Opinião e Análise

André de Castro O. P. Braga

Que tipo de ordem o Tribunal de Contas da União (TCU) pode dar à administração pública? A pergunta ronda o debate há algum tempo.
A Lei Orgânica do TCU é vaga. Diz que, diante de irregularidade, o tribunal pode adotar as “medidas cabíveis” (art. 12, IV) ou determinar “providências necessárias ao exato cumprimento da lei” (art. 45). Com base nesses dispositivos, o TCU vem determinando ou recomendando as mais variadas ações, como a edição de regulamentos, a mudança de cláusulas contratuais e a elaboração de manuais.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
O próprio TCU parece entender que essa ampla liberdade na definição do conteúdo de suas decisões pode gerar efeitos negativos. Prova disso é que, em abril de 2020, o tribunal editou a Resolução 315, que representa inegável esforço de autocontenção.
O novo regulamento prevê, por exemplo, que as determinações do TCU, de aplicação obrigatória, não podem restringir a “discricionariedade do gestor” (art. 5º). Estabelece também que as recomendações do tribunal, de obediência facultativa, não devem ser “genéricas e distantes da realidade” (art. 12).
A Resolução 315 criou, ainda, obstáculos procedimentais à emissão desordenada de decisões. Um deles é o procedimento de “construção participativa de deliberações”, no qual o ente sob fiscalização pode apresentar, na etapa instrutória, informações sobre possíveis consequências negativas das medidas propostas pelos auditores do TCU. Estes, em seus relatórios, ficam agora obrigados a considerar – e, se for o caso, a rebater expressamente – os dados e argumentos apresentados pelos entes fiscalizados.
Após quase um ano de vigência, quais os resultados da Resolução 315? Na tentativa de encontrar uma resposta, analisei 320 acórdãos do TCU, emitidos em processos de auditoria entre março de 2019 e fevereiro de 2021.
Em relação às determinações, houve uma diminuição de 40% (antes da resolução, média de 8,9 determinações por acórdão; após, 5,3). As recomendações seguiram caminho inverso: <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/03/coluna-controle-publico-147-braga-tabela.xls">aumento de 24%</a> (antes, média de 1,78 por acórdão; após, 2,21)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">A partir desses dados, uma hipótese plausível é a de que, nos últimos 10 meses, o TCU adotou maior cautela na formulação de determinações, reservando-as para a correção de ilegalidades manifestas.</blockquote>
Os dados também retratam um cenário de possível migração: deliberações que antes ganhariam o status de determinação passaram a ser qualificadas como recomendações, em tese menos invasivas.
Como todo período de vigência da Resolução 315 transcorreu durante a pandemia, surge a dúvida se a queda do número de determinações estaria, na verdade, relacionada a possível diminuição no ritmo de trabalho do TCU. Não parece ser o caso. Se usarmos o número de páginas dos acórdãos como indicador, chegaremos à conclusão de que, na pandemia, não houve diminuição de trabalho no TCU, nem as auditorias se tornaram menos complexas (antes da resolução, média de 44 páginas por acórdão; após, 48).
Pelo seu teor e espírito, a Resolução 315 constitui uma das principais reformas envolvendo o TCU após 1988. Embora necessitem de aprofundamento, os dados apresentados aqui sugerem que ela já produz impactos na rotina do tribunal, com potencial de tornar o controle público mais previsível. Deve-se acompanhar atentamente sua aplicação, preservar seus ganhos, identificar suas falhas e debater melhorias. Eventualmente, transformá-la em lei. Arrisco dizer que o futuro do controle da administração pública está ali.
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O episódio 51 do podcast Sem Precedentes faz uma análise do julgamento do Supremo Tribunal Federal que pode derrubar a decisão do governo Jair Bolsonaro de zerar alíquota de importação de armas de fogo. Ouça:
https://youtu.be/r2tHugS_7do
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A quantidade de determinações e recomendações por acórdão foi extraída da plataforma Conecta, na página eletrônica do TCU. A planilha com os dados utilizados está <a href="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/03/coluna-controle-publico-147-braga-tabela.xls">disponível aqui</a>.

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