Opinião e Análise

Warley Brant Pimentel

As datas comemorativas apresentam um enorme potencial simbólico para o campo político. No caso brasileiro, nenhuma delas é mais importante que a celebração da Independência. Enquanto ritual cívico, ela atualiza não somente a soberania nacional: há também repercussão no reconhecimento mútuo de cada um de nós como brasileiros, com todos os significados contraditórios que implicam o sentimento de fazer parte de uma nação.
Os símbolos escolhidos para a celebração, as personalidades que participam, a postura dos governantes e a decoração: o conjunto destes elementos determina o tom e a mensagem passada para o público e indicam os parâmetros normativos da identidade nacional cultivados pelo governo e o Estado nacional. Para ficar mais claro, na seleção destes elementos encontra-se aquilo que o Poder Executivo federal espera que o Brasil seja, de acordo com seu projeto de nação.
É preciso destrinchar um pouco mais esse argumento. Quando se olha para o 7 de Setembro, deve-se atentar para uma distinção, nem sempre clara, entre governo e Estado. Enquanto comemoração máxima de nossa autonomia, as celebrações são, sobretudo, uma questão de Estado — ou seja, a data é relembrada e celebrada todos os anos e deve se identificar com a nação e não com quem está no poder. Sendo assim, o ideal é que ela se vincule à noção de pertencimento comunitário a um determinado espaço físico e simbólico que reconhecemos como Brasil. O sentimento de nação é, portanto, socialmente construído e constantemente reelaborado.
No entanto, a prática é sempre muito diferente do ideal. Quando se trata de política, não raro as questões de Estado se misturam às de governo e, em um nível mais baixo, às dimensões pessoais do ocupante de turno do Planalto. Tais fronteiras são ainda mais tênues se considerarmos que o regime presidencialista funde num mesmo indivíduo os papeis de chefe de Estado e de governo.
Nesse sentido, vale a pena refletir sobre as diferenças entre o que foi visto na celebração deste ano e aquilo que testemunhamos no governo de Jair Bolsonaro (PL), em particular em seus dois últimos anos de mandato. A palavra que resume a comemoração da Independência no primeiro ano do governo Lula 3 é normalidade. Enquanto celebração de caráter cívico-militar, os festejos pela soberania nacional não podem prescindir da presença de integrantes das <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/forcas-armadas">Forças Armadas</a>. No entanto, o lema escolhido (Democracia, Soberania e União) já dava o tom de contenção e pacificação institucional. A foto do presidente <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lula">Luiz Inácio Lula da Silva</a> (PT) dando as mãos aos chefes militares e ao ministro da Defesa, José Múcio, reforçou a ideia de união e normalidade.
A presença de representantes dos Três Poderes seguiu a mesma linha, contrastando com a ausência do Poder Judiciário na comemoração de 2022, em decorrência dos contínuos ataques de Bolsonaro ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Outros destaques não podem deixar de ser mencionados, como a presença de Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; Marina Silva, ministra do Meio Ambiente; além do personagem ficcional Zé Gotinha, simbolizando a importância da vacinação e da saúde pública, também massacrados durante a gestão negacionista de Bolsonaro.
Sem exagerar no verde e amarelo na paleta de cores e com todos aqueles símbolos e personalidades mobilizados, o governo passou uma mensagem clara: o país está voltando à normalidade. O aspecto normativo revelado na disposição desses elementos indica o desejo de seguir em frente e fazer do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/bolsonarismo">bolsonarismo</a> pouco menos que a lembrança de um delírio coletivo, quando o país, por um breve momento, flertou com o autoritarismo personalista de um homem sem qualidades.
Mas se a aparência de normalidade traz tranquilidade aos que reconhecem a importância da democracia, é preciso considerar que esta não deve vir acompanhada de uma diminuição no ímpeto de investigação e condenação dos responsáveis pelos atos golpistas de 8 de janeiro nem dos frequentes ataques de Bolsonaro à democracia e ao sistema eleitoral. Não podemos nos dar o luxo de repetirmos enquanto sociedade os mesmos erros cometidos durante o processo de redemocratização, em que a punição ao golpismo ficou em segundo plano.
Por outra perspectiva, o 7 de Setembro de 2023 pode ser visto como um sinal verde para avançar nessas investigações. Quando o tom de normalidade é comprovado pela ausência de grandes manifestações em contrário, o que pode ser notado é um enfraquecimento do bolsonarismo. Após dois anos consecutivos nos quais a data foi sequestrada por Bolsonaro e seus asseclas, fazendo das comemorações palanque político e ameaça de golpe, o ex-presidente e seus aliados se veem diante de uma série de acusações e processos que colocam sua liberdade por um fio.
Diferentemente do que se passou nas manifestações de massa nas quais centenas de milhares de cidadãos chamavam o ex-presidente de “imbrochável”, num notório estado de descolamento da realidade, Bolsonaro agora sente o gosto amargo da derrota política. O ex-presidente já percebe que a saída do poder costuma vir acompanhada do abandono de aliados. O bolsonarismo segue vivo, mas parece sem direção. Com exceção de alguns parlamentares que se destacam, tendem a se misturar e perder espaço para outros grupos de direita.
Se a comemoração deste ano teve uma coloração mais pálida e menor presença de público, uma coisa deve ser comemorada: a democracia vem sendo reestabelecida e, com isso, podemos voltar as atenções e esforços aos problemas reais, como as desigualdades sociais e a ineficiência do Estado. O primeiro 7 de Setembro do novo governo Lula trouxe, portanto, um alívio considerável para aqueles que, independentemente de preferências políticas, querem um Brasil democrático.

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JOTA

Celebração de data cívica é marcada pelo retorno à normalidade democrática

Bolsonarismo fica em silêncio no primeiro 7 de Setembro de Lula 3

Foto do presidente Lula dando as mãos aos chefes militares e ao ministro da Defesa reforçou a ideia de união e normalidade no 7 de Setembro