Opinião e Análise

Gustavo Leonardo Maia Pereira

Em dezembro de 2021, o TCU promoveu evento com a presença do presidente do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/banco-central">Banco Central</a> e de ex-presidentes da autoridade monetária para “debater questões relacionadas à condução da política monetária a partir da crise financeira internacional de 2008 e às medidas adotadas para conter os efeitos da pandemia de Covid-19”.
Segundo o ministro Bruno Dantas, vice-presidente da corte, o debate foi concebido com o intuito de subsidiar auditoria operacional instaurada para “examinar o desempenho da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/politica-monetaria">política monetária</a> executada pelo Banco Central, em especial sua aderência aos princípios da economicidade, eficiência, eficácia e efetividade”.
Um dos convidados, o ex-presidente do BC Armínio Fraga, não escondeu seu estranhamento em relação ao interesse do anfitrião pelo tema: “Confesso que fiquei surpreso em ver o TCU analisando política macroeconômica”, e chamou atenção para a cultura de temor na administração pública brasileira, que afeta tanto autoridades nomeadas quanto servidores de carreira.
Os integrantes do TCU fizeram questão de enfatizar que a fiscalização, no caso, tem foco operacional, e não estaria voltada a identificar falhas e irregularidades, mas contribuir com o aperfeiçoamento de processos e métodos de gestão e governança. Ao mesmo tempo, o ministro Bruno Dantas manifestou interesse em ouvir os convidados sobre a aplicação da regra de “flexibilização quantitativa” (quantitative easing, no jargão do mercado), ferramenta de política monetária utilizada por bancos centrais mundo afora em cenários de crise, que foi autorizada no Brasil pela <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc106.htm">EC 106</a> (“orçamento de guerra”).
O BC é uma autarquia com reconhecida capacidade institucional, que já gozava de considerável independência de fato, e passou a ter autonomia formal nos termos da Lei Complementar 179/2021. Seus diretores, inclusive o presidente, são nomeados para mandatos de quatro anos, não coincidentes com o do presidente da República, e que se iniciam de forma alternada. A lei assegura autonomia “técnica, operacional, administrativa e financeira”, não havendo vinculação a nenhum órgão da administração direta. A definição das metas de inflação a serem perseguidas pela política monetária continua cabendo ao Conselho Monetário Nacional (CMN).
É evidente que autonomia não pode significar soberania, sendo desejável que a autoridade monetária e suas decisões sejam submetidas a controles, de preferência democráticos. A lei que disciplina o regime de autonomia do Banco Central previu expressamente um mecanismo de accountability por meio do qual o seu presidente se submete a arguição pública no Senado Federal, para apresentar relatórios de inflação e estabilidade financeira, e explicar as decisões tomadas pela entidade (art. 11 da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp179.htm">LC 179/2021</a>). Não há previsão de fiscalização direta pelo TCU.
Em outros campos da gestão e da regulação, já vimos o TCU dizer expressamente que não interferiria nas escolhas dos gestores, mas, com o tempo, acabou se posicionando como um “super-regulador”. Acontecerá o mesmo em relação à política monetária? Passará o TCU a opinar sobre a taxa Selic?

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