Opinião e Análise

Daniel Bogéa

Recentemente, <a href="https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/10/13/tcu-impoe-sequencia-de-reveses-a-tarcisio.ghtml">matérias jornalísticas</a> voltaram a estampar dificuldades governamentais em desestatizações por conta do controle do Tribunal de Contas da União (TCU). A Corte estaria ameaçando vetar ou atrasar projetos prioritários do Executivo federal.
Seria o TCU um adversário do governo? Esse enquadramento faz sentido quando constatamos que a Corte atua nesses processos antes mesmo da publicação de editais?
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Neste Observatório do TCU, colunas anteriores já examinaram o fenômeno de antecipação do controle sob a ótica das competências constitucionais declinadas ao órgão de controle externo (e.g. <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/o-tcu-como-fiador-de-reequilibrios-08072020">aqui</a> e <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/quem-da-as-cartas-na-regulacao-15052019">aqui</a>). O debate, do ponto de vista normativo, gira em torno da juridicidade do controle prévio, que parece caminhar no sentido contrário do modelo prescrito pela Constituição de 1988.
Pretendo explicitar, do ponto de vista descritivo, os impactos desse controle prévio sobre desestatizações como um dado da realidade. O controle prévio se consolidou como prática institucional. A Administração Pública e agentes privados orientam suas ações e decisões levando esse aspecto em consideração.
Os processos de desestatização, em particular, são regidos por norma editada pelo próprio tribunal (IN 81/2018), que detalha as regras e prazos do controle prévio (ver colunas <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/limites-ao-controle-das-privatizacoes-entre-duvidas-e-certezas-22012020">aqui</a>, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/aderencia-ao-tcu-ode-ao-ppi-05052021">aqui</a> e <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/dialogo-ou-apenas-contraditorio-18032020">aqui</a>). O TCU é arena de disputa obrigatória para que projetos de desestatização saiam do papel. Mais especificamente, tornou-se ator com poder de veto, na gramática de George Tsebelis, em que sua concordância é indispensável para a ação governamental.
A mudança no timing do controle redefine de forma relevante as condições de governança da política pública. Ao menos nesse sentido, com o controle prévio, o controlador governa.
Na clássica classificação de Arendt Lijhpart, regimes consensuais promovem modelos de governar com exigência de múltiplos consensos. Em nosso sistema inegavelmente consensualista, o TCU ocupa um lugar peculiar no arranjo de governança, pois construiu o seu próprio poder de veto. Ou seja, foi a partir de decisão própria que assumiu tal condição, e não como consequência de uma escolha explícita do Constituinte.
Ainda que superadas as pertinentes objeções jurídicas (ver <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/limites-ao-controle-das-privatizacoes-entre-duvidas-e-certezas-22012020">aqui</a>), destaco alguns custos ocultos dessa escolha em participar ativamente da governança.
A função antecipada na etapa de planejamento pode fragilizar a efetividade do controle a posteriori? Qual seria a legitimidade do órgão para questionar um modelo de negócios que está amparado em sua própria visão?
A ativa participação do controlador no planejamento não pode gerar uma paralisia da gestão em sua função precípua, não por medo, mas antes por comodidade? Não estaria o controlador sujeito ao chamado "blame shifting" por parte de administradores pouco responsivos.
Retomo, aqui, a inquietação inicial. O TCU é adversário do governo?
Mais recentemente, o chefe do Executivo rechaçou essa imagem, afirmando que a Corte “participa das decisões como se fosse um órgão integrado a nós, dada a forma como nos relacionamos” (ver <a href="https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/11/4960491-bolsonaro-afirma-que-tcu-deixou-de-ser-um-orgao-que-amedronta.html">aqui</a>). A verdade é que o controlador prévio não é simplesmente adversário, tampouco amigo. Ao deslocar seu papel no tempo, torna-se parte integrante do sistema de governança e suas visões são irremediavelmente incorporadas nas decisões governamentais.
Se a construção desse veto player anômalo pode corrigir questões pontuais com mais facilidade, há de se cogitar consequências mais problemáticas a longo prazo. Essa construção consciente do próprio TCU pode gerar efeitos não antecipados.

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JOTA

O Tribunal de Contas da União ocupa um lugar peculiar na governança ao construir seu próprio poder de veto

TCU como adversário ou amigo na governança pública?

Em nosso sistema consensualista, o TCU ocupa um lugar peculiar na governança ao construir seu próprio poder de veto