem o ultraliberalismo como norte.
A questão é que sua própria performance como coach reflete a superficialidade de sua ideologia. Assim, em Marçal o esvaziamento da política atinge seu ponto máximo: ela deixa de ser algo externo, do ambiente político, e passa a ocupar também o núcleo da persona pública. Marçal parece ser vazio por dentro e talvez daí o seu sucesso, principalmente frente a uma geração que não consegue perceber a importância do esforço intelectual. Tudo é rápido demais, fácil demais e a simplificação parece ser a meta.
Com sua mistura de boné e terno, Marçal quer dar o mesmo recado de outros “ultraliberais”, como Javier Milei, Nayib Bukele e mesmo Eduardo Bolsonaro. Em um cenário no qual a política se torna superficial, a leveza nas roupas passa uma mensagem de agilidade e desburocratização. Na linha do tempo que se inicia em 2010, Marçal parece ser a continuidade de Tiririca e Bolsonaro, reunindo o pior dos dois. É o Bolsonaro destituído de seu peso ideológico e, quiçá, um palhaço antissistema ávido por se integrar ao mecanismo político.
O produto final do esvaziamento político é, portanto, um candidato feito para um público naive, superficial e estupidamente antissistêmico. Assim, cabe perguntar se o establishment — que inclui parte da extrema direita, já normalizada — vai ficar indiferente ao ver fazerem sem quaisquer melindres o “M” em sua cara.
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debate TV gazeta pablo marçal-min

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JOTA

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