Opinião e Análise

Roberta Simões Nascimento

Como <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/moraes-pede-a-pgr-para-analisar-suspensao-da-posse-de-deputados-bolsonaristas-27012023">noticiado pelo JOTA</a>, o Grupo Prerrogativas pediu a suspensão dos efeitos jurídicos da diplomação, de forma a impedir a posse no dia 1º de fevereiro de 2023, de 11 deputados federais eleitos ou reeleitos: André Fernandes (PL-CE), Carlos Jordy (PL-RJ), João Henrique Catan (PL-MS), Luiz Ovando (PP-MS), Marcos Pollon (PL-MS), Nikolas Ferreira (PL-MG), Rafael Tavares (PRTB-MS), Rodolfo Nogueira (PL-MS), Sargento Rodrigues (PL-MG), Silvia Waiãpi (PL-AP) e Walber Virgolino (PL-PB).
O pedido foi formulado os autos no Inquérito 4.923, aberto para apurar a responsabilidade de autoridades por suposta omissão pelos atos de vandalismo às sedes dos Três Poderes no último dia 8 de janeiro. Os demais inquéritos abertos podem ser conferidos <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-ja-soma-7-novos-inqueritos-sobre-atos-antidemocraticos-23012023">aqui</a>.
Segundo o pedido do Grupo Prerrogativas, “não é aceitável ou imaginável que pessoas que tenham sido eleitas como representantes do povo em um regime democrático, por meio de eleição livre, possam apoiar, incentivar e mesmo participar de atos que atentem contra o Estado Democrático de Direito”.
O <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/01/inq-4923-259-despacho.pdf">ministro Alexandre de Moraes deu 24 horas</a> para que a PGR se manifestasse. <a href="https://www.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2023/01/inq-4923-manifestacao_280120231838.pdf">Em sua manifestação, a PGR</a> registrou que os parlamentares em questão estão acobertados pelas prerrogativas parlamentares, cujo início se dá com a diplomação e que, até o presente momento, não existiriam “elementos que indiquem que os Deputados apontados na petição tenham concorrido, ainda que por incitação, para os crimes executados no dia 08 de janeiro” (p. 5).
A manifestação da PGR aponta que eventuais atos praticados por deputado eleito e diplomado previsto como atentatório ao decoro parlamentar será apurado e processado nos termos do Regimento Interno e do Código de Ética da Câmara dos Deputados.
Quanto ao ponto, cabe recordar – como também já explicado em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/conselhos-de-etica-decoro-parlamentar-28102020">coluna passada</a> – que o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados não estabeleceu qualquer tipo de exigência quanto aos fatos imputados serem referentes a período posterior ao mandato, diferentemente do seu equivalente do Senado Federal, cujo art. 14, § 1º, inciso III, exigiu a contemporaneidade entre os atos praticados e a legislatura.
Felizmente, o pedido do Grupo Prerrogativas foi rejeitado, como anunciado <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/moraes-rejeita-pedido-para-impedir-posse-de-deputados-bolsonaristas-no-congresso-30012023">aqui</a>. A <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/01/inq-4923-11-deputados.pdf">decisão do ministro Alexandre de Moraes basicamente encampou a argumentação da PGR</a>. A rigor, o pedido deveria ter sido indeferido sem oitiva de qualquer autoridade, de tão absurdo que é. E é necessário ir além dos argumentos apresentados pela PGR.
Em primeiro lugar, porque não existe medida cautelar voltada para impedir a posse de parlamentares diplomados. Nem a Constituição, nem a legislação contemplam essa possibilidade, que seria um extrapolamento até mesmo da cautelar de afastamento do mandato cuja constitucionalidade foi reconhecida na <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=747870228">ADI nº 5526</a>. Não cabe ao STF impedir a investidura de parlamentar eleito ao cargo.
O mesmo pode ser dito em relação à pretensão de suspender os efeitos jurídicos da diplomação. Inclusive, o próprio art. 216 do Código Eleitoral (CE) prevê que, enquanto o TSE não decidir sobre o eventual recurso interposto contra a expedição do diploma, poderá o diplomado exercer o mandato em toda a sua plenitude. Tal recurso contra expedição do diploma deverá ser interposto no prazo de 3 dias após a diplomação (art. 262, § 3º, do CE).
Vale registrar que a diplomação é a última fase do processo eleitoral, por intermédio da qual os eleitos são credenciados à investidura no cargo. Pelo ato, resta sacramentado o resultado das eleições. Quem recebe o diploma está habilitado a ser investido no mandato para o qual foi escolhido.
Inclusive, por ocasião do <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=29669084&amp;ext=.pdf">MS 30.459-MC</a>, o ministro Ricardo Lewandowski chegou a afirmar que a diplomação é “um ato jurídico perfeito e acabado, somente podendo ser desconstituída nos casos estritamente previstos na legislação eleitoral e na Constituição, resguardados, evidentemente, os princípios do devido processo legal” (p. 5).
A diplomação marca o fim da jurisdição eleitoral e também é o momento a partir do qual começa a vigorar o chamado “Estatuto dos Congressistas”, nos termos do art. 53 da CF, com destaque para o foro por prerrogativa de função, a imunidade formal, e também as vedações por força do art. 54 da CF.
No que diz respeito à imunidade material do art. 53, caput, da CF, embora o texto constitucional não faça menção ao momento de seu início, entende-se aqui que igualmente seria a partir da diplomação, mesmo em se considerando o entendimento do STF já explicado em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/adeus-imunidade-parlamentar-03032021">coluna passada</a> no sentido de que a inviolabilidade só alcança as opiniões, palavras e votos exarados no exercício do mandato (in officio) ou em função dele (propter officium).
Isso porque, conforme assentado pelo próprio STF, é irrelevante o “local” em que emitidas as manifestações: a imunidade material alcança não só a tribuna da Casa Legislativa ou as suas dependências, mas as palavras e opiniões proferidas fora do recinto parlamentar, desde que relacionadas ao mister de representante do povo.
Em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/prisao-de-parlamentares-cautelar-afastamento-mandato-21102020">outras colunas</a>, já se teve oportunidade de apontar e criticar duramente os <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/perda-do-mandato-e-efeito-automatico-e-irreversivel-da-condenacao-penal-27042022">malabarismos interpretativos do STF para restringir as prerrogativas parlamentares</a>. Sem dúvidas, a Seção V (dos deputados e dos senadores) do Capítulo I (do Poder Legislativo) do Título IV (da organização dos poderes) é o trecho da Constituição cuja leitura é a mais “traiçoeira”, tamanha a disparidade entre o que preveem suas disposições normativas e a correspondente jurisprudência consolidada do STF.
Sem pretensões de entrar no mérito sobre a necessidade ou o acerto ou não de tudo isso, o fato é que a Corte vem retirando determinados conteúdos da imunidade parlamentar material, como ocorreu com o julgamento da <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=753943105">Pet 7174</a>, do <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=755857214">Inq 4781 Ref</a> e, depois, da <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=761505043">AP 1044</a>.
Nessa última, afirmou-se que não incide a liberdade de expressão ou a imunidade parlamentar nas hipóteses de propagação de discursos de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito.
Restou textualmente assentado que: “A garantia constitucional da imunidade parlamentar material somente incide no caso de as manifestações guardarem conexão com o desempenho da função legislativa ou que sejam proferidas em razão desta, não sendo possível utilizá-la como verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas.”
Assim, por mais que a rigor as postagens dos parlamentares eleitos estejam abarcadas pela imunidade material, já não adiantaria bater nessa tecla. Mas, ainda que se entenda que alguma postagem de parlamentares eleitos não está abarcada pela imunidade material (em razão do seu conteúdo, e não pelo marco temporal de sua incidência, pois, como se acaba de ver, a inviolabilidade também tem início a partir da diplomação), mesmo assim não seria possível uma liminar para impedir a posse.
Isso porque, já em segundo lugar, as únicas hipóteses de perda do cargo são as elencadas no art. 55 da CF. O marco temporal de aplicação desse regime especial, entende-se aqui, também é a diplomação.
Não custa lembrar que, especificamente quanto à prática de crimes (inciso VI), exige-se o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, de maneira que, seja no curso do inquérito, seja da ação penal, nenhuma medida cautelar pode antecipar os efeitos de uma eventual perda do mandato que somente poderia ser acarretada por uma futura condenação criminal e nos termos do art. 55, § 2º, da CF.
Em terceiro lugar, pela própria lógica do princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da CF: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), não caberia uma cautelar voltada para impedir a posse in casu. É preciso primeiro que terminem as investigações dos 11 parlamentares eleitos e que o processo judicial tenha seu respectivo desfecho, pois, do contrário, impedir que os parlamentares eleitos sejam empossados equivale a aplicar a pena antes da condenação.
Independentemente do espectro político, não se pode fazer dos atos do dia 08 de janeiro uma brecha oportunista para acabar com toda a oposição. Isso seria extremamente ruim para a democracia do país. A vontade das urnas precisa ser respeitada.
Aqui não se defende a impunidade de parlamentares. Infelizmente, o senso comum costuma associar, de maneira equivocada, a imunidade parlamentar à falta de quaisquer castigos. Como já explicado <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/defensor-legis/adeus-imunidade-parlamentar-03032021">antes</a>, nada mais longe da ratio dessa prerrogativa.
Carlos Maximiliano (citado por <a href="https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2014/03/27/vice-presidente-civil-foi-impedido-de-assumir">Pedro Aleixo (1901-1975)</a> em seu clássico "Imunidades Parlamentares") já afirmava que a imunidade garante o “direito impreterível que tem a Nação de manifestar a própria vontade pelo órgão de seus mandatários, não deixando estes à mercê de agentes do Judiciário que às vezes não passam de instrumentos do Executivo”. Só isso: a punição se dá no seio interno da própria Casa Legislativa.
Em relação ao episódio do último dia 8 de janeiro, <a href="https://www.camara.leg.br/noticias/934281-lira-diz-que-todos-serao-chamados-a-responsabilidade-inclusive-parlamentares/">o presidente da Câmara, Arthur Lira, se manifestou defendendo a punição aos responsáveis que promoveram e acobertaram atos de vandalismo</a>, parlamentares incluídos, <a href="https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/01/lira-defende-punir-deputado-que-incentivou-ataque-golpista-mas-isenta-3-do-pl.shtml">mas não vislumbrou a conduta de incitação por parte dos parlamentares eleitos</a>.
Como já anunciado diversas vezes, o foco da Defensor Legis é jurídico, mas aqui é inevitável entrar na leitura política da pretensão formulada pelo pedido do Grupo Prerrogativas. Impedir a posse de 11 deputados federais eleitos implicaria, ainda que indiretamente, uma alteração na composição das forças políticas, resultante das urnas, no Congresso Nacional.
Isso porque, caso a liminar tivesse sido concedida para suspender os efeitos jurídicos da diplomação e impedir a posse dos parlamentares eleitos, haveria uma questão inédita a ser respondida: quem deveria assumir no lugar dos impedidos?
Daí a indagação: A quem tudo isso favoreceria? Cui prodest? Cui bono?

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JOTA

É preciso ir além dos argumentos da PGR quanto ao pedido do Grupo Prerrogativas

Cabe medida cautelar para impedir a posse de parlamentar diplomado?

É preciso ir além dos argumentos da PGR quanto ao pedido do Grupo Prerrogativas para impedir a posse de 11 deputados federais diplomados