Opinião e Análise

Vinicius Rodrigues Vieira

Na historiografia, a noite das garrafadas — conflito entre partidários e opositores do então imperador Dom Pedro I — antecedeu sua abdicação em 1831. De modo análogo, temo que <a href="https://www.bbc.com/portuguese/articles/cvgllqzz8ddo">a noite da cadeirada</a> de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/jose-luiz-datena">José Luiz Datena</a> (PSDB) em <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pablo-marcal">Pablo Marçal</a> (PRTB) no debate da TV Cultura, no último domingo (15/9), seja o prenúncio simbólico de uma era da política nacional em que a lógica de oponentes políticos se tratarem como adversários tenha dado lugar de vez ao espírito da aniquilação mútua entre concorrentes.
A violência política faz parte do cenário eleitoral há tempos, mas talvez nunca tenha atingido tamanho descalabro numa disputa da envergadura institucional que o <a href="https://www.jota.info/eleicoes/quem-sao-os-candidatos-a-prefeito-de-sao-paulo-nas-eleicoes-municipais-de-2024">cargo de prefeito da maior cidade do país</a> representa ou deveria representar. Porém, nada mais simbólico que Datena seja candidato pelo PSDB, justamente o naco da centro-direita brasileira que mais foi afetado pela ascensão do extremismo primeiro representado por <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/jair-bolsonaro">Jair Bolsonaro</a> (PL) e que agora caminha para ter um novo líder em Marçal.
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O cansaço com o sistema, a ascensão de novas elites econômicas e simbólicas e a derrubada do filtro que as mídias tradicionais impunham são as variáveis do caldo entornado da democracia brasileira. Tendo passado 28 anos na Câmara dos Deputados antes de chegar à Presidência, Bolsonaro nunca poderia ser o autêntico outsider, papel que cai como uma luva em Marçal — o empresário que, por meios ainda a serem devidamente revelados, ascendeu das classes baixas para ser coach e influencer nas redes sociais.
Para além das disputas no campo da direita, preocupa <a href="https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/09/16/o-nivel-de-provocacao-do-pablo-marcal-e-inaceitavel-afirma-nunes-apos-cadeirada-de-datena.htm">a fala do prefeito Ricardo Nunes</a>, candidato à reeleição pelo MDB, em sabatina realizada pela CBN na manhã desta segunda-feira (16). Ele condenou a atitude de Datena, mas ressaltou que o prefeiturável foi provocado de maneira bastante extrema por Marçal.
A fala do prefeito nos leva a ponderar se a melhor maneira de combater a extrema direita não seria deixá-la falando sozinha e punindo-a quando cabível nos termos da lei. De fato, Marçal conseguiu o que queria — desestabilizou um adversário enquanto se faz de vítima nas redes, pois <a href="https://www.infomoney.com.br/politica/boletim-do-sirio-libanes-diz-que-marcal-teve-traumatismo-no-torax-e-no-punho-direito/">sofreu traumatismo no tórax e no punho direito</a>.
Não está claro se Datena vai ter mais votos em função dessa atitude extrema. Ao acompanhar redes sociais de bairros populares de São Paulo, percebi na manhã seguinte ao debate uma divisão entre aqueles que dizem que o candidato do PSDB agiu corretamente e os que veem Marçal como uma vítima tal como ele se descreveu nas redes sociais ao comparar a cadeirada com o atentado contra Donald Trump em julho passado nos EUA e a facada levada por Bolsonaro na campanha de 2018.
De fato, à extrema direita interessa ser vista como um mecanismo de luta contra o sistema. Ações como a de Datena só reforçam essa lógica a favor de Marçal, ainda que o apresentador também se venda como outsider, interessantemente como Bolsonaro fez em 2018. O neotucano é, porém, muito mais um insider, tal como o ex-presidente. Isso porque já foi filiado a partidos e sempre trabalhou para os maiores grupos de comunicação do país.
A noite da cadeirada ainda não terminou. Para a extrema direita, só vai terminar quando a atual ordem constitucional for subvertida. Para aqueles que à direita e à esquerda ainda concordam com os termos sobre os quais foram fundadas as bases da nossa democracia, cabem criar estratégias racionais para conter os extremistas que flertam com o fascismo.
Não é uma cadeirada que vai enquadrar a extrema direita, mas sim a civilidade e nosso ordenamento jurídico, que prevê punições graves para crimes eleitorais. As evidências já abundam contra Marçal nessa seara. Será que teremos que enfrentar uma nova noite das garrafadas para que algo possa ser feito contra a antipolítica levada a níveis extremos?

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JOTA

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