Opinião e Análise

Roberta Simões Nascimento

O controle parlamentar é artefato necessário em qualquer arquitetura democrática, sendo o instrumento indispensável para garantir que a vontade dos legisladores não seja desvirtuada, seja pelo Poder Executivo, seja pela burocracia, no momento de ser implementada na prática.
Existem diversas modalidades de controle parlamentar. Colunas passadas já se dedicaram ao controle parlamentar <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/controle-parlamentar-requerimentos-de-informacao-camara-16022022">via requerimentos de informação escrita</a> (art. 50, § 2º, da CF) e às <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/que-tipo-de-controle-cabe-em-relacao-as-sabatinas-11052022">sabatinas</a>, que são o controle ex ante sobre a indicação de autoridades por parte do presidente da República (art. 52, incisos III e IV, da CF).
Um dos controles menos conhecidos é o realizado sobre a atividade de inteligência, tema da coluna de hoje. Por inteligência, entende-se a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório, a ação governamental, a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado. Essa é a definição da legislação.
Em outras palavras, a inteligência equivale à produção de conhecimentos relacionados à segurança nacional (de ordem externa ou interna) que serão utilizados no processo decisório da alta administração.
O controle parlamentar da atividade de inteligência não conta com previsão constitucional, tendo sua base na <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9883.htm">Lei 9.883/1999</a>, que institui o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), cria a Agência Brasileira de Inteligência (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/abin">Abin</a>), e dá outras providências.
O art. 6º da referida lei prevê que o controle e a fiscalização externos da atividade de inteligência serão exercidos pelo Poder Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacional, que definirá seu funcionamento e a forma de desenvolvimento dos seus trabalhos.
Esse ato é a <a href="https://www25.senado.leg.br/documents/59501/97776632/Resolu%C3%A7%C3%A3o+n%C2%BA+2-2013-CN.pdf">Resolução 2/2013 do Congresso Nacional</a>, que dispõe sobre a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), encarregada de controlar e fiscalizar os atos decorrentes da execução da Política Nacional de Inteligência.
Tal controle compreende as ações exercidas pelos órgãos componentes do Sisbin em todo o ciclo da inteligência, entre as quais as atividades de reunião, por coleta ou busca, análise de informações, produção de conhecimento, e difusão, bem como a função de contrainteligência e quaisquer operações a elas relacionadas.
A CCAI é composta pelos presidentes da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, pelos Líderes da Maioria e da Minoria em cada uma das Casas Legislativas, e por mais seis parlamentares indicados na forma prevista no art. 7º da Resolução 2/2013, que é o atual regimento interno da CCAI (RICCAI).
A partir do simples perfil de seus membros, é possível antever que a CCAI tem problemas para se reunir, já que a agenda dos presidentes e dos líderes é repleta de compromissos. Além disso, é comum existir um grande desconhecimento por parte dos próprios parlamentares e assessores a respeito das atividades de inteligência.
Como resultado dessas duas peculiaridades, a atuação da CCAI acaba sendo relativamente pouco efetiva, a despeito do caráter fundamental do controle a ser exercido para impedir a utilização dos órgãos de inteligência para fins político-eleitorais.
Mas a CCAI pode fazer mais do que evitar a politização do Sisbin. Um trabalho mais ativo da CCAI cumpriria um papel importante – talvez até mais que o de uma CPI – para desvendar os acontecimentos do último dia 8 de janeiro, por exemplo. 
Isso porque a CCAI tem competência para convocar ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações sobre assuntos relacionados às atividades de inteligência e contrainteligência e à salvaguarda de assuntos sigilosos, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada (art. 50, caput, da CF c/c art. 5º do RICCAI).
Compete, ainda, à CCAI, convidar qualquer autoridade ou cidadão para prestar esclarecimentos sobre assuntos relacionados à atividade de inteligência, contrainteligência ou salvaguarda de informações. No caso de convite, como sabido, inexiste a sanção como crime de responsabilidade.
Nessas ocasiões, diversas perguntas poderiam ser feitas pela CCAI. Aqui vão algumas sugestões que têm pertinência com os atos de 8 de janeiro: 1) para quais autoridades foram enviados relatórios de inteligência informando sobre os movimentos em direção à Brasília? 2) com que antecedência isso foi feito? 3) qual foi a intensidade do aconselhamento sobre cautelas a serem tomadas? (Relatórios de inteligência costumam contar com algum tipo de recomendação, que pode ser um mero acompanhamento, a adoção de providências com caráter urgente ou não etc). Isso só para ficar no básico.
Além das convocações e convites, a CCAI tem entre suas diversas atribuições a competência para acessar áreas, instalações, arquivos e todo tipo de informação, inclusive a classificada como sigilosa. A CCAI ainda pode solicitar relatórios sobre as atividades de inteligência a serem encaminhados pelo Poder Executivo (via Mesa das Casas Legislativas, na forma do art. 50, § 2º, da CF, isto é, requerimentos de informação escrita), os quais também são classificados como secretos, sendo vedado à CCAI mudar ou desclassificar informações.
No máximo, se a CCAI entender que a informação classificada deva ser de conhecimento público, deverá informar ao titular do órgão respectivo do Sisbin, cabendo à autoridade competente ou hierarquicamente superior do referido órgão decidir pela desclassificação ou alteração da classificação (art. 13, § 2º, do RICCAI).
Parlamentares que não compõem a CCAI também podem vir a acessar informações sigilosas, mas existe um procedimento específico para isso previsto nos arts. 16 e seguintes do RICCAI.
No caso, tais requerimentos de informação apresentados por quaisquer parlamentares ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional à CCAI não se confundem com os pedidos escritos de informações previstos no art. 50, § 2º, da Constituição. É que os requerimentos dirigidos à CCAI têm por objeto o acesso a informações, inclusive sigilosas, sob custódia da CCAI na condição de órgão de controle externo da atividade de inteligência.
Nos termos do art. 17 do RICCAI, o pedido de informações que o parlamentar ou comissão encaminha à CCAI deve: 1) justificar o interesse específico relativo ao conhecimento da matéria objeto do pedido de informações; 2) explicitar o uso que dará às informações obtidas; 3) assinar termo de compromisso relativo à obediência das normas legais referentes ao trato e manuseio das informações sigilosas a que tiver acesso.
Recebido o requerimento de informações apresentado por parlamentar ou comissão, a CCAI submeterá o pedido à discussão e votação, em turno único, dentro do prazo de 30 dias úteis contados do recebimento. Decorrido tal prazo, se o presidente da CCAI não incluir o requerimento na ordem do dia da comissão, ele será automaticamente incluído na pauta da reunião subsequente, sobrestando-se a apreciação, pela CCAI, de toda e qualquer outra matéria.
Da decisão da CCAI que negar provimento ao requerimento de informações caberá recurso ao plenário da Casa a que pertencer o requerente, no prazo de 10 dias úteis, contados da data da reunião em que foi negado provimento ao pedido. Trata-se da disciplina constante do art. 18 do RICCAI.
Além dessas atribuições mencionadas, outra competência importante da CCAI consiste no acompanhamento da execução das dotações orçamentárias dos órgãos e entidades da administração direta ou indireta que realizem atividades de inteligência e contrainteligência. De fato, verificar se os recursos vêm sendo empregados de maneira apropriada é um importante indicador do desempenho dos serviços de inteligência.
Tudo o que foi elencado até aqui se dá sem prejuízo de realizar audiências públicas, apresentar proposições, examinar e apresentar sugestões à Política Nacional de Inteligência, analisar a proposta orçamentária relativa aos órgãos do Sisbin, e demais poderes de quaisquer comissões, em conformidade com o art. 58, § 2º, da CF.
Há praticamente nada escrito no Brasil sobre esse tipo de controle parlamentar. Uma das poucas exceções é o trabalho de <a href="https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/198697/000897821.pdf?sequence=1&amp;isAllowed=y">Joanisval Brito Gonçalves</a>, que tem uma <a href="https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1262/1/TESE_2008_JoanisvalBritoGoncalves.pdf">tese de doutorado</a> sobre o assunto. Para mais detalhes sobre as atividades da CCAI, há poucos relatórios, como <a href="https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/801dc07e-afc7-4bbe-942b-84c41c17d471">esse daqui de 2015</a>. Já lá fora, há até diretrizes para tornar esse controle mais efetivo, como o <a href="https://www.dcaf.ch/sites/default/files/publications/documents/making-intelligence.pdf">Making Intelligence Accountable: Legal Standards and Best Practice</a>.
Se “o preço da liberdade é a eterna vigilância” (frase atribuída a Thomas Jefferson), bem que a CCAI poderia colaborar. Como se acaba de ver, existe um grande potencial no controle parlamentar da atividade de inteligência.

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JOTA

Quais são as competências da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência?


O controle parlamentar da atividade de inteligência

Quais são as competências da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência?