Opinião e Análise

Rodrigo Luís Kanayama

Recentemente o TCU publicou em sua conta do <a href="https://www.instagram.com/p/CoXcPqYstpa/?utm_source=ig_web_copy_link">Instagram</a>: “O Tribunal de Contas da União (TCU) tem contribuído com a responsabilização dos grupos que idealizaram, financiaram ou executaram os atos de violência contra o patrimônio público. Para isso, depois de concluir o levantamento dos prejuízos, será aberta uma tomada de contas especial (TCE) para que os envolvidos indenizem a União”.
Mas é o TCU competente para condenar pessoas envolvidas na destruição dos prédios dos Três Poderes da República, visando o ressarcimento dos cofres públicos?
A Constituição prevê, entre as competências (art. 71, II e VIII): julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores, as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público, e aplicação de sanções a responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas.
A Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992), além de repetir o texto constitucional, traz em seu art. 5º que a jurisdição do tribunal abrange: “qualquer pessoa física, órgão ou entidade (...) que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”, e “aqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário”.
Esses são os dispositivos legais mais próximos da interpretação pretendida pelo TCU, segundo a qual a ele caberia responsabilizar envolvidos nos atos de destruição de patrimônio público. Entretanto, parece-nos que nenhum deles permite fundamentá-la. As regras se referem àqueles que exercem funções públicas e que detêm recursos financeiros ou bens públicos sob sua responsabilidade, sob sua gestão.
O TCU poderia defender que a parte final do inciso II do art. 71 da Constituição e o inciso II do art. 5º da Lei Orgânica garantiriam sua competência para condenar os revoltosos (“aqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário”). Mesmo assim, “perda, extravio ou outra irregularidade” levam à interpretação de que alguém perdeu, extraviou ou praticou irregularidade quando devia agir ou cuidar de algo por mandamento legal. A destruição de prédios públicos por pessoas do povo, sem vínculos estatutários, políticos, de fato, ou por contrato com o Estado (ou, ainda, por servidores públicos que lá não exerciam suas funções públicas) não está abarcada pela competência do TCU, com o fim de aplicação de sanções e determinação de ressarcimento.
Suponha-se um acidente de trânsito entre dois automóveis: um privado, outro da União. O TCU determinará o ressarcimento se a culpa foi do particular? Faz sentido que o tribunal exija o ressarcimento de absolutamente todos os eventos danosos praticados por particulares e que envolvam bens da União? Ou ele deverá escolher os casos que a serem apreciados – o que pode lhe trazer os dissabores da omissão?<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Enfim, um dos requisitos para o desenvolvimento econômico é a confiança nas instituições (a tradicional segurança jurídica). No Brasil, embora o Estado democrático de Direito ainda esteja se consolidando, é relevante que se definam e se respeitem competências constitucionalmente concedidas, afastando, definitivamente, a “redundância de controles”.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Conferir: SUNDFELD, C.; CÂMARA, J. Limites da jurisdição dos tribunais de contas sobre particulares. Revista Justiça do Direito, v. 33, n. 2, p. 198-221, 31 ago. 2019. Os autores analisam a tormentosa e atual questão, trazendo exemplos (inclusive “colisão com veículo federal” e “vandalismo”, que utilizamos no texto).

atos golpistas

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Apenas quem administra valores públicos pode ser condenado a ressarcir

Pode o TCU condenar os vândalos do 8 de janeiro?

É o TCU competente para condenar pessoas envolvidas na destruição dos prédios dos Três Poderes, visando o ressarcimento dos cofres públicos?