Opinião e Análise

Warley Brant Pimentel

Na última terça-feira (11) o tenente-coronel Mauro Cid, que havia sido ajudante de ordens do ex-presidente <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/jair-bolsonaro">Jair Bolsonaro</a> (PL), apresentou-se à CPMI dos atos golpistas de 8 de janeiro para prestar depoimento. Sendo acusado em oito processos, o militar optou por seguir as recomendações de seus advogados e permanecer em silêncio.
Estrategicamente, a postura de Cid faz sentido, pois a lista de crimes pelos quais vem sendo acusado é não só vexatória, mas variada, indo desde fraude em cartões de vacinação até envolvimento nas ações golpistas perpetradas por bolsonaristas.
As conversas encontradas no celular do militar indicam que ele estava envolvido até o pescoço em uma conspiração para dar um golpe de Estado. A legislação atual apresenta mecanismos para julgar tais crimes, como os artigos 359-L e 359-M do Código Penal, respectivamente “abolição violenta do Estado democrático de Direito” e “golpe de Estado”, incorporados aos chamados “Crimes contra o Estado democrático de Direito”.
No entanto, se o silêncio de Mauro Cid o protegeu de produzir mais provas contra si mesmo, tal conduta também o fez parecer ainda mais culpado aos olhos de muitos. Porém, por mais constrangedor que seu silêncio e sua postura corporal − por vezes retraída, cabisbaixa ou mesmo expressando uma raiva contida −, o mais vexatório, de fato, foi a farda militar com a qual se apresentou. Como se a vergonha do tenente-coronel e de toda a situação já não fosse o suficiente para expor a força do golpismo entre militares, o Exército emitiu uma nota dizendo que o uso da farda foi recomendação da própria Força.
A situação é mais grave do que parece à primeira vista. Ao usar a farda, Cid passa a representar o próprio Exército, afundando ainda mais na lama a instituição que viu seu nome se sujar em uma relação promíscua com o bolsonarismo. Considerando que ainda há muito por se investigar, a imagem já degradada do Exército pode deteriorar-se ainda mais. Parece que aqueles que tomaram a decisão de autorizar Mauro Cid a usar a farda não entenderam isso. O tenente-coronel está preso há mais de 70 dias e foi da prisão que ele saiu para prestar depoimento. Não precisa dizer mais para explicitar o quão equivocada foi essa decisão.
No entanto, o mais importante de toda essa situação talvez seja a possibilidade de considerar a situação de Mauro Cid não apenas isoladamente, mas como um sintoma de um mal maior que ronda os quartéis: a ideia de que eles são uma espécie de poder moderador, autorizados a intervir na nossa vida política. Na Nova República, eles enxergam isso em uma interpretação deturpada do artigo 142 da Constituição, que diz que as Forças Armadas têm por obrigação prezar pela garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem.
No caso dos atos golpistas de 8 de janeiro, sequer esta deturpação poderia servir como justificativa, visto que de acordo com o artigo 142, as Forças Armadas atuam sob a liderança do presidente, e Lula já estava empossado. Tampouco se pode acreditar que qualquer um dos outros poderes autorizariam um golpe de Estado. Mas o artigo 142 apareceu nas conversas trocadas por Mauro Cid e outros golpistas, assim como foi constantemente pronunciado por militantes bolsonaristas.
O ponto é que as Forças Armadas, e o Exército principalmente, tem um longo histórico de golpes de Estado desde a proclamação da República − esta mesma fruto de um golpe −, sendo a má compreensão do Artigo 142 apenas a última manifestação desse mal que atinge muitos militares que insistem em confundir o crime de lesa-pátria com a salvação desta.
Nesse sentido, a justificativa da nota oficial do Exército de que a autorização do uso da farda por Mauro Cid se deu porque o militar havia sido “convocado para tratar de temas referentes à função para a qual fora designado pela Força” agrava ainda mais a situação. Caso queira, nos próximos anos o Exército terá um longo trabalho para se dissociar do lamaçal bolsonarista.
Ademais, a imagem de Mauro Cid na CPMI se associa não só aos atos golpistas de 8 de janeiro, mas àquela de outro militar que também foi ouvido por outra comissão parlamentar de inquérito: o general Eduardo Pazuello, que esteve à frente do Ministério da Saúde na gestão genocida da pandemia de Covid-19.
O que esta associação mostra − além dos milhares de militares que se envolveram na burocracia governamental de Bolsonaro − é que existe um problema que precisamos encarar enquanto democracia: o que fazer com nossos militares? Como é possível reformar as Forças Armadas, aproveitando seu potencial e extirpando o mal golpista que ainda as assola e tantos danos já fez à nossa democracia? E talvez o mais importante: como fazer para que elas entendam, de uma vez por todas, que em uma república democrática, os militares estão, sempre, submetidos a um poder civil?
O governo Lula tem três desafios principais: melhorar a economia; combater o bolsonarismo antidemocrático; e reformar as Forças Armadas. Os dois primeiros desafios ele vem enfrentando razoavelmente bem, mas no terceiro avançou muito pouco. O primeiro passo seria rever o Artigo 142 da Constituição, mas o mais provável é que essa disputa fique para o futuro. Talvez o golpismo de parte das Forças Armada seja, ao lado da corrupção e da desigualdade social, um dos grandes problemas históricos da democracia brasileira.

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JOTA

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