
O Tribunal de Contas da União (TCU) conduz processo para “apurar prejuízos ocasionados aos cofres públicos pelas operações supostamente ilegais dos membros da Lava Jato de Curitiba e do ex-juiz Sergio Moro”. Entre os indícios, “o ingresso do ex-juiz na empresa de consultoria Alvarez & Marsal, que é justamente a administradora judicial da Odebrecht, (…) em processo de recuperação judicial, após as investigações”.
Bruno Dantas, o ministro relator, busca “esclarecer os indícios de inobservância do dever de fidúcia, de lealdade e de diligência”, pela consultoria, “no âmbito do processo de recuperação judicial”, e “obter toda documentação relativa ao rompimento do vínculo de prestação de serviços com o ex-juiz”. As informações poderiam ensejar “concessão de medida cautelar tendente a bloquear os pagamentos à Alvarez & Marsal”.
Pela leitura dos autos, o caso parece envolver: revisão de atos jurisdicionais praticados por ex-magistrado, intervenção em processo de recuperação judicial e fiscalização de consultoria privada que não administra recursos públicos. A sensação é de que o TCU resolveu agir para suprir suposto déficit de controles públicos. Seria esse o caso?
O “controle” do “cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” é atribuído, pela Constituição, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável por “representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração” (art. 103-B, § 4º, IV). O Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive, já declarou a inconstitucionalidade de “controle externo [sobre o Poder Judiciário] por colegiado de formação heterogênea e participação de agentes ou representantes dos outros Poderes”.
Nas recuperações judiciais, o processo é supervisionado pelo próprio juízo. A atuação do administrador judicial, por exemplo, ocorre “sob a fiscalização do juiz e do comitê [de credores]” (Lei 11.101/2005, art. 22, caput). Aqui o STF já afastou a atuação direta do TCU, esclarecendo que “o juízo da falência, responsável pelo acompanhamento do cumprimento do Plano [de recuperação judicial], é o juízo competente para resolver questões referentes ao patrimônio da empresa recuperanda”.
Por fim, a Constituição não confere ao TCU jurisdição sobre particulares que não são “responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos” (art. 71, II) – o STF confirma que “é a origem dos recursos envolvidos” que “permite, ou não, a incidência da fiscalização da Corte de Contas”. Não obstante, o TCU pode “representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados” (art. 71, XI) – acionando, por exemplo, o MP.
No caso, tudo leva a crer que o TCU atua como órgão de controle redundante. A redundância até pode ter um lado positivo, mas não é livre de custos.
Há custo de eficiência na alocação de recursos: em um país com sérias restrições orçamentárias, é desejável onerar o erário com a sobreposição de controles? Também há custo de governança e segurança jurídica: quem deve dar a “última palavra”? Como proceder se os controles discordarem entre si? Ademais, pode haver custo com desperdício de recursos: em vista da jurisprudência do STF, faz sentido a abertura de processo em caso que o TCU não tem competência para fiscalizar?
O expansionismo do controle de contas não é livre de consequências negativas para o Estado. A pergunta é: será que o custo da redundância compensa?