Opinião e Análise

Thatiane Moreira

Na última terça-feira (2/5), o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pl-das-fake-news">PL das Fake News</a>, que estabelece punições para quem dissemina informações falsas e cria regras para aumentar a transparência das plataformas digitais, teve sua votação adiada na Câmara dos Deputados, por falta de apoio.
Dentre os oponentes à proposta de lei destacaram-se os bolsonaristas e as Big Techs, cujos interesses convergem em diversos pontos. Assim, a partir da minha pesquisa junto a grupos bolsonaristas em aplicativos de mensagem, este artigo propõe um olhar cuidadoso sobre a construção do seu discurso e suas aproximações com os interesses das plataformas – em itálico, estão frases literais observadas nesses grupos.
Antes de tudo, é preciso ter em mente que, desde ao menos 2018, <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/jair-bolsonaro">Jair Bolsonaro</a> e seus aliados buscam criar a percepção de que a mídia tradicional é ativista, voltada aos interesses do que eles chamam de esquerda. 
Neste contexto, as plataformas de redes sociais são entendidas como o canal de propagação da mensagem bolsonarista e, portanto, da “verdade que vai salvar a nação”, seguindo a terminologia religiosa sobre a palavra da salvação que deve ser espalhada. Assim, os canais bolsonaristas, assim como os grupos em plataformas de redes sociais, funcionariam como fontes de uma espécie de pedagogia de extrema direita. 
Segundo o discurso bolsonarista, as plataformas de redes sociais teriam dado voz às pessoas até então silenciadas pela “ditadura da esquerda”. Neste contexto, a esquerda calaria “as vozes dissonantes, para fortalecer seu poder na sociedade brasileira, Lembre-se que paz sem voz e sem liberdade, não é paz, é medo”.
A partir da denominada “pedagogia de extrema direita”, realizada principalmente nos meios digitais, teria se desvelado a suposta manipulação vigente na sociedade brasileira, afinal “Nós eramos completamente cegos e ignorantes na política. Eramos escravos do sistema e nem sabíamos que havia um sistema! Em apenas 6 anos aprendemos mais de política do que de futebol. Uma mente que se expande jamais volta ao seu tamanho natural”.
Neste contexto, por ter um caráter libertador e de possibilitar a propagação da verdade, as plataformas de redes sociais estariam sendo perseguidas pela esquerda, que defenderia propostas para “regular a imprensa e a internet. Liberdade de expressão não pode ser negociada. Somente regimes autoritários utilizam essa desculpa para calar a população”. 
O PL das Fakes News é assim entendida como uma forma de censura, como “mais uma atividade para manter a mente escravizada”. Por isso, “Enquanto os destruidores da nação fazem de tudo para calar e prender os cidadãos e destruir a sociedade, os patriotas lutam pela dignidade e liberdade do país”.
Aqui, vemos a oposição entre aqueles que defendem a liberdade e a democracia e aqueles que as ameaçam, de modo que os bolsonaristas se colocam no primeiro grupo, o que permite a alegação de que “sempre jogamos nas quatro linhas da constituição” – frase repetida diversas vezes no Telegram). 
É interessante perceber que, por meio da disputa em torno da palavra “liberdade”, o bolsonarismo procura – e para parte da população consegue – se manter no jogo democrático, assim como realiza uma inversão, segundo a qual os considerados “inimigos políticos” seriam aqueles caracterizados como autoritários. 
O entendimento bolsonarista das redes digitais como meio através do qual se comunica a verdade, em oposição à “mídia militante”, supostamente vinculada à interesses corporativos e da “esquerda”, possibilita uma curadoria de informação que, junto com a funcionalidade agregativa das plataformas, facilita a propagação da desinformação e dos discursos de ódio. Manter as plataformas de redes sociais livres de regulamentações mais restritivas é, portanto, essencial para os interesses políticos vinculados ao bolsonarismo. 
Assim, para barrar o PL das Fake News, foi organizada uma “guerrilha digital”, que envolvia tanto a divulgação de nomes e contatos de deputados que deveriam ser “pressionados a fazer o que é certo”, quanto conteúdos falsos para angariar apoio popular. Dentre as mensagens que circularam, as principais discorrem sobre os seguintes pontos: 
<ol>
<li style="font-weight: 400;" aria-level="1">O assunto não passou por uma comissão especial, mas apenas por grupos de trabalho. “Por isso, seria um projeto sem legitimidade, afinal não foi discutido pelos partidos”.</li>
<li style="font-weight: 400;" aria-level="1">“Citar ou pregar partes da bíblia, que condenam a homossexualidade, será discurso de ódio e homofobia, por isso será crime”, disseram. A ideia contida nesta fala retoma temas como a “cristofobia” e a “guerra espiritual”, amplamente veiculados nas mídias digitais bolsonaristas, segundo as quais a “esquerda” perseguiria cristãos por dois motivos principais: “os valores cristãos ameaçam o poder da esquerda” e “é impossível ser de esquerda e ser cristão”.</li>
<li style="font-weight: 400;" aria-level="1">Criticar um político, “chamar o ladrão de ladrão será crime”. Deste modo, a “esquerda” teria o controle sobre o que se fala sobre os políticos, de modo a direcionar a opinião pública.</li>
<li style="font-weight: 400;" aria-level="1">“Criticar que homens biológicos não possam disputar esporte com mulheres será homofobia e crime. É a vitória do politicamente correto”. Há aqui tanto a tentativa de naturalizar a transfobia quanto a ideia, já veiculada nas redes bolsonaristas, de que as posições de gênero seriam um fato inquestionável, próprio da genética, “é assim, e ponto”.</li>
<li style="font-weight: 400;" aria-level="1">“Expor as mentiras da mídia militante sobre Jair Bolsonaro será visto como crime fascista”. Esta frase se insere no jogo bolsonarista de invalidar as falas dos opositores, o que facilita a formação de enquadramentos favoráveis ao grupo.</li>
<li style="font-weight: 400;" aria-level="1">“Qualquer crítica à agenda de esquerda será crime, isso é autoritarismo, é o que o Foro de São Paulo defende”. Nesse discurso, o PL serviria a um plano mais amplo, supostamente amparado pelo chamado Foro de São Paulo, entendido nos grupos bolsonaristas como “a maior organização política que já existiu no continente latino-americano, base do movimento comunista na América Latina, sonhado por Antonio Gramsci”.</li>
</ol>
Além das críticas bolsonaristas, o PL das Fake News enfrentou a oposição aberta das chamadas Big Techs, como o Google e a Meta, que por motivos financeiros incentivaram seus usuários a se posicionarem contra o projeto de lei. 
Em nossa análise, fica evidente como as plataformas e os bolsonaristas, em alguma medida, compartilham da mesma gramática, como na mobilização da palavra “liberdade”, em oposição à censura – do mesmo modo que se prioriza a ação individual nos mercados (liberdade como não impedimento para o livre mercado), o antipoliticamente correto prioriza os direitos individuais sobre o bem coletivo. 
Assim, em ambos os discursos, tanto a violência verbal quanto o abuso econômico são tratados pela chave da liberdade expressão. Analisar essas aproximações discursivas, portanto, é fundamental para compreendermos a resistência que o PL das Fake News ainda encontra em parte da sociedade.

telegram; redes sociais

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Na aliança entre o bolsonarismo e as Big Techs, a palavra 'liberdade' tem um papel crucial

Em nome da &#8216;liberdade&#8217;: o Telegram bolsonarista contra o PL das Fake News

Em nome da 'liberdade': o Telegram bolsonarista contra o PL das Fake News

Na aliança entre o bolsonarismo e as Big Techs, a palavra 'liberdade' tem um papel crucial.