Opinião e Análise

Roberta Simões Nascimento

No último dia 9 de junho, os deputados federais Adriana Miguel Ventura, Carlos Roberto Coelho de Mattos Junior, Delegado Éder Mauro, Eduardo Nantes Bolsonaro, Gilberto Gomes da Silva, Gilson Marques Vieira, José Mendonça Bezerra Filho, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Marcel Van Hattem, Mario Frias e o senador Eduardo Girão impetraram o <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6663417">MS 39.244</a> contra a aprovação da <a href="https://www.jota.info/legislativo/apos-pressao-senado-aprova-mp-da-reestruturacao-ministerial-sem-sustos-veja-como-ficou-01062023">MP 1154/2023, que trata da reestruturação dos ministérios</a>. A matéria está para sanção ou veto do presidente da República até o próximo dia 26.
A discussão posta é interessantíssima e vale a pena refletir sobre a controvérsia trazida no writ distribuído ao ministro Luiz Fux. De acordo com os impetrantes, a MP 1154 teria sido submetida à deliberação da Câmara e do Senado quando supostamente já se teria operado sua caducidade.
Como sabido, a referida MP foi publicada no dia 1º de janeiro de 2023 e, muito embora a contagem do prazo constitucional de 120 dias se suspenda durante os períodos de recesso parlamentar por força do art. 62, §§ 3º e 4º, da CF, o fato é que houve convocação extraordinária do Congresso Nacional, de modo que as Casas Legislativas funcionaram nos dias 9 e 10 de janeiro de 2023 para a deliberação sobre o Decreto 11.377/2023.
Tal decreto foi o que estabeleceu a intervenção federal na área de segurança pública do Distrito Federal como consequência dos atos de vandalismo praticados contra os edifícios que compõem a Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023.
Com isso, para os impetrantes, a convocação extraordinária deveria ter implicado a inclusão da MP 1154/2023 na pauta das sessões extraordinárias convocadas, à luz do art. 57, § 6º, inciso I, e §§ 7º e 8º, da CF.
Os impetrantes reclamam também que não foram computados os referidos dias 9 e 10 de janeiro de 2023 na contagem do prazo decadencial de 120 dias para a conversão da MP 1154 em lei, o que afetaria o dies a quo e o dies ad quem de sua tramitação, os quais a rigor deveriam ter sido o dia 9 de janeiro e o dia 30 de maio de 2023, respectivamente.
Fundamentam, ainda, a incidência do art. 18, parágrafo único, da Resolução 1, de 2002, do Congresso Nacional, e sustentam que, de um jeito ou de outro, a MP 1154 teria sido submetida à votação tanto na Câmara quanto no Senado quando já operada sua caducidade.
Aqui, já não se vai repetir a crítica da <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/o-que-e-o-devido-processo-legislativo-17022021">fragilidade da construção jurisprudencial que permite a utilização do mandado de segurança para o controle judicial do processo legislativo</a>. Nem se vai insistir que <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/enrolled-bill-doctrine-ebd-07072021">a discussão sobre o sentido e o alcance de norma regimental é matéria interna corporis</a>. Passa-se diretamente ao raciocínio que parece o mais adequado para o deslinde da controvérsia.
Em primeiro lugar, deve-se iniciar distinguindo a legislatura da sessão legislativa. A legislatura corresponde ao período do mandato parlamentar (4 anos). Já a sessão legislativa corresponde ao período de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro de cada ano, conforme previsto no art. 57, caput, da CF.
A sessão legislativa a que se refere a CF diz respeito ao “ano legislativo”, que corresponde a dois “períodos legislativos” (divisão semestral), e indica a temporada em que se concentram as principais atividades parlamentares. Fora desse período, tem-se o chamado recesso parlamentar.
Em segundo lugar, é preciso explicar que a sessão legislativa do art. 57, caput, da CF engloba tanto as sessões deliberativas ordinárias quanto as sessões deliberativas extraordinárias, ambas ocorridas dentro do “ano legislativo”. O caráter ordinário ou extraordinário das sessões é matéria cuja definição ficou a cargo dos regimentos internos das Casas Legislativas.
As sessões ordinárias são as fixadas regimentalmente para terem lugar: 1) no caso da Câmara, uma vez por dia, de terça a quinta-feira, iniciando-se às 14 horas (art. 65 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – RICD); e 2) no caso do Senado, de segunda a quinta-feira às 14 horas e às sextas-feiras às 9 horas, quando houver ordem do dia previamente designada (art. 154 do Regimento Interno do Senado Federal – RISF). Por seu turno, as sessões extraordinárias são as realizadas em dias ou horas diversos dos prefixados para as ordinárias.
Como já indicado, fora da sessão legislativa ocorre o recesso parlamentar. No entanto, em sendo necessário, poderá ocorrer convocação extraordinária do Congresso Nacional e tal sessão convocada extraordinariamente corresponde a uma sessão legislativa extraordinária, que tem como fundamento constitucional a previsão do art. 57, § 6º, da CF.
Tal sessão legislativa extraordinária não se confunde com o caráter ordinário ou extraordinário das suas sessões deliberativas, na medida em que, como se acaba de ver, esse último assunto é matéria regimental, dependendo exclusivamente do dia e horário em que marcada a deliberação parlamentar.
Além disso, cumpre registrar que a sessão legislativa extraordinária (art. 57, § 6º) tem o caráter de uma sessão autônoma em relação à sessão legislativa ordinária (art. 57, caput, da CF). Por essa lógica, o que ocorre no curso da convocação extraordinária não influencia nem é influenciado pela sessão legislativa ordinária. Inclusive, isso já foi reconhecido por ocasião da <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&amp;docID=347383">ADI 2.010-MC</a>.
O art. 57, § 6º, da CF prevê duas hipóteses de convocação extraordinária: a primeira, por ato unipessoal do presidente do Senado Federal, em caso de decretação de estado de defesa ou de intervenção federal, de pedido de autorização para a decretação de estado de sítio e para o compromisso e a posse do presidente e do vice-presidente da República, independentemente de aprovação dos membros das Casas Legislativas; e a segunda, em caso de urgência ou interesse público relevante, a ser aprovada pela maioria absoluta de cada uma das Casas do Congresso, por solicitação do presidente da República, dos presidentes da Câmara e do Senado ou por requerimento da maioria dos membros de ambas as Casas.
Explicada essa diferença entre a sessão legislativa ordinária do art. 57, caput, da Constituição e sessão legislativa mediante convocação extraordinária nos termos do art. 57, § 6º, bem como esclarecido que dentro da sessão legislativa podem ocorrer sessões deliberativas ordinárias e extraordinárias dependendo do dia e hora em que designadas, tem-se que a previsão do art. 18, parágrafo único, da Resolução 1, de 2002, do Congresso Nacional faz remissão precisamente aos tipos de sessões deliberativas conforme o dia e hora, nos termos regimentais, e não aos períodos constitucionais da sessão legislativa do art. 57, caput, ou à sessão convocada extraordinariamente durante o recesso parlamentar nos termos do art. 57, § 6º, da CF.
Por essa lógica, a convocação extraordinária do Congresso não tem o efeito de “antecipar” o dies a quo da contagem do prazo constitucional para apreciação de medidas provisórias, na medida em que esse depende, necessariamente, do início da sessão legislativa do art. 57, caput, ainda que nesse dia, em razão do dia da semana e horário, tenha havido uma sessão deliberativa extraordinária, e não uma sessão ordinária.
Só esse argumento bastaria para atestar a regularidade da contagem dos prazos da MP 1154. Mas também é importante olhar para a exegese das próprias normas constitucionais envolvidas na questão.
A interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais obriga a que se considere o art. 62, §§ 3º e 4º, da CF como lex specialis em relação ao art. 57, §§ 6º a 8º. Disso decorrem duas consequências importantes para a interpretação dos referidos dispositivos constitucionais.
A primeira vai no sentido de que o art. 62, § 4º, da CF – ao estabelecer que os períodos de recesso parlamentar “suspendem” a contagem do prazo do art. 62, § 3º – tem dupla significação: significa que tanto o prazo que já se iniciou somente voltará a fluir após o fim do recesso parlamentar (contado o período anteriormente transcorrido), quanto que o prazo que sequer teve sua contagem iniciada não começará a fluir, sob hipótese alguma, nesse período de recesso parlamentar. Dito com outras palavras, o que o art. 62, § 4º, da CF determina, na prática, é que o prazo do art. 62, § 3º jamais corre fora da sessão legislativa do art. 57, caput, da CF.
A segunda consequência consiste em que, precisamente por isso, o art. 57, § 8º, da CF – ao dispor sobre a inclusão das medidas provisórias em vigor na pauta da convocação extraordinária do Congresso Nacional – não tem o condão de “iniciar” ou “acelerar” a contagem do prazo constitucional de 120 dias previsto no art. 62, § 3º, dispositivo esse que tem o caráter de norma especial no caso. Ou seja, a convocação extraordinária do art. 57, § 6º, da CF não provoca o “vencimento antecipado” do prazo constitucional de que o próprio Congresso Nacional dispõe para apreciar as medidas provisórias.
Do contrário, estar-se-ia conferindo um poder não previsto constitucionalmente em relação à convocação extraordinária, o que, além de corresponder a um entendimento absurdo, representaria a negação do poder de agenda já reconhecido pelo próprio STF em relação às medidas provisórias, na linha do já explicado quanto ao <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=754229860">MS 27.931</a>.
O âmbito de aplicação que subsiste em relação ao art. 57, § 8º, diz respeito à autorização para que excepcionalmente possam ser apreciadas medidas provisórias durante a convocação extraordinária do Congresso, o que antes da EC nº 32/2001 era estritamente proibido, já que tradicionalmente o constituinte originário tinha estabelecido que somente poderia haver deliberação sobre a matéria que ensejou a convocação extraordinária.
Assim, apenas se o Congresso Nacional quiser – trata-se de uma permissão, não de uma obrigação – poderá deliberar sobre medidas provisórias durante a convocação extraordinária. Nada obstante, dado que essa convocação extraordinária assume características de autonomia e independência que a fazem apartada da sessão legislativa do art. 57, caput, não fica submetida ao trancamento pauta, tampouco interfere na fluência de qualquer prazo constitucional de caducidade.
Por fim, também <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/de-novo-sobre-a-devolucao-de-medidas-provisorias-15092021">do ponto de vista das práticas legislativas</a> – e a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/podem-ser-reeleitos-os-presidentes-da-camara-e-do-senado-12082020">estatura constitucional desses costumes</a> é sempre digna de consideração –, convém dar notícia de que jamais se cogitou de que durante as sessões preparatórias – a partir do dia 1º de fevereiro na primeira e na terceira sessões legislativas de cada legislatura (art. 57, § 4º, da CF) –, correria o prazo do art. 62, § 3º, porque, repise-se, o art. 62, § 4º, impede essa contagem ocorra fora da sessão legislativa delimitada no art. 57, caput, da CF.
Com isso, em resumo, tem-se que o art. 62, § 4º, da CF impede a fluência de qualquer prazo quanto às medidas provisórias editadas durante o recesso parlamentar, ainda que o Congresso Nacional venha a ser convocado extraordinariamente com base no art. 57, § 6º, da CF.
Dessa forma, no caso da MP 1154, publicada no dia 1º de janeiro de 2023 (isto é, durante o recesso parlamentar), o dies a quo do prazo constitucional só começaria no dia 2 de fevereiro (início da sessão legislativa ordinária), conforme o art. 57, caput, da CF. Sempre foi assim no Congresso.
Agora judicializada a questão, resta saber se será mesmo essa a lógica a ser adotada no STF.

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JOTA

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