Opinião e Análise

Vinicius Rodrigues Vieira

Depois de quatro anos será que finalmente teremos um 7 de Setembro convencional? Relatos jornalísticos apontam para a organização de protestos, mas também de boicotes por parte de grupos bolsonaristas durante a principal data cívica da nação. De todo modo, cabe lembrar que o Dia da Independência nunca foi uma festa popular. Parece muito mais a celebração da existência de um Estado soberano e das elites que o dominam do que uma exaltação ao povo.
Sempre que a data se aproxima, lembro-me das palavras de um colega ao descrever uma das inúmeras ocupações das <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/forcas-armadas">Forças Armadas</a> e da polícia em comunidades cariocas. Numa das ocasiões em que forças especiais expulsaram ainda que temporariamente o tráfico — porém ao custo de grande violência contra nossos compatriotas —, a resposta das comunidades foi retirar a bandeira nacional hasteada no topo do morro. Como esse colega diz, foi a demonstração de que os símbolos pátrios não são símbolos do povo, mas apenas marcos da existência do Estado.
Seríamos, portanto, não um Estado-nação, mas uma nação-Estado, empreendida de cima para baixo. Tal distinção parece ser de pouca utilidade. De certo modo todos os Estados soberanos — inclusive aqueles vistos como supostamente “naturais” na Europa Ocidental — são resultado do pacto de elites econômicas e políticas (vencedores e vencidos) em alguma conjuntura crítica da História. O resultado é a incorporação de territórios e suas populações, sujeitos à homogeneização étnica e, na maior parte das vezes, também linguística para não dizer religiosa — embora neste último quesito o mundo ocidental aceite divergências entre católicos e protestantes, sobretudo, e tolere minorias sujeitas a notório preconceito e discriminação, como judeus e muçulmanos.
Considerando tudo isso, qual, portanto, seria o problema do Brasil? Por que não conseguimos enraizar uma identidade nacional tal como outras nações aparentemente fizeram de modo bem-sucedido, seja na Europa ou no dito mundo pós-colonial? Análises superficiais indicariam que nos falta a grandeza de impérios antigos, nos quais ex-colônias na Ásia encontraram sua razão de ser. Em contraste, seríamos uma nação muito jovem. Outros apontam a diversidade de origem étnica da nossa formação.
A chave do pertencimento à pátria não está num amor vazio, de certo modo piegas, mas naquilo que pode ser resumido em perguntar-se o que o país pode fazer para mim e, assim, o que eu posso fazer pelo meu país. De fato, o Brasil — entendido como o Estado e as elites que se revezam em seu controle — pouco fez até hoje pela maior parte do seu povo, em particular os descendentes de escravos, vítimas não silenciosas da discriminação racial explícita e implícita.
No pós-ditadura, quando foram lançadas as primeiras tentativas de corrigir desigualdades históricas ainda de modo muito tênue, surgiu uma direita raivosa. Não coincidentemente, ela encampou para si aquele que foi talvez na nossa história o único símbolo capaz de unir brasileiros das mais diversas cores, classes e credos: a camisa amarela da seleção brasileira de futebol, uma referência ao primeiro time reconhecidamente multirracial a levantar a taça de campeão do mundo
Esqueça Dom Pedro I, Leopoldina e José Bonifácio. Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, talvez simbolize mais do que ninguém a unidade nacional ao levantar três Copas e romper simbolicamente as barreiras raciais ao pertencimento nacional.
A construção de uma nação em meio a um regime democrático tende a ser muito mais difícil do que sob condições autoritárias, incluindo os ditos regimes liberais de sufrágio restrito no fim do século 19, como foi o caso da Argentina, que universalizou a educação básica um século antes de nós. Mesmo em meio a mais uma crise de hiperinflação, a nação vizinha se mantém firme na união nacional. Enquanto isso, nestas bandas a tendência é ver o outro não como um compatriota, mas como um inimigo.
A nação é uma obra contínua que jamais estará terminada. No primeiro 7 de Setembro pós-bicentenário da Independência e pós-bolsonarismo no poder, a incompletude da nação está mais evidente do que nunca. Para onde vai o Brasil? Para decidirmos para onde vamos, temos de definir antes quem nós somos.

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JOTA

Para decidir para onde vamos, precisamos definir quem somos

O 7 de Setembro pós-Bolsonaro expõe uma nação indefinida

No primeiro 7 de Setembro pós-bicentenário da Independência e pós-bolsonarismo no poder, incompletude da nação está mais evidente do que nunca