Opinião e Análise

Thatiane Moreira

A <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/analise/governo-revisa-estrategia-sobre-cpi-do-8-de-janeiro-apos-primeira-troca-ministerial-20042023">CPMI do golpe de 8 de janeiro de 2023</a> começou. O governo Lula tem algo a perder com a instauração desta comissão? Afinal, parece óbvia a culpa de Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Antes de uma resposta rápida para a questão posta, é preciso ter em mente que no mundo bolsonarista o objetivo primeiro não é convencer todos da loucura por eles produzidas, mas plantar uma semente da dúvida, por onde a desinformação possa escoar.
Desde as manifestações bolsonaristas de 7 de setembro de 2021, apareceram nos grupos de Telegram orientações sobre como protestar. Uma das principais instruções é a aplicação de uma espécie de doutrina de não violência, de modo a diferenciar os manifestantes de grupos de esquerda. O princípio pode ser resumido da seguinte forma: “enquanto a esquerda é violenta, quebra tudo, nós somos pacíficos, não deixamos nem uma lixeira quebrada, somos o povo de Deus. Há que mostrar garra sem violência”.
O procedimento de culpar os oponentes pelas possíveis violências nas manifestações bolsonaristas vem sendo gestado há bastante tempo, o que preparou o terreno para a argumentação da extrema direita sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. Os principais argumentos identificados nos grupos de Telegram e que podem ser ecoados nas falas de parlamentares bolsonaristas durante a CPMI do golpe são os seguintes:
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<li>Os apoiadores de Jair Bolsonaro estavam nas ruas há anos e nenhum bem público teria sido danificado. Os bolsonaristas não teriam se portado de modo violento mesmo quando supostamente eram “encurralados pela mídia ativista”. Como então se poderia explicar a suposta mudança repentina de atitude?</li>
<li>Uma analogia replicada nos grupos, a partir de vídeos e falas de influenciadores bolsonaristas, tenta explicar o ocorrido no dia 8 de janeiro: a história de um time de futebol pequeno que desbanca os times tradicionais, mas que na final perde porque o juiz roubou de forma escancarada. A torcida do time pequeno se exalta, e um dirigente do time tradicional vê neste fato uma oportunidade para eliminar um oponente. Decide colocar agitadores entre os torcedores do time rival, assim como pessoas de confiança para guiar os torcedores até o vestiário do juiz. Nesta analogia, a “mídia ativista” mostraria os torcedores do time pequeno como vândalos, o time seria desmoralizado e até mesmo expulso do campeonato. No final da analogia, aparece a afirmação de que o objetivo não é “justificar os atos violentos, não vamos passar pano, mas é importante saber quem incentivou as pessoas”.</li>
<li>Para entender o ocorrido em Brasília seria preciso olhar para os acontecimentos de 6 de janeiro de 2020 nos Estados Unidos. Com a invasão do Capitólio, Donald Trump havia sido acusado “injustamente” de instigar a violência e de atentar contra a democracia. A partir deste fato, a “mídia ativista” teria construído toda uma argumentação para rotular o trumpismo como um movimento antidemocrático, que precisaria ser eliminado. No entanto, vídeos e documentos mais recentes teriam supostamente mostrado uma entrada direcionada dos manifestantes, com o aval daqueles que deveriam proteger o Capitólio. O ponto central da argumentação é que alguém (ou algum partido) possibilitou a entrada dos trumpistas no Capitólio, ou seja, a culpa não teria sido de Trump. Do mesmo modo, alguém (ou algum partido) teria incentivado a entrada de bolsonaristas no Congresso Nacional, e não teria sido Bolsonaro.</li>
<li>Por que a vítima se colocaria contra a investigação do crime? Este enquadramento deixa subentendido a ideia de que se o PT fosse realmente a vítima não temeria a investigação.</li>
<li>“Segundo a Abin, todos que deveriam ser comunicados sobre o risco de vandalismo e violência no Congresso Nacional teriam sido avisados”, inclusive o ministro da Justiça, Flávio Dino. Daí a pergunta: por que o presidente da República e seus ministros não tomaram as devidas providências? Supostos documentos mostrariam que o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) dispensou reforços e não agiu para proteger o Palácio do Planalto, além de dispensar a guarda palaciana. Se havia risco, por que dispensar pessoal? A ideia central deste enquadramento é que a Abin já era comandada por agentes de confiança de Lula e, caso tenha sido negligente, seria por ordem do presidente da república.</li>
<li>No dia 19 de abril de 2023, a CNN divulgou imagens que mostravam o general Gonçalves Dias, o ex-ministro do GSI, circulando pelo Palácio do Planalto no dia da invasão. Dada a proximidade entre Dias e Lula, ocupando cargos de confiança, assim como participando da vida pessoal do atual presidente, o governo teria supostamente decretado o sigilo das imagens. O que seria no mínimo uma hipocrisia, afinal “o nove dedos dizia que não colocaria sigilo, mas quando interessa, ele põe sim. Pode ter certeza que tem mais podre escondido”.</li>
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A CPMI do golpe, assim como a CPI do MST, além de criar um desgaste ao governo, tem outro papel importante, o de gerar engajamento. Os grupos digitais bolsonaristas encontram-se desmotivados, desmobilizados e até com receio de ir às ruas. Tanto que as poucas chamadas para manifestações ocorridas após janeiro eram rotuladas de mensagens de infiltrados, que queriam piorar a já deteriorada imagem do bolsonarismo.
Após a instalação das comissões de inquérito, as resistências para a ação de rua diminuíram, tendo agora data estipulada para acontecer. A ideia vinculada nos grupos é de aumentar o engajamento, na esperança de repetir o que ocorreu com o governo de Dilma Rousseff.
O tema aglutinador, no entanto, não será mais a corrupção, o objetivo é fortalecer a percepção de que a “esquerda” é perigosa, manipuladora e autoritária, tendo a liberdade como mote principal. Resta saber se o adubo da desinformação que será propagado nas comissões de inquérito alcançará o objetivo, o que certamente será um perigo para o campo democrático.

Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto.

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JOTA

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