O candidato de ultradireita à presidência da Argentina Javier Milei recebeu apoio de políticos e intelectuais liberais neste fim de semana, mas teve desempenho sofrível no debate do último domingo contra o oponente peronista Sergio Massa, que concorre como o apoio do impopularpresidente Alberto Fernandez. O atual ministro da economia argentino foi bem-sucedido aosugerir que as ideias econômicas de Milei—incluindo a dolarização da economia e o fim do Mercosul—não são factíveis.
Ademais, Massa conseguiu plantar entre os eleitores a semente da dúvida sobre a já questionável capacidade de Milei ser um governante racional no poder. Isso porque veio à tona no debate que, na juventude, ao ultradireitista teria sido negada a renovação de um contrato de estágio no Banco Central da Argentina, instituição que seria extinta no modelo econômico que ele pretende implementar no país caso seja eleito no próximo domingo, data prevista para o segundo turno.
Trata-se de mais um episódio da série de eventos caricatos que cercam Milei, que lidera na margem de erro as pesquisas na corrida para a Casa Rosada. Comunicação com cães mortos e jogos de tarô para escolher assessores estão entre as ditas excentricidades daquele que é comparado frequentemente a líderes de extrema-direita como Jair Bolsonaro e Donald Trump por conta de suas críticas às elites dependentes do Estado e, portanto, corruptas, segundo a retórica dessa tendência política.
Se tivessem esperado o debate, os liberais que hoje apoiam Milei talvez tivessem ao menos se mantido neutros na disputa argentina. Entre os nomes que endossaram a candidatura de ultradireita contra o peronismo, há figuras consideradas moderadas, como o ex-presidente colombiano Andrés Pastrana (1998-2002), e os ex-presidentes mexicanos de centro-direita Vicente Fox (2000-2006) e Felipe Calderón (2006-2012), que encerraram a ditadura perfeita de mais de 70 anos do Partido Revolucionário Institucional, mas aceleraram as condições para o domínio do narcotráfico como Estado paralelo.
Os liberais, aliás parecem ter a obsessão de abraçar em políticos de ultradireita, a qual se divide entre extrema direita—que claramente não respeita a democracia—e de direita radical—que até respeitam regras eleitorais, mas se colocam contra os direitos individuais. Foi assim com Bolsonaro até mesmo com Trump, ainda que em menor escala. Se algo nos ensinou a experiência histórica dessas últimas duas presidências no Brasil e Estados Unidos, trata-se do fato que líderes que chegam ao poder com uma retórica antissistema são indomáveis, desafiam as instituições, e colocam a democracia em xeque.
Com Milei, caso eleito, o roteiro não tende a ser diferente, pois, embora suas propostas soem absurdas, ele parece ter a tenacidade para implementá-las a todo custo, muito embora ensaieneste estágio uma moderação estratégica para angariar votos de centro. Bolsonaro fez o mesmoem 2018 aqui no Brasil. Olha que o Messias Capitão não foi eleito no contexto de inflaçãoelevada tal como o que nossos principais vizinhos vivem. Imagine se Milei desmantelar o Estado tal como pretende já em meio a uma crise de custo de vida sem precedentes nos últimos 20 anos.
Mais Estado, mais corrupção, diz o raciocínio simplista de cunho supostamente liberal. No entanto, não há liberalismo possível sem um Estado constitucional que forneça à população condições de criar capacidades individuais capazes de fazer com que exerçam a cidadania e a função de agentes econômicos em sua plenitude. A experiência histórica sugere que isso é possível apenas com sistemas públicos de educação e saúde e regras claras para estruturar uma economia de mercado.
Sem dúvida, a economia argentina tem características cartoriais, como as múltiplas taxas de câmbio. A fórmula proposta por Milei, porém, tende a ser um remédio em dose tão elevada que é capaz de matar o paciente. Com o apoio de liberais à ultradireita, não há saída para defender os direitos individuais e a segurança jurídica necessária ao funcionamento de mercados capitalistas senão apoiar políticos comprometidos com a democracia e proteção social ainda que mínima. O resto é antessala para a convulsão social e posterior autoritarismo. Milei é o atalho mais seguro para esse caminho.