Opinião e Análise

Ricardo Alberto Kanayama

Interpretar textos, em especial normas, é tarefa a que juristas estão acostumados. Isso não lhes confere habilidade para interpretar obra arquitetônica, que possui linguagem diferente. Assim, se um caso judicial envolve questões artísticas, é prudente que o julgador deixe seus gostos e impressões de lado e se apoie em opiniões técnicas.
Não foi o que o TCU fez no <a href="https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A486%2520ANOACORDAO%253A2022/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/1/%2520">Ac. 486/2022</a> (1ª Câmara). O caso tratou da construção de um <a href="https://cmperobal.pr.gov.br/site/sobre">pórtico no município de Perobal (PR)</a> com recursos da União. Após a aprovação das contas, houve representação de vereadores sob a alegação de que o pórtico faria alusão às letras “A” e “L”, que eram as duas letras iniciais do nome e do sobrenome do então prefeito, Almir de Almeida. Assim, a obra constituiria promoção pessoal do gestor, violando o princípio da impessoalidade.
Na defesa, o prefeito alegou que o projeto arquitetônico havia sido discutido e aprovado na Câmara Municipal e não teve qualquer objeção a ele na época. Ademais, conforme as arquitetas autoras do projeto, as formas, os materiais e as cores da obra resgatavam a história do município e o ciclo econômico da árvore peroba.
O Ministério Público do TCU, divergindo da Unidade Técnica, opinou pela ausência de comprovação do desvio de finalidade ou promoção pessoal. Para tanto, fez remissão à decisão de improcedência na ação de improbidade administrativa que tratou do mesmo fato.
A sentença na ação de improbidade — mantida pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tjpr">Tribunal de Justiça do Paraná</a> — entendeu que a execução do projeto obedeceu aos ritos legais. Atenta aos esclarecimentos das arquitetas da obra, concluiu que “o portal foi criado com base em simbologias envolvendo a história do Município de Perobal, nada remetendo as letras iniciais do nome do Requerido Almir de Almeida, até porque, como restou declarado pelos denunciantes e informante, não têm conhecimento de que houve, por parte do Requerido Almir de Almeida, solicitação de inclusão das iniciais de seu nome no projeto arquitetônico do portal, o que afasta a existência de qualquer dolo ou culpa por parte do Requerido”.
Contudo, ocupando o papel de crítico de arte, o TCU teve conclusão diversa. Segundo ele, “a geometria do pórtico não guarda qualquer relação com quaisquer aspectos sociais, econômicos, históricos ou culturais do município ou da região em que se encontra inserido”. Para o TCU, o memorial descritivo do projeto “não explica a inevitável semelhança do resultado obtido com as letras iniciais do nome e sobrenome do responsável. Nenhuma das formas geométricas lembram vagamente uma árvore (peroba) e a visão que as arquitetas tiveram de uma 'forma triangular' parece-me indiscutivelmente a letra A maiúscula”. (grifo nosso). Diante disso, o TCU condenou o prefeito a ressarcir o erário e a pagar multa.
O caso poderia ensejar discussões jurídicas como o problema da (in)dependência das instâncias, da comprovação do elemento subjetivo ou da garantia do in dubio pro reo nas sanções administrativas. Nem mesmo a arte está imune à presunção de desonestidade do gestor sob os olhos do TCU.

pórtico município perobal

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JOTA

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