Opinião e Análise

Roberta Simões Nascimento

Conforme o art. 173 da CF, ressalvados os casos previstos na própria Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
Presentes tais razões, independentemente da subsidiariedade ou não da atuação do Estado, podem ser criadas empresas públicas e sociedades de economia mista, espécie do gênero empresas estatais, entes que integram a Administração Pública Indireta; portanto, sujeitos a controle.
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Ocorre que o controle sobre empresas estatais é um tema sensível. Nas palavras de Pinto Junior: “O controle governamental muito estrito compromete o dinamismo; porém, se for muito fluido, acabará induzindo a empresa estatal a agir por conta própria e perseguir interesses inadequados. Para superar esse impasse, a teoria da administração recomenda limitar a autonomia política da empresa estatal e, em contrapartida, ampliar a gerencial”. Dessa forma, um dos pilares do controle sobre as estatais é a garantia da autonomia negocial.
À coluna de hoje interessam os mecanismos de controle exercido pelo Poder Legislativo sobre as empresas estatais.
O primeiro deles é o controle sobre a própria criação e supressão dessas entidades, que dependem de autorização legislativa, nos termos do art. 37, inciso XIX, da CF (somente por lei específica poderá ser autorizada a instituição de empresa pública e de sociedade de economia mista). No caso, a iniciativa legislativa é privativa do chefe do Poder Executivo, porquanto se trate de matéria referente à organização administrativa (art. 61, § 1º, inciso II, alínea b, da CF).
O segundo mecanismo de controle parlamentar consiste na aprovação de planos de desenvolvimento, no caso, a criação de subsidiárias e a participação em outras empresas, conforme o art. 37, inciso XX, da CF (depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso XIX, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada).
Aqui, convém registrar que a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm">Lei 13.303/2016</a> (Lei das Estatais), estabeleceu o estatuto jurídico reclamado pelo art. 173, § 1º, da CF, para as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços. Tal lei trouxe grandes avanços em termos de governança corporativa e regime jurídico das licitações e contratos.
A Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (FENAEE) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF/CUT) ajuizaram a <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5093069">ADI 5624</a>, ainda pendente de julgamento definitivo pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>. Por ocasião do julgamento da <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=751504007">medida cautelar</a>, o tribunal fixou que a alienação do controle acionário de empresas públicas e sociedades de economia mista também exige autorização legislativa e licitação pública. Ou seja, o controle parlamentar incide também sobre a desestatização.
Por outro lado, no mesmo julgado, o STF entendeu que a transferência do controle de subsidiárias e controladas não exige a anuência do Poder Legislativo e poderá ser operacionalizada sem processo de licitação pública, desde que garantida a competitividade entre os potenciais interessados e observados os princípios da administração pública constantes do art. 37 da CF.
Na prática, o entendimento criou uma brecha para que as estatais burlem o controle parlamentar sobre a desestatização, pois permite o desinvestimento mediante o fatiamento de ativos pertencentes ao patrimônio da empresa controladora (empresa-mãe) em várias subsidiárias com o propósito de posterior venda direta ao mercado, ocultando uma parcial privatização sem passagem pela autorização legislativa.
Esse problema chegou a ser argumentado na <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5971572">Rcl 42576</a>, apresentada pelas Mesas do Congresso Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, contra a alienação pela Petrobras da Refinaria Landulpho Alves (Rlam) e da Refinaria do Paraná (Repar), processo supostamente não orientado por oportunidades de negócios. No entanto, o STF, por maioria, <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=755432476">indeferiu a medida cautelar</a>, nos termos do voto do ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/alexandre-de-moraes">Alexandre de Moraes</a>, vencidos os ministros <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/edson-fachin">Edson Fachin</a> (relator), <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/rosa-weber">Rosa Weber</a>, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.
Entretanto, foi anunciada <a href="https://www.gazetadopovo.com.br/parana/petrobras-refinaria-repar-parana-venda/">mudança na estratégia</a>, e a venda das refinarias não chegou a ser concretizada.
O terceiro tipo de controle a cargo do Legislativo diz respeito à aprovação do orçamento (art. 48, inciso II, c/c art. 165, § 5º, inciso II, da CF). Como sabido, a lei orçamentária anual (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/LOA">LOA</a>) compreende, além do orçamento fiscal e do orçamento da seguridade social, o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.
O controle orçamentário é um instrumento poderoso, cujo principal propósito é impedir que dotações às empresas estatais com o propósito de burlar os controles mais rigorosos a que estão sujeitos os demais entes da Administração Pública.
Um quarto instrumento de controle parlamentar poderia ser realizado com base na autorização genérica que o constituinte estabeleceu no art. 52, inciso III, alínea f, da CF, pelo qual ao Senado Federal compete aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de titulares de outros cargos que a lei determinar. A sabatina de autoridades já foi tema de diversas colunas anteriores, que podem ser conferidas <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/que-tipo-de-controle-cabe-em-relacao-as-sabatinas">aqui</a>, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/sabatina-senado-notorio-conhecimento-especialidade">aqui</a>, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/existe-hora-marcada-para-se-tornar-ministro-do-stf">aqui</a> e <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/as-licoes-da-sabatina-de-andre-mendonca">aqui</a>.
Entretanto, a jurisprudência do STF reputa ilegítima a intervenção parlamentar no processo de provimento dos cargos de direção das empresas públicas e sociedades de economia mista, por força do art. 173, § 1º, da CF, que subordina as empresas estatais ao regime próprio das empresas privadas, as quais não estão sujeitas à mesma intervenção parlamentar. Assim, para o STF, a arguição prévia pelo Legislativo descaracterizaria a essência do conceito de verdadeiras empresas privadas.
Essa discussão foi objeto de várias ações no STF, por exemplo:
<ul>
<li><a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=759166919">ADI 127</a>, envolvendo a Constituição do Estado de Alagoas, art. 79, inciso V, e seu § 1º, que fixou a competência do Legislativo estadual para arguir “os nomes que o Estado, na qualidade de acionista majoritário, indicar à Assembleia Legislativa das Entidades que compõem o sistema Financeiro e Creditício Oficial do Estado, bem como, das demais Sociedades de Economia Mista, com vistas à eleição para os cargos de Presidente e de Diretores das respectivas Entidades e Empresas”;</li>
<li><a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&amp;docID=346653">ADI 862</a>, que tinha por objeto dispositivo da Constituição do Estado do Amapá, art. 95, inciso XXI, que fixou a competência da Assembleia Legislativa para arguir o nome do Presidente do Banco do Estado indicado pelo Governador;</li>
<li><a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&amp;docID=385469">ADI 1281</a>, versando sobre idêntica previsão contida na Constituição do Estado do Pará, art. 92, inciso XX, que estabeleceu a competência da Assembleia Legislativa para sabatinar os dirigentes das autarquias, empresas públicas, fundações públicas, sociedades de economia mista de que o Estado detenha o controle acionário;</li>
<li><a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&amp;docID=548571">ADI 1642</a>, que teve por objeto a Constituição do Estado de Minas Gerais, art. 62, inciso XXIII, alínea d, com redação dada pela EC 26/1997, que previa a competência de a Assembleia Legislativa aprovar, previamente, após arguição pública, a escolha dos Presidentes das entidades da administração pública indireta;</li>
<li><a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=7065461">ADI 2225</a>, envolvendo a Lei do Estado de Santa Catarina 11.288/1999, que submetia a nomeação para os cargos de presidente, vice-presidente, diretor e membro do Conselho de Administração das autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estaduais à prévia aprovação pela Assembleia Legislativa.</li>
</ul>
Nesse último caso, vale registrar que a Constituição de Santa Catarina, art. 40, inciso XXIII, alínea b, reproduziu a autorização genérica do plano federal de competência do Legislativo estadual para sabatinar titulares de outros cargos ou funções que a lei determinar.
Em todos os julgados acima, restou afastada a possibilidade de aplicar esse instrumento de controle parlamentar prévio às empresas públicas e sociedades de economia mista. Conforme assentado na ementa da ADI 1642: “A intromissão do Poder Legislativo no processo de provimento das diretorias das empresas estatais colide com o princípio da harmonia e interdependência entre os poderes. A escolha dos dirigentes dessas empresas é matéria inserida no âmbito do regime estrutural de cada uma delas”.
Outro argumento contrário a essa modalidade específica de controle parlamentar das empresas estatais é dado por Aragão, para quem “(...) o art. 52, III, “f”, CF, é regra excepcional da separação de poderes, permitindo que um Poder controle a nomeação de posições de confiança realizadas no âmbito de outro Poder. Prevendo ele essa possibilidade apenas para a nomeação em “cargos”, não poderia servir para admitir o controle legislativo também sobre a indicação de empregos públicos”.
A partir do julgamento da <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=754593265">ADI 2167</a>, de 2020, envolvendo a Constituição de Roraima (art. 33, inciso XVIII; e art. 62, parágrafo único), também passou a ser considerada inconstitucional a aprovação legislativa, não só dos dirigentes de empresas públicas e sociedades de economia mista, mas também dos dirigentes de autarquias e fundações públicas. Entendeu-se que há afronta à separação de poderes.
Na prática, tal entendimento esvaziou, no plano estadual, a já comentada autorização genérica constante do art. 52, inciso III, alínea f, da CF, no sentido de que a lei pode prever a submissão, ao Legislativo, de outros cargos, além daqueles já previstos na Constituição.
A seguir por essa lógica jurisprudencial sobre a sabatina dos dirigentes das estatais, também restaria prejudicado o quinto instrumento de controle parlamentar, qual seja, a convocação de autoridades, com base no art. 50 da CF, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada. Nada obstante, essa suposta impossibilidade jurídica da convocação acaba sendo contornada pela prática parlamentar da formulação de convites, mediante entendimentos dos dirigentes das empresas estatais com a Mesa da Casa Legislativa respectiva.
Nesse sentido, por exemplo, cite-se o <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/162471">REQ 23/2024-CAE</a>, de autoria do senador Sérgio Moro (União-PR) para que fosse convidado o senhor Jean Paul Prates, então Presidente da Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras), a comparecer à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, a fim de prestar informações sobre a interferência indevida do Poder Executivo na gestão da Petrobras sobre a política de retenção do pagamento dos dividendos.
Tal requerimento foi aprovado na CAE no dia 12 de março de 2024. Tal comparecimento não chegou a ocorrer, mas revela que tal modalidade de controle parlamentar acaba incidindo, ainda que de forma oblíqua, nesse tipo de situação.
Dispositivo curioso é o que consta do art. 54 da Constituição de Minas Gerais, com redação dada pela EC 103/2019, que prevê expressamente o comparecimento semestral dos dirigentes das entidades da administração indireta estadual, sob pena de responsabilidade no caso de ausência injustificada, para prestarem, pessoalmente, informações sobre a gestão das respectivas entidades.
O desenho dessa competência legislativa mineira claramente diverge do modelo federal, que não impõe nenhuma periodicidade ou agenda de prévio comparecimento, menos ainda de forma a abarcar os dirigentes das empresas estatais. Tanto, que na prática mineira tais comparecimentos vêm correndo na forma de convites e mediante os entendimentos prévios, naturalmente sem a sanção de crime de responsabilidade.
Seja como for, ficam registrados os pontos sobre os cinco mecanismos de controle parlamentar sobre as empresas estatais e as sérias dúvidas sobre se (e em que medida) os entendimentos do STF de fato vêm proporcionando o desejável equilíbrio entre, de um lado, a necessidade de conferir liberdade de gestão empresarial; e, de outro, fazer com que as estatais cumpram adequadamente suas missões públicas.
<hr />
[1] PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. São Paulo: Atlas, 2010, p. 88.
[2] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas estatais: o regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 381.

petrobras 15 03 24

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JOTA

Os mecanismos na prática e a jurisprudência do STF

Que tipo de controle parlamentar cabe sobre as empresas estatais?

Jurisprudência do STF reputa ilegítima a intervenção parlamentar no processo de provimento dos cargos de direção das empresas públicas