Opinião e Análise

Roberta Simões Nascimento

Natasha Salinas

Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil existem discussões candentes sobre a posição constitucional das <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/agencias-reguladoras">agências reguladoras</a>. A teoria tradicional da separação de Poderes falha em dar conta do atual Estado administrativo. 
Fala-se em entidades regulatórias cujos corpos seriam dotados de expertise técnica, politicamente neutros e independentes dos Três Poderes, como uma espécie de quarto poder. Ocorre que só uma percepção errônea sobre o papel dessas instituições conduziria à defesa de estar livre de quaisquer controles ou o seu extremo oposto, isto é, que devem ter cada um de seus atos controlados.
A coluna de hoje não será o suficiente para esgotar o tema, mas, considerando que o Congresso Nacional vem discutindo propostas para modificar o poder normativo das agências reguladoras no Brasil (um bom panorama da discussão em torno da <a href="https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9254126&amp;ts=1677524078761&amp;disposition=inline">emenda 54</a> apresentada à MP 1154/2023, que propõe criar conselhos normativos, está <a href="https://www.conjur.com.br/2023-fev-07/fabrica-leis-conselhos-normativos-serao-retrocesso-atividade-regulatoria">aqui</a>), apresenta-se um interessante instituto adotado nos Estados Unidos: a “revisão congressual”, atualmente disciplinada no Congressional Review Act (CRA), editado em 1996. Trata-se, portanto, de uma previsão legal, não constitucional.
De forma resumida, trata-se de uma ferramenta que pode ser usada para o Congresso superar ou derrubar (overturn) uma norma emitida por uma agência federal. De acordo com o CRA, imediatamente após edição da norma, a agência deve submeter um <a href="https://www.gao.gov/assets/2021-04/Blank%20CRA%20Form.pdf">formulário para cada uma das Casas do Congresso</a> e para o Government Accountability Office (GAO) contendo uma cópia da norma e uma descrição geral concisa. 
O CRA pode derrubar qualquer norma regulatória em vigor. Só estão excluídas da revisão congressual normas: 1) de caráter concreto (particular applicability); 2) relativa à administração e pessoal da agência; e 3) de organização, procedimento ou prática da agência que não afete substancialmente os direitos e obrigações das partes não pertencentes à agência. Tais exceções são explicadas com mais detalhes <a href="https://sgp.fas.org/crs/misc/R45248.pdf">aqui</a>.
Para “desaprovação” da norma da agência pelo Congresso, as duas Casas devem adotar uma resolução conjunta, que pode contar com um procedimento abreviado (fast track) se tramitada em até 60 dias contados a partir do recebimento da notificação da edição da normal. Mas mesmo após esse prazo máximo o Congresso pode anular uma regulação aprovada por uma agência. A diferença é que no último caso a tramitação não se dá de maneira acelerada.
Indicativo de que se quis conferir racionalidade à tramitação desse tipo de moção no Senado são os detalhes de que: 1) não está sujeita à emenda ou adiamentos; 2) seu debate (e recursos respectivos) não pode ultrapassar 10 horas, divididas igualmente entre os que estão a favor e contra a resolução conjunta; e 3) passados 20 dias do recebimento do relatório, um requerimento assinado por 30 senadores pode dispensar a avaliação da comissão e levar o assunto para deliberação direta no plenário. Com isso, evita-se o filibusterismo, obrigando os parlamentares a debater a questão no tempo e da forma mais objetiva possível.
No entanto, na Câmara dos Representantes não existe um procedimento específico para a desaprovação das normas das agências, o que torna menor a probabilidade de que esse tipo de iniciativa seja considerada.
Vale registrar que cada resolução conjunta de desaprovação deve ter por objeto uma única norma da agência e alcançar a sua integralidade (não existe a opção de que a reprovação alcance apenas alguns trechos ou aspectos). Além disso, a resolução conjunta está sujeita ao veto presidencial, o que torna bastante improvável a utilização do CRA na maioria dos casos. 
A seção 805 do CRA estabelece que tal resolução não se sujeita à revisão judicial. No entanto, na prática, permite-se a discussão da regularidade procedimental da resolução e, no caso de não aprovação, sobre o mérito da norma da própria agência.
Essa lógica casa bem com a previsão do CRA no sentido de que, se o Congresso não promulgar uma resolução conjunta de desaprovação sob a seção 802 (do CRA) a respeito de uma determinada norma, nenhum tribunal ou agência poderá inferir qualquer intenção do Legislativo a partir de qualquer ação ou inação do Congresso em relação a tal norma, legislação relacionada ou resolução conjunta de desaprovação.
É dizer, resta vedada a compreensão de uma suposta chancela do Congresso pelo simples fato de não ter derrubado a norma da agência.
Uma consequência importante dessa ferramenta de “revisão congressual” está em que a agência fica impedida de aprovar outra norma substancialmente idêntica à que foi reprovada, a menos que haja uma autorização do Congresso em lei posterior. De certa forma, cria-se com isso um certo risco de engessamento pouco interessante para o progresso da regulação. É discutível que normas com conteúdo semelhante ou conexão não possam ser editadas pela agência posteriormente.
Ou seja, tem um efeito de longo prazo que afeta a capacidade normativa da agência. A resolução de desaprovação pode, inclusive, oferecer recomendações sobre a reedição da regra.
<a href="https://sgp.fas.org/crs/misc/R43992.pdf">Desde que foi editado em 1996, o CRA foi usado para derrubar um total de 20 normas</a>: 1 no 107º Congresso (2001-2002), 16 no 115º Congresso (2017-2018) e 3 no 117º Congresso (2021-2022).
O número pode parecer baixo, mas existe a compreensão de que as disposições do CRA contribuem para aumentar a conscientização do Congresso sobre as ações da agência. Uma espécie de supervisão mais rotineira, que entraria para o controle do tipo “patrulha de polícia” <a href="https://www.jstor.org/stable/2110792">na classificação de Mathew D. McCubbins e Thomas Schwartz</a>.
Por vezes, a simples apresentação ou ameaça de aprovação da resolução conjunta para revisar a regulação das agências funciona como mecanismo de pressão parlamentar para a agência alcançar um determinado resultado, um “veto parlamentar”, como explicado <a href="https://www.conjur.com.br/2023-abr-04/fabrica-leis-vetos-parlamentares-atividade-regulatoria-poder-executivo">aqui</a>. 
Nesse sentido, a grande verdade é que os legisladores dispõem de uma variedade de instrumentos para influenciar os rumos da elaboração da regulação e políticas públicas, mesmo no âmbito das agências reguladoras.
Esse também é o argumento de <a href="https://www.jstor.org/stable/3555098">Steven J. Balla</a>, que dá conta de que a “revisão congressual” teve impacto no desenvolvimento de diversas normas, ainda que não necessariamente as mudanças tenham sido apoiadas por um grande número de parlamentares. Ainda assim, o advento do CRA faz parte de um movimento para que as agências justifiquem suas opções em termos de riscos, custos e benefícios e externalidades negativas.
O que há de mais parecido a essa “revisão congressual” no Brasil é a previsão do art. 49, V, da CF, pelo qual é da competência exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Algumas informações importantes sobre como essa competência vem sendo usada na prática em relação às agências reguladoras estão <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-avanco-do-congresso-sobre-as-tarifas-de-energia-eletrica-17052022">aqui</a>. 
Entre os achados mais interessantes da referida pesquisa empírica está o fato de que os parlamentares vêm tentando, ainda que sem sucesso, sustar atos normativos de agências com base em “juízo de oportunidade e conveniência” da norma da agência, o que a priori não seria um uso possível no Brasil, embora o seja na ferramenta dos EUA.
As diferenças de uma ferramenta e de outra estão sobretudo em que no Brasil: 1) o decreto legislativo do Congresso Nacional não depende de sanção ou veto do presidente da República, o que se exige na “revisão congressual” americana; 2) em princípio, as normas das agências não poderiam ser sustadas por motivos de conveniência e oportunidade; e 3) inexiste a obrigatoriedade de que as agências remetam a regulação ao Congresso, dificultando, na prática, a supervisão, diferentemente do que ocorre nos EUA, cuja sistemática mitiga a desvantagem informacional dos parlamentares. 
Nesse panorama, no lugar da criação de conselhos normativos formados por representantes opacos – pois a proposta não dá maiores detalhes sobre os critérios de indicação, mandato, accountability etc. –, talvez fosse o caso de usar uma emenda constitucional ou mesmo aprovar uma lei específica, infraconstitucional, para aperfeiçoar a atuação do Congresso Nacional de forma semelhante à “revisão congressual” americana.
Com isso, ao mesmo tempo em que seria ampliado o escopo do controle sobre a atividade regulatória das agências, o modelo aqui sugerido (alternativo aos conselhos normativos) proporcionaria mais transparência e alinhamento institucional (concordância entre os poderes efetivamente eleitos) sobre a necessidade de sustação e a respeito dos rumos da política regulatória do país.

congresso centrao

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JOTA

Uma alternativa aos conselhos normativos da emenda 54 à MP 1154/2023

O poder do Congresso para &#8216;desaprovar&#8217; normas de agências reguladoras nos EUA

O poder do Congresso para 'desaprovar' normas de agências reguladoras nos EUA

Revisão congressual: uma alternativa aos conselhos normativos da emenda 54 à Medida Provisória 1154/2023 para as agências reguladoras