Opinião e Análise

Vinicius Rodrigues Vieira

Os <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-condena-participante-dos-atos-de-8-1-a-17-anos-de-prisao-14092023">votos dos dois ministros</a> do Supremo Tribunal Federal (STF) indicados por Jair Bolsonaro no julgamento dos golpistas que depredaram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro passado expõem a maior herança maldita do governo anterior: a naturalização de afrontas à Constituição e, portanto, ao Estado democrático de Direito.
Num primeiro momento, até parece que o ministro André Mendonça se afastou das teses bolsonaristas ao entender que o réu Aécio Lucio Costa Pereira — o primeiro a ser julgado pelo plenário do STF — foi além do mero vandalismo e cometeu crime de abolição do Estado democrático de Direito. Porém, o indicado por Bolsonaro para ser “terrivelmente evangélico” absolveu Pereira da acusação de tentativa de golpe de Estado por entender que este crime está embutido naquele.
“A natureza dos atos era inquestionavelmente antidemocrática, já que houve invasão e permanência indevida no Senado, acompanhadas de vandalismo e diversas demandas”, afirmou Mendonça. Porém, o ministro argumentou que “qualquer ação de golpe de Estado necessitaria da intervenção de forças militares”. Nada mais equivocado: é possível efetivar uma insurreição contra os poderes constituídos apenas com forças civis.
Ademais, como bem lembrou o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, os dois crimes são independentes, pois tal como ocorreu em 1964 pode haver um golpe — naquele caso com a participação das Forças Armadas — sem que a ordem constitucional seja subvertida — pelo menos de imediato.
Porém, Mendonça parecia no fim buscar um verniz jurídico para endossar teses difundidas por grupos bolsonaristas em canais de comunicação digital. <a href="https://www.jota.info/stf/e-um-absurdo-querer-falar-que-a-culpa-do-8-1-foi-do-ministro-da-justica-diz-moraes-14092023">O ministro chegou a insinuar que o governo permitiu a ação dos golpistas</a> ao lembrar que já tinha sido ministro da Justiça: "Em todos esses movimentos de 7 de setembro, como ministro da Justiça, eu estava de plantão, com uma equipe à disposição, seja no Ministério da Justiça, seja com policiais da Força Nacional, que chegariam em alguns minutos para impedir o que aconteceu. Não consigo entender como que o Planalto foi invadido da forma que foi invadido”, concluiu, numa evidente insinuação, aos moldes das redes bolsonaristas, de que tudo não passou de armação da então recém-empossada administração Lula 3.
“Vossa excelência vem no plenário do Supremo Tribunal Federal, que foi destruído, para dizer que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo? Tenha dó”, retrucou Moraes após um breve bate-boca. Mendonça, por sua vez, rebateu pedindo que o colega não colocasse palavras na boca dele.
De fato, não foi Moraes que colocou palavras na boca de Mendonça e de Nunes Marques, o outro ministro indicado por Bolsonaro e revisor da ação. Ambos saíram do primeiro dia de julgamento dos golpistas como objetos da ventriloquia da extrema direita brasileira contra o constitucionalismo do pós-ditadura. Marques, aliás, foi além do revisionismo proposto por Mendonça e não viu sequer crime de abolição do Estado democrático de Direito.
No fim, prevaleceu a punição exemplar aos golpistas. Além de Pereira, outros dois réus foram condenados com penas entre 14 e 17 anos de prisão. Porém, fica a pergunta: os mandantes do golpe — sejam eles civis ou militares — serão punidos? Que a covardia não seja outra herança maldita do bolsonarismo e fique longe do STF quando o tribunal julgar os líderes da extrema direita por terem gestado ao longo de quatro anos no poder um golpe e terem-no orquestrado na primeira oportunidade depois de terem deixado o Planalto.

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JOTA

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